PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 23 de março de 2011

SOBRE ROBERTO PIVA E SEU LIVRO PARANOIA

Acabei de ler o livro Paranoia de Roberto Piva. Devorei rapidamente suas páginas como um louco feroz que se ensandeceu na geração beat. O poeta faz um percurso por São Paulo e suas influências que vão de Garcia Lorca a Jorge de Lima. Esse caldo poético resulta num apanhado de imagens originalíssimas que não devem nada à beat generation americana.

Por muito tempo presente apenas no meio culto dos poetas, a poesia de Piva reaparece e está sendo revitalizada, o valor de sua escrita está finalmente saindo do submundo dos poetas e vindo ao público com justiça, mesmo que tardiamente. Aliás, o atraso no reconhecimento de alguns poetas é um mal brasileiro.

Para mim se destacam no livro Paranoia quatro poemas: Praça da República dos meus Sonhos; Jorge de Lima, panfletário do Caos; Os anjos de Sodoma e Poema Porrada. A obra de Piva é bem intensa, mas a geração beat brasileira foi ofuscada pela geração conservadora de 45 e pelos neoconcretos, espremida entre essas duas correntes, passou desapercebida do grande público, que hoje pode ter acesso à obra de Piva e de seus amigos “beats” com mais facilidade, sem falar na publicação da obra de Piva pela editora Globo que relançou o poeta e lhe tirou da nuvem tóxica da obscuridade, parabéns aos editores que fizeram isso, assim poderemos sair de poucas opções de leitura na poesia de língua portuguesa que, cada vez mais, se excede nas citações de Drummond e Pessoa, e se esquece de milhares de outros que honraram a nossa língua com tanta maestria quanto eles, faça-se a justiça e evite-se os excessos reverentes que deturpam a grande criatividade de nossos poetas.

Voltando-me à qualidade da escrita formidavelmente caótica de Piva, no poema “Praça da República dos meus Sonhos” temos os nomes ilustres de Álvares de Azevedo e de Garcia Lorca citados logo de saída, tudo num clima urbanoide de ritmo narcotizado, esse poema é um fruto proibido do pecado alucinógeno, donde se tem o Delirium Tremens de um alcoólatra poeta, nascido do caos de seus versos para o mundo que lhe cerca, logo adiante trombando com pederastas e Dom Casmurro, um papo cabeça genial em forma poética invade a minha mente, em que putas logo passam e o poeta se depara com o jovem prodígio Rimbaud que se encerra numa sabedoria debruçada numa porta santa.

O segundo poema que eu destaco é “Jorge de Lima, panfletário do Caos”, em que Piva demonstra seu entendimento sobre o poeta, com a palavra azul que cintila em Piva dando o tom do poema decifrando numa constelação de cinza o poeta Jorge de Lima, despedaçando vagalumes contra os ninhos da Eternidade, chamando o poeta de professor do Caos, aliás, uma virtude também presente em Piva que, em relação ao mestre Jorge de Lima, Piva se comporta como o seu aluno do Caos.

O terceiro poema que eu cito é “Os anjos de Sodoma”, um poema de aliteração, recurso exaustivamente usado por quase todos os poetas alguma vez na vida, e que nesse poema de Piva é usado discretamente evocando o mantra do título do poema que é um voo de anjos até o céu que têm suas asas destruídas pelo fogo, algo meio como Ícaro? Maybe. É um poema curto e que se funda na mística dos anjos que se encerra com o arrependimento de Deus, imagem poética perfeita que fecha a ideia de Piva para o poema.

Finalmente, encerro a minha análise com o curioso “Poema Porrada”, seria algo semelhante ao “Poema em Linha Reta” de Fernando Pessoa? Maybe. Fui ver e ler, então percebi que era algo tão forte, intenso e criativo quanto o poema de Pessoa (que é o meu favorito do poeta junto com A Tabacaria). Pois bem, Piva “desce a lenha” nesse poema honrando o título que lhe deu, é uma porrada mesmo, ele desfere golpes impiedosos com versos que não devem nada a nenhum gênio da raça, citando Oscar Wilde e Modigliani, com o universo sendo cuspido por um cú sangrento de um Deus-Cadela, imagem escatológica que pode ser uma boa alegoria para a criação do mundo, Deus talvez tenha nos regurgitado em seu sonho megalomaníaco (licença poética de minha autoria), Piva delira e encerra o poema com uma porrada monumental realizando o seu desejo de destruição e fuga com a loucura como um “espelho na manhã de pássaros sem Fôlego”. Genial!



23/03/2011 Crítica Literária

(Gustavo Bastos)

Perfurando Lacan

Quanto assombro assoma
na psicanalítica feroz
do corpo e das entranhas.
Um estranho poder ruge
de tal condição humana,
o segredo está em saber
em qual nuvem ácida
estará o sentido do caos.
Fumaça de riso
em antologias
depauperadas
de vinho
e torrenciais paixões mortais,
com frascos de perfume
inalados pela loucura
de demônios nus
conspirando
o terror da bruma
em sonho hipnótico
de uma obscuridade
lacaniana
com o significado
tremulando
como a bandeira
do acaso.

