PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 20 de junho de 2024

GOVERNO MILEI - PARTE 1

 GOVERNO MILEI - PARTE 1


“teste de estresse constante na manutenção de uma política de cortes draconianos”


Javier Milei fez diversas promessas radicais na sua campanha à presidência da Argentina, a plataforma eleitoral chamada La Libertad Avanza, o partido dele. Dentre ideias polêmicas estava a do mercado de órgãos humanos e o porte livre de armas, o que não aconteceu. A apreensão de sua posse vinha do fato que, efetivamente, se tratava do primeiro “libertário” na História Mundial a governar um país. Outro termo que se pode usar para Milei é que ele era um outsider da política.

Depois de um semestre de governo, outras promessas radicais também não ocorreram, como o chamado “cepo al dólar”, que seria a remoção do controle de capitais, e também a dolarização da economia argentina e o fechamento do Banco Central. Javier Milei disse que ainda pretende implementar tais medidas, mas o governo quer primeiro ajustar a economia, com a redução da inflação, que até então era a mais alta do mundo, em 290% ao ano.

O pragmatismo parece ter falado mais alto, no entanto, com medidas de fortalecimento do peso argentino, valorizado em 70%, e a dotação de fundos para o Banco Central, que se encontrava com reservas negativas. O conflito na Argentina se deu, contudo, quando Milei fez um ajuste sem precedentes nos gastos públicos. 

Outro fato que abala o cenário são suas declarações polêmicas em público e nas redes sociais. Medidas que também geraram conflito foram os mandados de busca expedidos pela Justiça contra depósitos de alimentos estatais, afetando a distribuição de alimentos aos restaurantes populares. Crises como o aumento da dengue no verão e a falta de gás natural no início do inverno também ocorreram. 

A política do déficit zero é outro tema em que o governo de Javier Milei tem sido draconiano, e neste caminho para que o Estado argentino tenha mais receitas do que gastos, o presidente já afirmou que é algo inegociável, pois considera como o único caminho para o combate da inflação, pois, segundo o governo, a emissão que gera a inflação surge justamente quando o Estado gasta mais do que arrecada. 

O custo social da política de déficit zero, no entanto, tem gerado conflitos e convulsões, pois houve um ajuste radical de 35% nos gastos do Estado em comparação com 2023. Num país secularmente no vermelho, o resultado de não ter tido déficit nos primeiros seis meses de governo, como o de ter gerado superávits gêmeos, o que equivale a excesso de receita sobre despesas fiscais e comerciais, algo raro na História do país, revela o diapasão radical de transformação das contas públicas argentinas, contudo, sem levar em conta os custos sociais de um remédio traumático e amargo que pode virar veneno se não tiver a dosagem adequada.

Este sucesso superavitário na base de um ajuste draconiano é contestado pela oposição política, por exemplo, na figura de Cristina Kirchner, que contesta estas informações lembrando que a Cammesa, encarregada de operar por atacado o mercado elétrico, não recebeu pagamento do governo, existem obras públicas sem financiamento, além de dívidas não pagas às províncias e desembolsos às universidades. 

Além disso, entre os próprios economistas há controvérsias quanto à eficácia de um ajuste econômico tão radical como o de Milei, do ponto de vista da tolerância e resiliência social de seus custos para a vida da maioria da população argentina, e que tem sido um teste de estresse constante na manutenção de uma política de cortes draconianos sem a contrapartida social e de sustentação dos índices de saúde social do país. 

A aplicação do que Javier Milei chamou de “motosserra” em sua campanha, que visa ao déficit zero, já atingiu cortes em 13 dos 17 itens do Produto Interno Bruto (PIB) herdado de administrações passadas, que envolvem questões fiscais, comerciais e do Banco Central argentino

A chamada motosserra de Milei representou, na prática, até agora, a redução de secretarias e ministérios pela metade, corte de funcionários públicos com menos de um ano de serviço, suspensão de obras públicas por um ano, suspensão da publicidade do governo na imprensa por um ano, redução ao mínimo de transferências discricionárias às províncias pelo Estado argentino, além da redução de subsídios aos setores de energia e de transportes. 

Os efeitos colaterais destes cortes da motosserra são, por exemplo, o colapso da construção devido à suspensão de obras públicas, e o recuo do índice de produção industrial. Na administração pública, por sua vez, depois de cerca de 25.000 demissões no Estado argentino, Milei já disse que pretende demitir mais 50.000 funcionários públicos. 

A Argentina se tornou, nos últimos anos, incrivelmente dependente do trabalho público para manter seus índices de emprego, e a redução dos postos assalariados representou para a Secretaria do Trabalho, por sua vez, uma queda do índice de emprego no país, com um recuo da atividade econômica de 5,3% no primeiro trimestre do ano e de 8,4% em relação a 2023.

O argumento para o ajuste econômico é a ideia de que a economia argentina irá ter uma trajetória em V, isto é, o primeiro semestre terá um vale, um fosso, e dali um rebote quando o controle de capital sobre o dólar for aberto. Um dos sinais, segundo o governo, de recuperação, vem da volta de oferta de créditos hipotecários pelos bancos 20 e 30 anos, algo pouco usual no país. 

