PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 28 de agosto de 2016

GAY TALESE, EM VIDA DE ESCRITOR, É UM REPÓRTER – PARTE I

“Talese faz um trabalho de louco de miudezas e enorme de repórter como ele é.”

VIDA DE ESCRITOR, O LIVRO
“Vida de escritor” é um dos livros mais controversos de Gay Talese, pois traz em si um conceito de unidade espalhado, na verdade um conjunto de fragmentos que foram unificados numa narrativa circular, mas sua qualidade é que para quem quer entender a vida de um jornalista e escritor, este livro é um prato cheio. Não se trata de uma narrativa bem-sucedida, o que poderia se pensar de algo que também possa funcionar como uma autobiografia. Não há, portanto, o conflito clássico e afetado entre a genialidade e a incompreensão do mundo “medíocre”, em que o herói romântico triunfa no fim.
A NARRATIVA DO FRACASSO
O livro, e este é seu mérito, não faz concessões ao sucesso, pois trata com esmero a narrativa do fracasso. Pois começa com um pênalti perdido na frente de milhões de pessoas, e termina com o mesmo fracasso, o mesmo fato e imagem, revolvendo-se em sua narrativa circular. Como se diz que na psicologia a neurose é a repetição, temos com “Vida de escritor” a reiteração obsessiva do malogro, do fracasso, e isso como um conjunto que se forma a partir de restos de escritos de Gay Talese que tiveram de se consumar juntos para tornar-se um livro. “Vida de escritor”, portanto, tem no fracasso a linha de narrativa e é formada de livros que nunca foram feitos ou concluídos, isto é, fracassos literários e de reportagem de Gay Talese.
No lado de jornalismo, ao mostrar as frustrações do ofício de apurar e relatar, Talese fala a verdade sobre grande parte desta profissão, um lugar em que um literato deve ficar permanentemente insatisfeito, e esse é também um dos conflitos do perfeccionista Talese e as demandas imediatistas de seu ofício. E como escreve Mário Sérgio Conti no posfácio ao livro: “Repórter com pretensões a autor, Talese se achava um estilista rematado. Ou seja: era um repórter típico. Volta e meia, brigava com os redatores encarregados de reescrever o que fazia.”
TALESE E O NOVO JORNALISMO
E tal conflito prossegue no trabalho de Talese no Times, que era um jornal que tinha como dogmas os parágrafos curtos, objetividade, e uma negação de narrativas impressionistas e subjetivas. Ou seja, Talese não conseguia chegar ao clímax de sua forma, pois era incapaz de transmitir a sua mensagem dentro dos limites estilísticos do jornal, que era nada mais que seu trabalho árduo que significava nada mais que aquilo que tirava de seus personagens, nos seus trabalhos de repórter, por ter o desejo de um tempo maior de apuração que não estava disponível.
Quando deixou o Times, Talese foi trabalhar em revistas, se adaptando bem à Esquire, lugar em que ele tinha liberdade para ser original, sendo aí que publicou alguns de seus perfis mais elogiados, como o de Joe Dimaggio e o de Frank Sinatra. E esse estilo de expressão, a posteriori batizado de “novo jornalismo”, era um conjunto de pesquisas aprofundadas e exaustivas, mantendo ao mesmo tempo o rigor com os dados factuais, mas com uma narrativa que se utilizava de recursos da ficção, notadamente o romance. Por sua vez, o chamado novo jornalismo era uma nomenclatura de escopo amplo que ia dos delírios gonzo-alucinógenos de Hunter S. Thompson, assim como também envolvia o neonaturalismo de Tom Wolfe, e também nomes como Truman Capote.
TALESE E OS LIVROS
Mas, seus trabalhos em revistas foram o antecedente do que viria a ser seu trabalho com a produção de livros. Pois com Talese dispondo de tempo suficiente de apuração e com um espaço de centenas de páginas para preencher, o livro passou a ser seu novo e ideal veículo de trabalho. Lugar que, contudo, também trouxe desventuras a Talese, repleto de conflitos e falta de rumo, uma dispersão que só acabou resolvida forçadamente com seu “Vida de escritor, de 2006, livro de Talese que teve pior recepção nos Estados Unidos, e no qual o resultado não passou de um pot-pourri com restos de livros que goraram; num conjunto de narrativa frágil e despedaçada, que teve na circularidade um modo artificial de encerramento e conclusão.
