PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

segunda-feira, 25 de junho de 2012

ILHA SELVAGEM

A voz da poesia
era uma ilha.

A ilha era indefinida
e quieta.

O paraíso era a minha cama,
o sono era passageiro
mas me libertava
do dia.

A ilha era bela
e profunda
como o abismo
dos meus olhos.

Eu prometi esquecer
dos lugares seguros,
e olhei através
do espelho
a alma inconsolada
que vigiava
o pranto
selvagem
que não
nascia.

24/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

BEAUTIFUL

Eu criava coisas
de minha cabeça,
não tinha escolha.

Eu sabia que não
tinha escolha,
criava coisas
em minha cabeça,
planos de fuga,
xeque-mates,
mortes violentas.

Eu não media
as consequências,
criava coisas
inconsequentes
na minha cabeça,
sonhava com o desconhecido,
flertava com o imponderável
como se fosse uma
alma penada.

E nos litros d`água
dos meus anseios,
bebia seios da natureza
no cosmos azul
que inundava
nas canções.

24/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

A PALAVRA DO BREU

A gota de Neruda
cai na barcarola,
passaredo de ressaca
na vida que chora.

A vingança não errou,
apenas silenciou
na onda que beija
a areia,
com o coração
ainda vivo
de torpor
e desespero.

Mas, no lamento do poeta,
restou na palavra
uma palavra
que não foi dita,
pois não disse
o poeta
que dela
se esqueceu.

24/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

NEVER AGAIN

Maior tragédia
é a voz da rua,
oh darling!

I saw in the dark
the colours
of flames,
tomorrows nearing
the shadows.

Camarada, it`s time to relax!
Eu calo num lago,
um galo canta
o regalo,
away from
this morning.

Veja, meu nobre estro,
como converso
com a noite
furiosa,
mormente morte
dormente,
paz silente
que anda
na onda
fatalista
dos
que pensam
errado.

Eu veria minha nota musical
como verso em tudo o mais
que nunca importou,
a voz desavisada
perdeu o vício
num mar.
O mar levou o amor
pelo vício
de outrora.
E a hora
foi embora.

24/06/2012 Libertação (Gustavo Bastos)

NOTA EM DESATINO

Não, eu não vou me matar.
Não, eu não vou me matar.
Eu mato todos vocês
em meu verso.
Não, eu não vou me matar.

A vaga noite em que cai
o meu corpo
não sentirá a dor
da bala,
uma fada é o meu
torpor,
meus problemas
são enfados
de poeta.
Não, eu não vou me matar.

Cada verso que cai
é um pouco de morte
para quem quer
lê-los,
versos plurificados
na noite vaga noite
que o anjo
extermina,
pois de poeta culmina
a dor apodrecida
de um sonho
suicida.

24/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

PENA DE SAUDADE

Amável, porque senti
a dor diurna
em plena noite.
Folgado pela manhã
eu via a lua,
eu queria tanto
tudo,
tudo que não vejo,
tudo que não compreendo,
meu entendimento
tem sede
de universo,
fome de mundo,
as estrelas caem
em meus versos
e flutuam
como música
numa saudade eterna
da luz que um dia
brilhou em meus
olhos.

24/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

RITMO CALADO

Meio-dia, eu voltei da
zona sul,
não compreendi o sol,
só entendia de chuva,
da vida nublada
num copo de vinho,
de uma névoa cannabis
canja ganja zumba zumbi.

Perdi a hora outra vez.
Cantei no mormaço
sem entender nada?
Nada, pois que gritava.
Os homens passavam calados.
As mulheres ficavam
no meu peito,
mas eu as queria
em meus braços.

Esqueci as chaves de meu carro,
mas eu não era o carro.
Esqueci as chaves de casa,
mas eu não era a casa.

Only thing I need,
I`m bad,
in a bad mood,
I`m yours,
my little child.

Eu cruzo o meu caminho só.

24/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

POETA

Olho para estas páginas,
olho para os cadernos
que eram brancos,
que estão brancos.

No out-door está uma passagem
ao nada.
Não sei a respeito deste nada
de que tanto fala
a publicidade.
Outrora eu fui feliz.

Toca Jazz, ouço as vozes,
ouço o pássaro romântico
no meu peito,
eu olho o meu sangue
como se eu fosse
um vampiro,
olho o miasma
e a fumaça
de meu cigarro.