O Fundo Monetário Internacional (FMI) endossa a tese de recuperação e estima um crescimento econômico de 5% da Argentina já em 2025, mesmo órgão que previu crescimento de 2,8% em 2024 e teve que rever para uma expectativa de contração de 2,8%, antes de voltar a crescer em 2025.


(continua)


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.


Link da Século Diário :

https://www.seculodiario.com.br/colunas/governo-milei-parte-1

quarta-feira, 19 de junho de 2024

VIDA E ARTE

Brinco com a arte, neste instante

perante o dia, a noite, diante

de toda vida tonta de vida.


Arte-vida, nesta vida que tem arte

viva, e que mais ainda, intensa,

tenha vivo o artista de sua vida

que faz arte.


19/06/2024 Gustavo Bastos - Vibe

CANTO AGÔNICO

Criatura, em sua senda pálida,

sem poesia, ignara.

Peste que foste,

nada resta, sua 

existência de

inseto,

insossa.


Vértebra, abulia

de uma carne flácida.

Agonia, os sete ritos

desta elegia.


19/06/2024 Gustavo Bastos - Monster

CANTO ESCALAR

 Plêiade, da mais viva chama,

este esteta estrela, dá mais 

este vermelho, na carne 

que vive, no corpo

que baila.


Veste teu crepúsculo,

e a vida feliz basta,

na cor do som,

na hora vívida

dos mares.


Ah, este frescor, este sopro!

Este livro escrito com letras 

sonhadas, em papel fosco,

um belo dia canto melodia,

o doce, a dança, e que tudo

fosse, sim, assim, neste dia

em que estes rios correm,

com a lagoa virada

em mar, e o denodo

da montanha em sua

escala altíssima.


19/06/2024 Gustavo Bastos - Vibe

TROCAÇÃO ABSURDA

Se vi tal dor fantasma, o membro rijo,

este era uma gangrena, espasmódico

poema do pensar sobre a morte.


As algas sujas, e o plâncton rosa,

junto ao ferro, ao microplástico,

e a vida em um lodo plácido,

eis o mar mais poético daquele

poeta triste que se matou.


Voltagem, na cara do ladrão,

nas pústulas e nas chagas,

e cicatriz, vinda de um surto

em carne viva, fez deste 

polímata, poliglota,

troglodita, parâmetro

destas exéquias.


19/06/2024 Gustavo Bastos - Monster

domingo, 16 de junho de 2024

LORDS OF CHAOS – A SANGRENTA HISTÓRIA DO METAL SATÂNICO UNDERGROUND - PARTE XIV

"foi testemunhada a transformação de uma retórica violenta em acontecimentos trágicos reais”


A cena black metal norueguesa, durante a década de 1990, embora tenha havido algumas mortes, os membros deste círculo parecia indiferente ao destino fatal desses outros que também pertenciam à mesma cena. 

Por exemplo, quando Dead se matou, Aarseth viu uma oportunidade de alavancar o hype do Mayhem, pois colheu os ossos de seu crânio e distribuiu entre os músicos da cena e tirou uma foto do cadáver do vocalista com a cabeça estourada por uma espingarda, que estava ainda junto de Dead, foto esta que virou a capa do álbum “De Mysteriis Dom Sathanas” do Mayhem. 

E quando o próprio Aarseth morreu assassinado, dois anos depois, os próprios membros do Mayhem falaram sobre o assunto de forma indiferente, segundo o autor de “Lords of Chaos” : “que mais se adequaria a um estenógrafo de tribunal.”

Depois de um tempo de discursos sobre a morte e sobre o mal, a cena passou a ser levada mais a sério a partir dos eventos com igrejas e os assassinatos. Por exemplo, Vikernes declarou, já na cadeia, durante seu julgamento : “Basicamente eu sou um adorador de Odin, o deus da guerra e da morte. O Burzum existe exclusivamente para Odin, o inimigo de um olho só do Deus cristão.” Esta obsessão com a guerra e com a morte era partilhada por grande parte dos membros da cena black metal da época, pois isso era proclamado em encartes de CD e também em fanzines. 

Portanto, foi testemunhada a transformação de uma retórica violenta em acontecimentos trágicos reais, e foi quando a cena toda viu o gênio sair da lâmpada, no sentido de que os assassinatos cometidos por Bard Eithun e Varg Vikernes mudaram toda uma configuração retórica de jovens rebeldes para uma realidade de ocorrências policiais e problemas com a justiça. Oystein, por sua vez, conseguiu se firmar como Euronymous, um dos expoentes da cena, traduzido por “o príncipe da morte”.

A maioria das bandas, durante este período, estavam com membros integrantes enfrentando problemas na justiça, incluindo os assassinatos, violações de sepulturas, incêndios de igrejas etc. Esses processos judiciais desestabilizaram a cena, e houve uma cisão dentro dela, com um lado pró-Vikernes e o outro lado pró-Euronymous. As bandas de black metal norueguês, por sua vez, em sua maioria, enfrentavam um hiato, com exceção, dentre as mais conhecidas, da banda Darkthrone. 