Dentre os malogros que formaram o livro “Vida de escritor” temos a extensa apuração da história da jogadora chinesa que perdeu o pênalti, que não rendeu um livro como ele planejava. Outro fato que não se tornou um livro foi o escabroso caso de Lorena Bobbit, que cortou o pênis do marido e o jogou no mato. Com tal texto de Talese sendo recusado com rapidez humilhante pela diretora de redação da revista The New Yorker, Tina Brown. E por fim, seu malogro maior, a sua tentativa de transformar em livro a saga do terreno na rua 63, em Manhattan, lugar que tinha todas as condições de abrigar um restaurante de sucesso e, no entanto, tudo resultou em fracasso.
VIDA DE ESCRITOR
Forma, então, o livro “Vida de escritor”, um conjunto arbitrário, porém com um requinte por reunir uma boa narrativa, fragmentada, forçada, mas com o ofício de jornalista de Gay Talese bem exemplificado e com o título do livro sendo justificado do início ao fim, pois a estrutura de “Vida de escritor” é um solavanco, não lhe falta a emoção, não tem a calma ou a solenidade de uma obra clássica. O livro é um labirinto autoquestionador, fragmentado – sendo moderno por não ser uma narrativa que se condensa em algo de natural ou automático. Como dito, o livro é mesmo uma construção arbitrária, um conjunto de sobras para formar um único livro. Sendo a sua unidade o fato de ser o trabalho verdadeiro de um repórter.
O ESTILO DE GAY TALESE
O início da carreira de Gay Talese é retratada no livro, em que o autor admite que seu texto “parecia ter uma queda precoce para artifícios de retórica e circunlóquios”, e que “minha atitude em relação ao jornalismo foi fortemente influenciada, durante todos os meus anos de secundário, por um rebuscado romancista chamado Frank Yerby, um negro nascido na Geórgia que mais tarde se radicou na Espanha e que escrevia prolificamente sobre mulheres de anquinhas e cobertas de joias, com tantos excessos eróticos que, não fosse o floreado estilo de sua prosa, seus livros teriam sido censurados em todos os estados americanos. (...) Além disso, não teria tentado imitar, em minhas tentativas de encobrir falhas dos atletas da escola, a facilidade de Yerby para usar eufemismos.” Ou seja, a forma impressionista e rebuscada já despertava os dotes de Gay Talese para uma narrativa inusual até então para o jornalismo profissional.
Em junho de 1956 Talese aceita um emprego de repórter no departamento de esportes do New York Times, já tendo trabalhado lá antes, recomendado ao jornal por um colega e amigo da universidade, cujo tio de Mississippi, o jornalista e editor Turner Catledge, se tornara diretor de redação do Times em 1951. Foi ele quem mais tarde propôs que Talese trabalhasse na editoria de esportes, que, segundo o autor “ele criticava abertamente devido ao que considerava uma tendência para cobrir eventos esportivos do mesmo jeito sério e enfadonho que na época o Times dispensava a todos os demais assuntos.”
Catledge escolheu a editoria de esportes como a primeira a ser reformada, dando a entender que os textos ali poderiam ser mais leves, originais e mais divertidos. E Talese afirma nesta altura: “Não obstante, como jovem e ambicioso jornalista esportivo, continuei a ler e ser influenciado principalmente por ficcionistas, embora meus gostos já se afastasse da literatura licenciosa que havia esquentado meus hormônios no curso secundário. No Alabama, eu havia lido romances e contos de escritores como William Faulkner, Thomas Wolfe e outros autores sulistas. Como agora eu estava lendo suplementos literários e assinando a revista The New Yorker, começava a perceber que mesmo alguns ficcionistas de renome de vez em quando tratavam de eventos esportivos e de atletas em seus romances e contos. Ao ler exemplos dessa literatura, eu sempre tinha em mente que estava ante um texto que tinha sido imaginado, que aqueles textos eram, afinal, classificados como “ficção”.”
GAY TALESE E SEU MÉTODO
