Com os dentes do outono, vinga a minha morte o poeta do suicídio, vive harmonia em meus testículos, filhos lastimáveis da revolução e do canhão adormecido. Não venham mais com mentiras, minha paciência acabou, acabaram os mártires em suas campanhas de morte e ilusão, morreram as fadas e morreram os santos, morreram os indigentes e depois descobriram a poesia submersa daqueles escritos sem voz, dos escritos sem túmulo, da inglória luta dos poetas sem nome e sem destino. Venham miméticas absurdas de Auschwitz, socar os meus testículos na Aurora Dourada, a Grécia hermética virando sabão de novos delírios, uma esquerda virada ao vício do Congresso, Lula voluntarioso numa manobra de último suspiro, desesperado por não ter o mundo aos seus pés, morre o idiota depois da lua cheia, o idiota do hospício em que chorei, o mais belo poeta da infâmia que ardia em meus pés.
Não é fácil gemer de dor na derrota, olhando para a morte e rezando em nome de Jesus, e depois ver Judas num delírio em que Pedro gritava de ódio. Os monarcas sadios vingaram o opróbrio da poesia adoecida, um carnaval de ardis cresciam na boca da inveja, tumores de pólvora nasciam em sua Ideia, não havia soldado mais bravo em langor de praias desterradas, no deserto do holocausto o destro mártir que escapava por estar muito ocupado sonhando com o êxtase e a paixão.
Malsão vigor da penumbra, como ser artista na hora da partida? Como ser sendo o que se é? Como sobreviver à amargura dos tempos idos da tragédia? Como não se matar nas horas da angústia? Como? Serão os dias auspiciosos apenas a Beleza quando ela é séria? Ou será a lírica uma ilusão doce sem chão e sem tempo concreto? Como andar certo pela via curva dos sonhos? Como?
Eu vi a luxúria nos meus tímpanos gritando voraz, não sabia da vida ainda por viver, eu via o espasmo sem vigor na vida mediatizada pelo caos sem nuvem, pelo vinho sem rubor, pela rubra falange dos cosmonautas, eu ia pelo caminho da dor, eu ia pelo caminho sem vitória, sem nada, sem ternura, sem família. Horas perdidas no claustro da meditação, horas sem fé e sem cabeça, horas mordidas de raiva, horas perdidas sem nada. Não entendia mais do que vinha, a vida era metamorfose de luta titânica, era borboleta de chumbo, libélula de prata e carruagem delirante no céu de Pégaso. Veria meu maior assombro? Veria meu sonho morrer de voo sem Norte? Poderia entender finalmente o enigma da cor do dia? Poderia entender de filosofia nos meus insalubres campos de maldição? Corri sem saber da chegada, marchei na vingada hora do perdão, a vingança e o perdão, lutando como feroz titanomaquia no meu coração, a vingança e o perdão como gêmeos de um mesmo sofrimento, como espelhos refletindo o desespero, como fogo e enxofre no inferno de minha alma. Eu era o meu caos, eu era a minha desordem. Como o choro poderia engasgar nas minhas entranhas e eu morrer? Não, não poderia morrer, a minha alma romperia no fogo, a tormenta seria o meu patíbulo reificado pela poesia trágica.
Mil olhos de fulgor mesmerizados no passe longitudinal de Wundt, na voz poderosa de Charcot, depois figurados de inveja ao meu pênis com Freud, e uma mística do vazio pleno de Buda que vi em Jung e na Yoga, Padma-Sambhava e seus titãs, deidades iradas no meu delírio que anunciava o renascimento de minha próxima encarnação em Lhasa, no Tibete. Eu era alma de monge levitando extático sem mente e sem pensamento, sem dor e livre do vício de querer viver. Mil olhos de fogo na voz do vil em vigor febril, não olharia em cáustico fogo os olhos da Medusa petrificada, nem veria Safo se jogando do penhasco abandonada por suas nereidas como uma linda fellatrix de Lesbos. Não veria o cadafalso da discórdia na cor pungente de Van Gogh, não entenderia da viagem de Gauguin, olharia a tempestade botânica dos impressionistas e não saberia decifrar os pigmentos de Renoir numa tarde de sol na França, no jardim de Monet ou numa feroz revolução no cais calmo do Mar Egeu, ou na ilha de Páscoa, ou no gelo mortífero da Sibéria, não veria Lênin retratado por Eisenstein ou por Orwell, não veria Stalin masturbando Hitler, não veria a queda da bolsa em Nuremberg por sádicos justiceiros dos campos da vertigem por vingar os poloneses, e a cigana me leria o destino em minha mão que tanto escreve. Eu leria na quiromancia o segredo de tais linhas tortuosas, e a Maria Molambo me diria para eu não cometer suicídio, pois não veria a promessa da cigana em sua linha mestra de vidência ancestral.
Quem mais eu idolatraria senão os versos inglórios da dor tardia e da vingança da manhã como sol vivo em pleno inverno? Em outras viagens sentiria como criança o vento sem dor da vida silenciada em meditação lúdica num Tao absorto em brinquedos. E na plena aurora honraria meu doce mistério em indolor campanha pelo campo do albor da alvorada após o arrebol de meu anedotário sem História. Comeria a hóstia sem discórdia, viveria a plenitude no platô da visão geral da anarquia, com os sentidos despertos na virada das músicas que eclodem no meu coração sem pudor e na velocidade da luz mais translúcida que a penumbra dos suicidas, eu veria a vida potente do sol na paisagem como um raio de eternidade rasgando o céu dos mortais, anunciando o canto do amor em fausto e rompante como no delírio de um ébrio juvenil.
07/06/2012 A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)