Varg Vikernes, por sua vez, estava se dissociando de amizades antigas, declarando não ter mais relação com a cena, pois seus interesses agora se voltavam para o nacionalismo e a adoração de Odin. Ele mantinha uma atitude impassível nas interações com a polícia e a justiça, mais do que seus colegas, embora tenha sido o responsável por chamar atenção da polícia para a cena, isto na famigerada entrevista feita ao Bergens Tidende. Contudo, Varg Vikernes se recusava a colaborar com as autoridades, defendendo que era inocente das acusações. Dentre os outros infratores da cena, a maioria confessou seus crimes.

Em Lords Of Chaos, podemos ler : “Samoth explica suas próprias experiências com a polícia, e seus motivos para confessar, que provavelmente são semelhantes aos de alguns dos outros : Eu fui detido em setembro de 93 e fui preso. Eu fui levado para ser interrogado várias vezes. A primeira vez foi logo depois do Vikernes, por algum motivo, ter declarado abertamente para um grande jornal de Bergen que o “Círculo Negro” estava por detrás das queimas de igrejas, e também que ele sabia de algo a respeito do “assassinato do Parque Olímpico”. 

Eu não falei merda nenhuma pra polícia nessa vez. A vez seguinte foi em agosto de 93, logo depois do assassinato do Euronymous, em conexão com o assassinato cometido pelo Bard Eithun, assim como com os vários incêndios em igrejas. Eu não falei nada de relevante pra polícia a essa altura. Quando eu fui preso, todo mundo já tinha sido preso e o Eithun já tinha confessado.”

Na entrevista dada em Lords Of Chaos, Bard Eithun, por sua vez, descreve a sequência de eventos de sua captura e prisão. Ele começa dizendo que tudo se deu quando Oystein foi morto. A semelhança da morte de Oystein com a morte do homossexual, com várias facadas, ocorreu quase na mesma época. A polícia foi investigar e algumas pessoas citaram o nome de Bard Eithun. Ele não acredita que tenha sido gente da cena, mas um pessoal que desejava entrar na cena, que tiveram acesso a informações que não tinham sido escritas nos jornais.

Bard Eithun foi preso enquanto bebia com um pessoal em Kvikne, do lado de fora de um motel. Os policiais tinham um mandado de captura e queriam ir no apartamento de Bard Eithun para revirar as suas coisas. Por fim, Bard Eithun foi parar na delegacia em Oslo, preso pelo assassinato deste homossexual que tinha sido esfaqueado. Ele foi interrogado e acabou confessando o crime depois de ser convencido pelo seu advogado.

Varg Vikernes ficou enojado com a onda de confissões de crimes enquanto ele mantinha o silêncio, pois os considerava como delatores dos crimes, e com acusações e confissões, por sua vez, foram mobilizadas diversas personalidades da cena black metal, e testemunhos saíram em todas as direções, implicando diversas pessoas e até as próprias testemunhas. 

No julgamento de Varg Vikernes, por sua vez, a mobilização também foi grande, e diversos documentos foram apresentados à justiça, como o contrato de gravação levado por Vikernes até Oslo, cartas escritas por ele e por outros, mapas e relatórios forenses, além da famigerada matéria do Bergens Tidende.

Em Lords Of Chaos, podemos ler : “As declarações e os interrogatórios policiais foram o bastante para condenar Vikernes por assassinato, incêndio criminoso e posse ilegal de armas. Como ele próprio resume : “Eu fui condenado a vinte e um anos na prisão por três incêndios em igrejas, em que eles tinham uma testemunha como a única “evidência” em cada um dos incêndios; uma tentativa de queima de uma torre de sino em que duas das mesmas testemunhas eram a única “evidência”; roubo a armazenagem de 100 quilogramas de dinamite e 50 quilogramas de gelignita (explosivos de ignição lenta) - isso eu confessei -, e alguns arrombamentos em algumas cabanas onde dois livros foram roubados.’”

Varg Vikernes tinha 21 anos e foi condenado a 21 anos de prisão em segurança máxima, que era a pena máxima possível na Noruega. Nesse mesmo dia da sentença de Varg, por sua vez, foram queimadas duas igrejas na Noruega. Bard Eithun pegou 14 anos de pena pelo seu assassinato. 

Snorre, que fora cúmplice de Vikernes no assassinato de Oystein Aarseth, levou 8 anos de prisão. E caras como Samoth e Jorn Inge Tunsberg, que tinham queimado igrejas, receberam sentenças de 2 a 3 anos, também para serem cumpridas em instituições de segurança máxima. Outros envolvidos nos incêndios em igrejas pagaram multas gigantescas para pagar pelos danos e custos de reconstruções.

Durante todo o tempo dos processos, que ocorreram em 1994, por fim, a figura de Varg Vikernes virou um pária na Noruega, contudo, fazendo a alegria dos jornalistas de tabloides, capitalizando todo o escândalo que passou a cercar o inner circle do black metal norueguês.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.


Link da Século Diário : ​Lords of Chaos: a sangrenta história do metal Satânico underground - parte 14 - Século Diário (seculodiario.com.br)