No entanto, Gay Talese era um jornalista esportivo, e não um ficcionista, mas se conseguisse se aproximar o suficiente de alguns daqueles atletas, obtendo deles a confiança para ter suas confidências, talvez poderia escrever reportagens pessoais factualmente corretas, mas muito reveladoras, sobre atletas de primeira linha e usando seus nomes reais, e depois conseguir que essas histórias fossem publicadas no convencionalíssimo New York Times, já que Catledge estava tentando tornar mais solta a área em que Gay Talese trabalhava. E Gay Talese diz, neste contexto: “Além disso, sem falsear os fatos, minha postura jornalística seria ficcional, com muitos detalhes pessoais, ambientação, diálogos e uma completa identificação com os personagens escolhidos e com seus conflitos.”
E Gay Talese ganha seu estatuto de escritor, segundo o próprio: “depois de deixar o Times em 1965, para trabalhar como colaborador freelance de revistas e escrever livros,”, em que ele exemplifica seu périplo: “passei grande parte do tempo entre meados da década de 1960 e parte da de 1970 morando em hotéis e apartamentos em várias cidades da Califórnia: em Beverly Hills, para fazer um perfil de Frank Sinatra em seus anos outonais; em San Francisco, para escrever sobre Joe DiMaggio, então com 51 anos e ainda de luto por Marylin Monroe e também perplexo com o que estava acontecendo com os Yankees; em San José, onde completei a pesquisa para um livro sobre a exilada família Bonanno, expulsa de Nova York por grupos rivais da Máfia em fins dos anos 60., e em Topanga Canyon, perto de Malibu, no condado de Los Angeles, onde várias vezes passei algum tempo, entre 1971 e 1973, a fim de entrevistar nudistas livre-pensadores e casais adeptos do amor livre, numa comunidade chamada Sandstone, que foi um dos locais que utilizei para pesquisar e escrever um livro sobre as tendências históricas e sociais que, acredito, tornaram os Estados Unidos, na década de 1970, um país bem mais permissivo e menos pudico que nos tempos de minha juventude, depois da guerra e antes da Playboy.”
GAY TALESE E SEU LABIRINTO
Mas, Talese também se coloca como pesquisador malogrado, um jornalista que, invariavelmente, juntava informações e se perdia numa falta de foco que o levava por vezes a verdadeiros labirintos de coisas inacabadas, em que ele diz que seu tempo é utilizado “para procurar e reunir informações, que obtive em bibliotecas, arquivos privados e públicos e com várias pessoas que procurei e entrevistei. Creio que o contato face a face é necessário porque desejo não somente um diálogo, como também uma sensação visual dos traços pessoais e maneirismos dos entrevistados, além da possiblidade de descrever a atmosfera do local em que se deu o encontro. Apesar de importantes, as ideias e informações obtidas dessa maneira muitas vezes custam-me quantias consideráveis em transporte e diárias de hotel, assim como em jantares e vinho para as fontes, e com frequência o que é dito e visto nessas entrevistas não contribui com absolutamente nada para o avanço do livro.”
Talese tinha a vontade de se aprofundar em tudo que abordava, mas sua pesquisa era fragmentária e várias vezes errática, própria de um jornalista que considera tudo a sua volta, e daí a sua sofreguidão de repórter, como ele testemunha sobre si mesmo: “É importante reconhecer que durante os quarenta anos de minha carreira como escritor-pesquisador eu investi pesadamente na perda de tempo. Já gastei semanas negociando entrevistas com pessoas recalcitrantes que, quando finalmente resolveram falar comigo, nada revelaram de interessante. Já viajei centenas e milhares de quilômetros seguindo pistas que por fim não me levaram a parte alguma. Das informações que recolho de pessoas, 80% terminam na cesta de lixo. Ainda assim, eu não teria conseguido descobrir os 20% úteis sem abrir caminho através dos outros 80%. Que acabam virando lixo.” Talese, portanto, reúne uma infinidade de inutilidades para tirar suas pepitas que podem, talvez, virar livro. Ou seja, Talese faz um trabalho de louco de miudezas e enorme de repórter como ele é.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário: http://seculodiario.com.br/30307/17/gay-talese-em-vida-de-escritor-e-um-reporter-parte-1 
 