As trevas são belas,
elas são cegas
e não veem
a dor humana.
O demasiado humano
passa por fora,
a poesia é uma porta
que se fecha
e tranca o coração
no pulo.

24/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

A VOZ ARTÍSTICA

Os veios da escultura
multifacetada,
faces informes
de poemas socorre.
A maldita flor do dia
escurece a saudade
do espinho.
O rito é cáustico
e o emblema
é capital,
definitivo o poema
que insurge
contra a ordem
e a medida,
o poema é a mordida,
a alma ferida,
as cores silvestres
que cobrem o mundo
com suas maledicências,
o poema corre por onde anda,
vagueia por onde se perde,
e chama por onde
se esconde.
O poeta é um homem inconsolável,
um mar revolto de paixões,
um oceano solitário
de silêncio e meditações.
O verso, criança inconsequente,
é só um vazio repleto
de música e sonho
da voz imutável do poeta.

23/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

LUA NUA

Cada camada se expõe,
poema-dia
é o meio
do caminho,
noite-poesia
é o fim
do caminho.

Não trago só a dor da poesia,
não sei apenas de dores
de poetas,
o que leio como faminto
é o jogo da palavra.

Mistério, símbolo, carne,
alma, corpo, fuga, sono,
sombra, luz, desejo,
sonho?
Não, eu sou variedade
na mesma pena,
sou a múltipla criação
em um mesmo instinto,
o vinho é o poema,
o poema é o meu vinho,
poesia?
poesia?
Tudo, tudo, nada, nada!
Poesia não é sim
para o mundo,
é o soturno sol
da noite nua lua.

23/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

ARTE OLVIDADA

Pérola dos dias, o setembro negro
passou, loucura tarda e tardia,
vigorava no aceno da vida,
convulsão de anarquia,
flores rasgadas de sonhos,
dor imatura da orgia.

Planalto, solo infértil
da encosta,
recurvo ancião
do gládio,
eu sempre via
depois da noite
a tal prometida,
não via mais nada,
sentia no frêmito do tempo
o desespero de minha alma
em chamas,
eu chamava o carrasco
das paixões,
eu servia ao demônio
do meu tempo,
eu não sabia o que era
o sofrimento
dos jovens,
rumo ao passado morto
dos devaneios,
loucura absoluta
do patíbulo
em que o pensamento
se dissipa.

A noite era penumbra
na dor aviltada,
um poema se perdia,
um poeta se matava.
Eu não ouvia nada,
só mesmo a alma
devotada após uma derrota
pode desvelar
o delírio,
não era meu
o que dizia,
um outro, intruso da
loucura,
sentia em mim
figuras de sombra,
uma composição
se abria,
mas as passagens
de suas voltas
não eram minhas.

Eu entendi, após o delírio,
que o dilúvio das ideias
necessita da loucura
para renascer na razão,
e precisa compreender
na loucura
para ressuscitar
na fé,
o espírito me diz,
e o resto é poesia.

23/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

POESIA CADAVÉRICA

O suspiro da noite
evoca a morte.
A morte, alva negra,
bílis melancólica,
decreta o meu túmulo
em meu esquife
o meu ser.

As noites dos corpos
são canções de lamento,
os corpos dançam
na noite,
a escuridão das trevas
é o meu nome,
eu sou o cadáver do inferno,
a alma do limbo
que grita
no meu corpo.
No meu corpo
eu grito
o meu limbo,
eu sou o cadáver
da noite,
eu sou a morte rancorosa
da sorte,
a morte morrida
que jamais morrerá
porque não foi matada,
a morte poética
na noite que esconde
meu horror de poeta.

23/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

CANTO SECO

Na sarça o fogo mana
de um torpor sem dor,
áureo filosofema
de todo o ser,
ser-de-si que afunda
na sombra,
ser-de-outro que ilumina
o coração solitário.

O fogo, ventre da arte,
refulge indômito
pelas paragens.
O fogo, mestre tenebroso,
anseia a cripta e a pira funerária
da veste escarlate,
túnica do sábio solar
no nervo que rosna
a febre dos dervixes
em dança hipnotizada.

Ruge a esfera, Sol e Lua,
Estrela rosa vermelha
de âmbar,
escultura do corpo celeste
na onda de Éolo
e o sopro ao sotavento
do mar,
oceânides fundam
suas lápides,
e o poeta conversa
com a bruma salgada.