23/03/2011 Delírios
(Gustavo Bastos)

Cadência do Imprevisto

Na barca da lua
rumina sonho
da estratosfera,
alcança o sol
e cai no mar.

O foguete do meu sonho
anarquiza o céu
e faz do fogo
sua injeção
de felicidade.

Compro jornais, revistas e livros,
os leio no enlevo do dia.
Despautério é o sentimento da orgia.

Sofro calado a injúria de um energúmeno.
Sofro gritando no deserto escaldante.

Vou pelo paraíso esquecido
do não e do vazio.

Caio em migalhas do palco surrado.
Não tenho armas.
Não vou lutar.
O que me faz cantar
é o som da honra
de tudo brilhar.

Eu fico mudo no meu mundo
e vou à praia mergulhar
no mar.

Se a selva me seduz?
Se o poema me regenera?
Se a cura é o que se espera?
Se a alma se conduz?

Não faça da questão
meu martírio,
não corrompa a poesia
segregada da notícia.

Faça de conta que sou Romeu
e você a Julieta,
mas não vamos amar
que nem dois caretas.

Vamos amar o ódio,
vamos odiar o amor,
vamos depois amar
o amor e odiar o ódio.

Vamos depois ao cinema
e ao teatro,
vamos depois ao bar
e ao restaurante.

Mas não me fale de ilusões,
não me faça de idiota ou capacho,
não sou um cão de guarda
e nem vivo de sonho.

Sou as minhas trevas internas
explodidas nos moinhos do tempo,
sou caótico em verso
e não aceito o divã
infernal do corpo.

Guardo minha libido
para o que ela rumina,
sou o alvo da morte,
mas escapo com sorte
do fim do fim

inesperado.

23/03/2011 Delírios
(Gustavo Bastos)

terça-feira, 22 de março de 2011

Poema Vazio

As sombras marcam
a mendicância de fome
brutal como a queda
de um palhaço no circo
depois do globo da morte

As sombras exalam ares
mefistofélicos
de umbrais morfeus e azares

Quando os ouvidos se abrem
ao verso ressurrecto
paisagens de sonhos
viajam nas veias
do labirinto urbano
como doenças venéreas
que cantam como morcegos
nas noites das putas

O que matou o poeta
não foram os versos

As sombras que perseguiam
o poeta
eram como
valquírias
no desalento
do poema
fundo como
o buraco
do vazio

22/03/2011 Delírios
(Gustavo Bastos)

O Poema da Patuleia

Que se faz, juventude explode,
na raça e no poema
da vida que rosna e ataca.

Ventre rompido pelo sêmen,
boca adestrada pela língua.

O dente afiado para a carne
é o grito no asfalto
que corre nas ruas.

Poetas marginais são ladrões
de versos temerários.
Os horizontes maculados de fogo
são orgias poéticas
no sol vermelho
que lampeja
nos olhos.

A patuleia se agita em Copacabana.
Sangue bandido escorre
na vida da varanda,
um esteta morre ao brincar
com a porra e o desejo.

Não sou daqui, desta sujeira,
poeira na cauda de um furacão.
Sou o exorcista embalsamado
de antiguidades barrocas
num lance moderno.

Na janela da magia
se pode ver
o socorro mordaz
da casa poesia tinindo
de robusta.

Atravesso a cidade,
um ar de frigorífico,
de lixo remoído,
de fumaça tóxica,
paralisa as minhas narinas.

A criança, também aberrante,
chora pela mãe alcoólatra
que tira a roupa
e grita por desespero.

Os mendigos, sábios urbanos,
enlouquecem de fome
e secam seus corpos
fumando crack.

A vida é uma dureza
nestes tempos tão azedos
em que cada um se faz
de dia e de noite
como os horrores
dos jornais.
O dia passa e todos dormem.

22/03/2011 Delírios
(Gustavo Bastos)

Crítica Poética

Sou poeta, não sou fingidor,
nem finjo dor quão deveras
sentida.

Sou poeta, e não tenho feridas
para fingir que são tumores.
Da nau se tem a vida,
mas nem tudo vale a pena.

Minha alma não é pequena,
mas ela escolhe onde andar.
O poeta sabe de coisas
que lhe custa recitar.

Não. Eu não sou um poeta
fingidor.
Fingir que é dor, o que deveras
é dor senão o túmulo?

Pelos que repetem ad nauseam
seus cânones,
não vale a plateia e nem
o sucesso,
não vale a crítica e nem
o mundo.

O cânone é um veneno acrítico
que repete sua ladainha
para os novos poetas
ignorados.

22/03/2011 Delírios
(Gustavo Bastos)

Os Poetas

Os poetas cantam suas dores
como se fossem amores
fracassados.

Os poetas cantam hinos
para aliviar a angústia
de seus delírios.

Os poetas são pobres versos
derramados com candura
para o mundo possesso.

Os poetas não sabem de nada,
apenas ousam ser diferentes
quando o igual é a realidade.

Os poetas são heróis
de uma farsa romântica
com rimas pueris.

Os poetas são anarquistas
com o verbo pulsante
de um criador.

Os poetas acordam e veem
que nada lhes toca
senão as musas e seus
mistérios.

22/03/2011 Delírios
(Gustavo Bastos)