 


  

P. B. SHELLEY E SEUS POEMAS DA ERA DO ROMANTISMO INGLÊS – PARTE III

“a cotovia aparece preenchendo o mundo com seu canto e seu voo”

DADOS BIOGRÁFICOS – PARTE III
Em 7 de novembro Shelley estava em Ferrara, onde visitou a biblioteca e viu manuscritos de Ariosto e Tasso. Dois dias depois já se achava em Bolonha e passou uma semana em Roma, dirigindo-se depois para Nápoles. Escalou o Vesúvio e visitou Pompeia. Não estava bem de saúde. Conheceu Paestum e foi de lá para Roma, onde iria ficar três meses. Frequentava de noite a casa da sra.Dionigi, que escrevia e pintava, e visitou alguns ingleses como Lorde Gilford e Sir William Drummond. Conheceu também um tipo excêntrico, o coronel Finch. Presenciou os festejos por ocasião da visita do Imperador da Áustria a Roma, bem como viu o Papa nas cerimônias em São Pedro.
Em Roma, nas termas de Caracala, continuou o “Prometeu libertado”, cujo primeiro ato fora completado em Nápoles e ao qual juntara agora mais dois atos (abril de 1819). Logo os Shelleys se mudaram para Livorno. Lá Shelley recebeu a Nightmare Abbey, de seu amigo Peacock, que o retrata num dos tipos do livro, Scythrop Glowry. Lê Calderón de la Barca, em espanhol, que aproxima-o de Shakespeare. Escreve a peça de cinco atos em versos brancos, The Cenci, tendo por tema a tragédia que se abateu sobre essa família em 1599, com a morte do pai incestuoso e desumano por Beatrice, que sofre as penas da lei. Escreveu um poema político, “Men of England”, que só seria publicado anos mais tarde.
Em outubro de 1819 Shelley se encontra em Florença, onde alugou apartamentos por seis meses. Um dia, ao longo do Arno, perto da cidade, ele escreveu a “Ode ao Vento Oeste”, poema eloquente e belo. Escreve o quarto ato de seu poema capital, o “Prometeu libertado”. Diz Blunden que o poema encerra trechos que serão citados ainda por longo tempo como as profecias da raça porvindoura. Amelia Curran pinta-lhe o retrato, do qual, mesmo inacabado, se diz que é o mais conhecido de qualquer poeta inglês, exceto o Shakespeare, de Droeshout. Devido a padecimentos físicos, resolveu ir para Pisa, onde poderia consultar o célebre dr.Vacca. Em 26 de janeiro, vai pelo Arno para aquela cidade. Em Pisa o médico lhe aconselhou que esquecesse os frascos de remédio e no fim de maio fosse para Banhos de Lucca. Escreve versos a uma cotovia, bastante populares. Compõe em três dias o poema “The witch of Atlas”, em oitava rima. Escreve o Édipo Tirano, tragédia em dois atos.
Dirige-se por carta a Keats, convidando-o, também em nome de Mary, a passar o inverno em Pisa, salientando que o poeta, em atenção a sua saúde, deveria ir à Itália. Shelley se dá em Pisa com alguns intelectuais italianos, como o padre e professor de física Francesco Pacchiani, que os outros pisanos julgavam louco, mas falava um italiano tão belo que encantava Mary; outro era o poeta Tommaso Sgricci, que improvisava dramas poéticos. Por intermédio do primeiro ouve falar na Contessina Teresa Emília Viviani, que estava no convento de Sant`Ana, internada pelo pai, para afastá-la do amante da mãe. Shelley e os seus se encontram com a moça de 19 anos, que era de uma beleza clássica. O poeta viu-a pela primeira vez em 5 de dezembro de 1820 e por ela concebeu um amor platônico que iria expressar no Epipsychidion (publicado por Ollier em 1821). Em setembro de 1821 a moça casou-se. Não foi feliz. Quando Medwin, o primo de Shelley, a visitou na idade de 35 anos, ela estava doente, solitária, e curtia necessidade.