O vozerio da enseada,
rouco tilintar de mistérios,
vulcaniza o poema sombrio
nas dálias refeitas
e selvagens,
lembra ao poema-ônix
telúrico emblema
de Poesia Arcaica,
leveza de elmos,
heráldica potente
que tem ênfase e rigor.

Nas águas mansas do esquecimento,
vai o pássaro-mortal
morrer de amor-ódio
na sombra-luz
da penumbra.

O sal, vigor da vida,
é a moldura da cristalização
do caos,
cristais virgens
que a revoada
dos poetas
chora,
carne viva
da lembrança,
emoção sentida
da esperança.

Os poetas, bêbados de vinho,
são salvadores da folia,
embriagados na ambrosia,
vagando pelo silêncio
que a noite venera,
ócio contemplativo
e asceta
de um anacoreta
no rio do enigma.

O sol, destemor indelével,
marca da faca e da carne crua,
vigia a nudez fêmea da lua
ao navegar na constelação
da noite para após a aurora
tornar-se em luz furiosa
ao som da sinfonia
dos elementos naturais
que o cosmos
anuncia.

Crepúsculo da divindade,
o vento zéfiro
rumoreja
o sopro de vida
e a arte regenera
a vida
posta em si mesma
como
vida vivida.

23/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

OLHO

Saber do limite
do olho,
ao qual se olha
e que olha
o todo,
refém do mesmo
e da angústia
do nada,
olho que vigia
e que vê sem ver
o que enxerga,
não existe
o sentido pregado,
o entendimento
buscado,
a teoria é exumada
pelo olho,
a existência é um olho,
o olho não compreende,
compreensão é uma ilusão
da razão,
o que há é a visão
que não se compreende,
que não se entende,
que não se crê
na certeza,
o olho é a dúvida
do que se vê,
o olho sente
e não se preocupa
em um dia se cegar.

23/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

O DILEMA ROTO

Eu não sei da raiva
que grita
no soco
do sol,
luz vinda,
partida,
que ilumina.

A raiva, viciada em ódio,
cai rota na sua rota,
plêiade ignota,
rua rarefeita,
paz desfeita,
na lua perfeita.

Ando meio sei lá,
com dores de acolá,
um vinho e um enfado,
uma pausa marcada,
talvez o rio de sono
na voz embargada.

Olhos selvagens,
em vão tuas miragens,
noites e sacanagens,
que não serão, nunca serão,
o que saberei
após os dilemas
destas viagens.

23/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

AUSCULTA DO POEMA

A cerração do sono
refulge na inóspita
aquarela.
Faz saudade e sombra
serem irmãs,
sombra do entendimento
na cor funda
que resvala
nas ondas
do topázio.

Sai de carreira o poeta
e sua chave.
Faz da ponte do coração
seu desenlace.
E num lance qualquer
vê o fim e a paisagem.

Como um alarde,
o gigante mortal
se afunda
em sua alma
de vitral
escondida
num lago
de pensamento
submerso
e incompreendido.
Faz assim
para ser
ouvido.

19/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

POEMA FANTASISTA

Um grande beijo
ao som da flauta doce.
Um doce desejo
de um ensejo.
Cabisbaixo o peito desarmado
que se iludiu de paixão.
Bem mais alto o coração.

Vaga nuvem esfera.
Passa o tempo que espera.

O poeta sorri de mau sonho
que não veio,
mais um engano
de seu anseio.

O poeta, correndo desvairado,
presta atenção no que
vem e em tudo que canta,
pois da pena que se espanta,
faz de poema o que antes
era problema,
faz de si emblema,
e não esquece
dos amores
versos
desandados
que vivem
o sol
e a fantasia.

19/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

VENTO E SOPRO

Fluidas eras de outras épocas,
ferida lástima do horror.
Em meu corpo uma rima sofrida,
em meu corpo os ossos
que se cobrem de carne.

Nas almas latejam corações
sem rumo, almas do pulo,
salto mortal.

Eras que não lembro em demasia.
O horror e sua ambrosia.
Os deuses, conspirando,
eternos em suas vestes e túnicas
frugais.
Desejavam o desejo
como o ódio
deseja a morte.
A preguiça é o norte,
e a fome o consorte.

Noite finda, uma noite ainda
a mais em demasia.
Ademais, um alegre cantante
faz de rima em rima
seu ar enervante.
Apenas um instante,
um passo adiante,
na dor que sucumbe
no ar que irrompe
com vento e sopro.

19/06/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)