Shelley e Mary conhecem o príncipe Alexandre Mavrocordato, da Grécia, e sua prima, a princesa Argyropoli. O príncipe, em exílio, só pensava na libertação de sua pátria. Mary dava-lhe lições de inglês e recebia de grego. Em junho de 1821 Mavrocordato partiu para a Moreia, a fim de juntar-se ao exército. Shelley lhe dedicaria Hellas, um drama lírico, famoso por seus coros, principalmente o último. Shelley estudava árabe, possivelmente com vistas a futura viagem. Escreveu a Defence of Poetry, que tem reflexões memoráveis sobre o tema, como a seguinte: “A poesia ergue o véu da oculta beleza do mundo, e faz objetos familiares serem como não familiares”.
Shelley manda nova carta a Keats – cujo Hyperion admirava sobremaneira – convidando-o a hospedar-se em Pisa, mas os planos de Keats já estavam feitos para Roma, onde viria a falecer em 23 de fevereiro de 1821. Shelley só soube dessa morte em meados de abril; informou Byron. Escreveu o que ele próprio tomou como “uma altamente trabalhada obra de arte”, o conhecido “Adonais”, elegia pela morte de Keats, inicialmente inspirada nos bucólicos gregos Mosco e Bion. O poema foi completado em início de junho, e logo impresso, pois dele Shelley muito esperava. O poeta, até morrer, sempre confiou em que a poesia de Keats triunfaria. Por outro lado, Shelley a essa altura julgava Byron muito superior a todos os poetas do dia, pois criava algo inteiramente novo e “selava cada palavra com imortalidade”.
Em agosto de 1821 escreveu a Leigh Hunt renovando proposta de Byron no sentido de que Hunt deixasse seu jornal, The Examiner, e fosse para Pisa a fim de se incumbir, junto com Shelley e Byron, de um novo jornal. Hunt e família se alojariam no térreo do palácio de Byron. Edward e Jane Williams retornaram a Pisa e encontram acomodações no térreo da morada dos Shelleys, os Tre Palazzi. Shelley, por essa ocasião, era apto a atirar, correr, hábil no remo, iatismo, bilhar; conhecia a caça à raposa e à lebre e assuntos agrícolas em geral. Desiste de ir à Arábia. Caim, de Byron, é publicado, e Shelley e Mary julgam-no a obra-prima do lorde.
Byron e Shelley tinham encarregado um amigo de Trelawny, o capitão Daniel Roberts, de construir barcos para eles, um menor e aberto para Shelley, outro maior e com convés para Byron. O barco de Shelley foi chamado Don Juan por Byron, embora Shelley preferisse denominá-lo Anel. O de Byron era o Bolívar. Em 12 de maio o Don Juan chega de Nápoles, e muitas viagens são feitas no Don Juan, que Shelley achava rápido e bonito.
Em 13 de junho o Bolívar foi trazido à baía de Lerici por Trelawny e Roberts. Coisas estranhas estão sucedendo: Shelley vê o espírito de Allegra, Jane vê Shelley passar quando ele não estava passando ali. Shelley escreve “Time triumph of life”, que deixa incompleto. O novo jornal, por sua vez, era denominado Hespérides, mas sairia com o título The Liberal, e deveria ter os lucros divididos por Hunt, Byron e Shelley.
De Pisa Shelley volta a Livorno. Em 8 de julho é aconselhado a esperar um dia para fazer-se ao largo, rumo a Lerici, pois suspeitava-se de mau tempo. O Don Juan velejou e desapareceu na neblina da tempestade próxima. Pereceram Shelley, Williams e o grumete Charles Vivian. Trelawny pôs-se a procurá-los. O mar devolveu os cadáveres, desfigurados. O de Williams foi encontrado na embocadura do Serchio; o de Vivian em Nasa; o de Shelley flutuou para a praia perto de Via Reggio; tinha no bolso uma edição de Sófocles e o último volume de Keats, que continha o Hyperion e havia sido emprestado a Shelley por Leigh Hunt. Os corpos foram enterrados nos locais onde encontrados, jogando-se cal viva nas covas. Fez-se a pira de Shelley e, com muito sol, incenso, sal, vinho e óleo, o corpo do poeta foi cremado, jogando-se nas chamas o livro de Keats como oferenda aos mortos.
A VITÓRIA DA VIDA:
O poema tem versos que se abrem otimistas: “Como um espírito a voar para missão/De luz e bem, e alegre com o seu fulgor/O sol pulou, e a máscara da escuridão/Caiu da terra despertada” (...) “a prece despertou do mar, à qual/Uniram as canções os pássaros e as fontes.” (...) “E na devida sucessão a ilha, o mar,/O continente, e tudo o que em si próprio ostente/A forma e a natureza do húmus que perece,/Se levantaram como o sol, seu pai ardente,” a vida aqui se afirma como no título do poema, vitoriosa, a terra despertada, tudo se levanta como o sol, o poema é visionário, cheio de emoção, de luz e bem o sol que ilumina o mar e o continente, e o poeta não deixa de sorver seus eflúvios e sentir na sua própria mente os efeitos dessa invasão: “Estranho transe me tomou o pensamento:/Não era sono; a sombra que espalhou defronte/Tinha tal transparência que mostrou a cena/Tão clara como, quando um véu de alumbramento/Se puxa, à tarde os morros mostram luz serena;”, Shelley sente a luz serena, ela abre toda a sua intuição, e lhe torna visionário, e o verso corrobora o sol como esta verdade que o poema enuncia.
HINO À BELEZA INTELECTUAL:
O poema tem nos seus versos os exemplos do benefício do intelecto, e como em poesia ele se forma e assim dá outras formas ao mundo, como Shelley vê e descreve: “A tremenda sombra de uma força não visível/Mesmo invisível entre nós flutua – a visitar/O mundo com asa tão volúvel e sensível/Qual vento de verão de flor em flor a rastejar -,” (...) “Espírito do Belo, que consagras o que ungiste/Tudo sobre o que brilhas, quer do pensamento/Humano quer da forma – para onde tu partiste?/ Por que perpassas por, e deixas nosso aforamento,/Este vale de lágrimas, vazio e desolado?” A esta luz, Shelley encara como uma passagem, que voltará a deixar órfão o mundo, com suas tristezas e escuridões, como Shelley pressente nos inevitáveis versos: “Por que o temor e o sonho e a morte e o nascimento/Lançam na luz do dia desta terra, num momento,/Tais tristezas? por que o homem tanto se abalança/Por ódio e amor, por desespero ou esperança?” (...) “Nenhuma voz de mundo mais sublime deu/Jamais essas respostas nem a sábio e nem a poeta/- Portanto os nomes de demônio, alma, céu,/Permanecem registros de um esforço, não de meta./Débeis palavras mágicas – o encanto seu não há de,/De quanto vemos ou ouvimos, separar/O acaso, a dúvida e a instabilidade.” E o cético, o ateu Shelley sabe que tal passagem de iluminação não volverá os acasos e fraturas sem fim que nomes pomposos como céu e alma são sinais imprecisos de uma realidade dura de dúvida existencial e desamparo, nem a sábio ou poeta se dá uma chave que a intuição mais poderosa poderá decifrar seja com poema ou filosofia, seja assim um conjunto de mágicas, palavras que contêm sugestões, esperanças, mas que mantém toda a angústia do não-saber fundamental de uma existência em aberto e que tem como sina terminar, oh paradoxo, inacabada, um fosso em que o Homem vem com seus símbolos para se sentir um pouquinho melhor, e Shelley que fica bem demais com seus versos.  
A UMA COTOVIA:
O poema mais lírico de Shelley, é simples, sereno, musical, ecoa e canta como e com a cotovia, com tais versos: “Salve, espírito contente!/Pássaro nunca foste, certamente;/Do Paraíso, ou a tocá-lo de raspão/Derramas o teu pleno coração/Em melodias de arte não premeditada.” (...) “Cantando voas alto, e voando sempre cantas.” (...) “Como estrela noturna/Na vasta luz diurna,/És invisível, mas eu te ouço a voz aguda.” (...) “Sonoros ficam terra e ar/Com tua voz a soar,”. Aqui a cotovia aparece preenchendo o mundo com seu canto e seu voo, nada mais poético para um Shelley da era romântica, com seus mitos e imagens idílicas, o poeta e a cotovia se encontram em forma chamada poema.

POEMAS:

A VITÓRIA DA VIDA
(PRIMEIRA PARTE)
Como um espírito a voar para missão
De luz e bem, e alegre com o seu fulgor
O sol pulou, e a máscara da escuridão

Caiu da terra despertada; em seu candor
Os altares sem fumo dos nevosos montes
Flamearam sobre as nuvens rubras; com o albor

Do dia, a prece despertou do mar, à qual
Uniram as canções os pássaros e as fontes.
A flor que descerrou em campo ou matagal

Trêmulas pálpebras ao ósculo do dia,
A balançar o seu turíbulo no ar
Com o incenso do oriente luminoso ardia,

Ardia inextinguivelmente e devagar,
Enviando soluçantes ais ao ar que ria;
E na devida sucessão a ilha, o mar,

O continente, e tudo o que em si próprio ostente
A forma e a natureza do húmus que perece,
Se levantaram como o sol, seu pai ardente,

Para fazer o seu trabalho, que ele outrora
Tomara para si, antes que a eles o desse;
Mas eu os pensamentos silencio agora,

Os quais me mantiveram vígil, como estrelas
A ornar a noite; ora que estão adormecidos,
Meus membros estirei sob as ramagens belas

De um velho castanheiro em flanco de Apenino;
Diante de mim, a noite em voos foragidos;
Atrás, o dia que se ergueu; o mar divino

Achava-se a meus pés, o céu por sobre a fronte.
Estranho transe me tomou o pensamento:
Não era sono; a sombra que espalhou defronte

Tinha tal transparência que mostrou a cena
Tão clara como, quando um véu de alumbramento
Se puxa, à tarde os morros mostram luz serena;

Eu soube que o frescor sentira dessa aurora,
Fronte e cabelos eu banhara neste orvalho
E num declive eu me sentara como agora,

Sob a mesma ramada, ouvindo como aqui
Manterem pássaros, mais fontes, mais o mar,
Conversas musicais no enamorado ar:
Depois uma visão na mente percebi.

HINO À BELEZA INTELECTUAL

I
A tremenda sombra de uma força não visível
Mesmo invisível entre nós flutua – a visitar
O mundo com asa tão volúvel e sensível
Qual vento de verão de flor em flor a rastejar -,
Qual luar que chove atrás da serra de pinheiros
Visita a sombra, com inconstante relancear,
O coração dos homens, seus semblantes passageiros;
Qual cores e harmonias de uma noite a principiar,
Tal como à luz de estrelas muita nuvem espalhada,
Como a lembrança de uma música evolada,
Tal como o que por sua graça possa ser amado
E pelo seu mistério ainda mais prezado.

II
Espírito do Belo, que consagras o que ungiste
Tudo sobre o que brilhas, quer do pensamento
Humano quer da forma – para onde tu partiste?
Por que perpassas por, e deixas nosso aforamento,
Este vale de lágrimas, vazio e desolado?
A luz do sol, por que não para eternamente
Tece arco-íris no rio da montanha despenhado?
Por que murchar, passar o que já foi florente?
Por que o temor e o sonho e a morte e o nascimento
Lançam na luz do dia desta terra, num momento,
Tais tristezas? por que o homem tanto se abalança
Por ódio e amor, por desespero ou esperança?

III
Nenhuma voz de mundo mais sublime deu
Jamais essas respostas nem a sábio e nem a poeta
- Portanto os nomes de demônio, alma, céu,
Permanecem registros de um esforço, não de meta.
Débeis palavras mágicas – o encanto seu não há de,
De quanto vemos ou ouvimos, separar
O acaso, a dúvida e a instabilidade.
Somente a luz – qual bruma nas montanhas a pairar
E a música efundida por noturno vento
A usar as cordas de algum tácito instrumento,
Ou luar à meia-noite em águas de fugida
Dão graça e dão verdade ao sonho inquieto desta vida.

IV
Cedidos por alguns momentos, vão e vêm
Como nuvens o anseio, a egolatria, o amor.
Onipotente fora o homem, e imortal também,
Se ignota como és, e de inspirar temor,
Tu te firmasses dentro de seu coração.
Mensageira que és de simpatia,
Que aos olhos dos amantes cresces, diminuis,
Que para o pensamento humano és nutrição,
Tal como as trevas para a chama que a morrer reluz.
Não partas que a tua sombra chegou fria,
Não partas não, a menos que devesse a sepultura
Ser como a vida e o medo, realidade escura.
(obs: o poema continua, aqui está sua parte inicial)

A UMA COTOVIA
Salve, espírito contente!
Pássaro nunca foste, certamente;
Do Paraíso, ou a tocá-lo de raspão
Derramas o teu pleno coração
Em melodias de arte não premeditada.

Voando mais alto e cada vez acima,
Deixas da terra o clima
Como nuvem de fogo;
O mar azul percorres logo;
Cantando voas alto, e voando sempre cantas.

No relâmpago dourado
Do sol tombado,
Sobre o qual as nuvens brilham nuas,
Vagas e flutuas
Alegria incorpórea a principiar corrida.

A tarde púrpura palente
Funde-se em torno de teu voo ardente;
Como estrela noturna
Na vasta luz diurna,
És invisível, mas eu te ouço a voz aguda.

Penetrante como é a muita seta
Da esfera de prata seleta
Cuja lâmpada forte se reduz
Na claridade da alvorada que reluz,
Até mal vermos – nós sentimo-la, está lá!

Sonoros ficam terra e ar
Com tua voz a soar,
Como, quando a noite está sozinha,
De uma solitária nuvenzinha
Chove a lua seus raios a se inunda o céu.

Quem és que não sabemos?
Mais igual a ti o que acharemos?
Das nuvens com arco-íris não podem chover
Gotas tão brilhantes para ver
Quanto de ti uma chuva cai de melodia.

Como um poeta se oculta e ganha alento
Na luz do pensamento,
E hinos espontâneos cantando
O mundo à simpatia vai levando
Com medo e esperanças de que não cuidava;

Como uma virgem muito bem nascida
Em torre de palácio protegida
Conforta a alma de amor repleta,
Numa hora secreta,
Com música tão doce como o amor, a qual se espraia;

Como um vaga-lume dourado
Num valezinho orvalhado
Despercebido espalha o ardor
De sua etérea cor
Entre as flores e a grama, que da vista o escondem;
(obs: o poema continua, aqui está sua parte inicial)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário:  http://seculodiario.com.br/30308/17/pb-shelley-e-seus-poemas-da-era-do-romantismo-ingles-parte-iii