PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 11 de março de 2017

FOGOS OLVIDADOS

Jardim estro e folguedo
                             corte plano um:
o rapaz encontra uma maleta
de dólares,

                       corta, externa:
o câmera faz de conta
que ele não é poeta,

plano geral, panorama da mansarda.

altiplano: dores do mármore,
depois o período calcolítico,
a idade do bronze,
e o ferro que funda o metal.

Seca a seiva, a messe agoniza
depois da fenda na pedra.

corte final:
o rapaz diz que não sabe
que seu biógrafo
rasgou seus poemas
e os queimou
numa grande
pira olímpica.

11/03/2017 Gustavo Bastos

CODA

Balança o balangandã,
maraca e bruta massa,
furta-cor e maçãs do rosto,
caldo capital mentolado.

Balança as ancas os soníferos
e as receitas de poções.

Bruma e bomba no criador
das batalhas, um falso poeta
que não sabe seu sentido,

farto, enfadado, ele se aposenta
com seus metros de pedra
e coração humilhado.

Balança o palhaço o clown
o esteta mais afetado
com rebuscado abstruso
e cristalizado,

ferve teu poema como uma infusão,
cura as cicatrizes tuas
com versos salinos
de parnaso afrancesado,
ou ainda se mata
depois da coda.

11/03/2017 Gustavo Bastos

A VERDADE BROCADA EM SUMA

Que a verdade meio que é soco
e meio que é grito.

O poema estreia na luta diária,
escreve o intento com
rugas de velhaco,
exuma teu broquel
com faróis.

Que a verdade é meia boca
como a boca do mundo
que vive,

que o poema, pobre coitado,
é um sumo sacerdote
da bacanal,
sortudo como um forasteiro
que ganha duelos
de fumo e carteado,

tal é o esteta e sua trupe maluca
que no pio da pajelança
cura até o poeta
mais exangue.

11/03/2017 Gustavo Bastos

BARRICADA

Me dá um ás na manga
e sucos e leiterias que
bebo sequioso.

Ruma ao farol, oh castelo,
e demite meu doce sabor
com rusgas entre público
e crítica.

Destarte as casas queimam,
sofre o parlapatão
que sumário corte
faz a súcia surtar.

Bola um plano, teu mistério
que diaboliza, faz um caso
estulto que pilha a patuleia,

Arrisca-se poeta no diário
em que notas suicidas
são somente bramidos
de alfanje,

rota terceirizada do poeta:
os editores moucos mudos
e que não têm paixão
na barricada em que caem,

delongas: este poema é de um
torto verso que enverga.

11/03/2017 Gustavo Bastos

VERSO PERMANENTE

Que eu inverta a sina e persista
neste verso campônio,
ah que o poema é poesia
e monturo de cinzas.

Pois, dentre os meus atos proscritos,
ao léu que rima suma obra-prima,
refaz anjo e demônio
como eixos da existência.

A poesia, fundada com ópio,
elenca os silêncios que
fuligem voa pelo ar.

Que leio cantores, e canto escritores,
que revejo os planos geométricos
e a carne surrada do sonho,
e não me faz cócegas nem
a ideia principal de ser navio.

Pois rio, e neste caudaloso encômio,
retrato os sóis da cor de âmbar
que pintam o universo,

e que, recôndito dos autores,
tudo é festa quando
verso faço.

11/03/2017 Gustavo Bastos

sexta-feira, 10 de março de 2017

HOLLOW

I
Tantos casos estudados nesta cosmologia, e que são seres nus, como poucos vermes que sobrevivem ao mundo, e que tentam abarcar os númenos com galhardia de soberbos e alvissareiros, pois por pouca monta os severos e os antoninos sucumbem ao senado pueril, eu de meu turno resvalo e reservo fortuna para um cabedal brio de espuma no vento sacal dos hindus e seus vímanas, como uma corrente literária manchada de lodo e vinho, este que é sabor estulto na glória do sistema, este também estulto, capital armado e nauseabundo, contrito o esquema de Aristóteles explode com o rigor de um kantiano crítico feroz do sono metafísico, com um Hume sensitivo na campanha de um fundo vitral que arde por entre os ventos mais modernos, um plano cartesiano que ribomba pétreo com sarcasmo de poeta, e o riso enfermo que mora num castelo em Copacabana, na mais miserável canção que está de frente à rua que grita somos os outsiders, os mamulengos e vitrolinhas da paixão antiga, dos poemas rebuscados com notas de absinto, das rimas ricas como idólatras que têm sede.
Dos poetas antiquados que não vivem no mundo, não neste mundo, em mundo algum, moram em carne e osso como vapores de veneno na história mundial, moram tal os animais ou bestas repletas de carbono em seus corpos e polímeros cosmogônicos teodiceia da arte rupestre, um totem burilado com sílex na caverna de paris, setenta ladrões como gangue, viralizados costumes que são a rixa e o riot das galeras fumegantes, dos estertores do fracasso, dos lenhadores e tremores que sorriem para alguns capatazes com seus enfermos vitoriosos, guerra e paz na aura de um anjo fetichizado com bombas de esterco na fome do boi, estes senhores do mundo que vivem morrem como indigentes da fama, como desejo ruminado nas estrelas mais abscônditas, remadores dos sonhos de pano por entre frestas que olham ao nada, rasputins negros com faces de mago, monitoram os passos a cada dia, e sentam na torre de lume viscoso, eles olham o pote de ouro que revela poesia na esbórnia, são telemas e budismos ranqueados num campeonato de astúcia, num grimório de fardos e buchas de canhão.
Sete pantokrators que vivem giro de escopeta, de fumo revirado com espoleta, belicosos que querem a paz mundial, fervores de antros pacificadores, de não-violência, dos hippies de ocasião, dos fashionistas que definem o mundo de segunda mão, da realidade aumentada como manto e segredo penhorados depois do escaldo e martírio. Venha, os ogros imantam servos com náiades esbeltas como anacoretas, e bebem uísque com tambores na cabeça e flautas nos braços, senhoras músicas que de guitarra e trompete repete o fusion indefinidamente, pois cada retrato destes ossos têm a espessura de uma densidade de átomo, indivisível como uma bola de gude, temerários como templos e pagodes na sarça briosa que elenca vates e vedetas. Canção esmerada que tilinta tal o metal de rigor que funda filosofia de poetastro depois da bebedice, que define saudade como uma rima fugitiva.

II
Aéreo o plano aedo cintila, rumoreja ferve e briga, e ferve tal o campo mestre que cintila, como cobra serpentina, e um estrelado estribilho que cintila, bruma rebuscada que mesmeriza tal o sino que dobra, e o banho em festonado vinho, odre pecaminoso que bebe e ventila, evento e evidência de poema, a prova científica do terror, vertido como água benta na pacífica amurada, um grafite terroso no sonho de poeira, levedura que nos dá a boca de saída, pentecostes nos ombros de atlas com o mapa ao pé do geógrafo, bolhas de mundo estouradas por revoluções, penedos que caem como mísseis no apocalipse, espíritos imundos que brigam com pastores, brechas do sistema que assomam no estudo corrupto dos punguistas, leves sintomas de hematomas que roem a corda do enforcado, sete flechas de indigenistas que buscam o eldorado, tânatos dorido que fervilha necromancia depois do ritual poético.
Linho que costura cada gesto artaudiano com gags beckettianas. Olhos mesmerizados que ensinam a palavra morte aos neófitos que ainda sonham acordados, pleito burlado por campanhas sujas de pós-verdade, brotos de floresta que povoam um mundo perdido, paraíso silvestre que nos dá selvagens novos de literatura da mata, poetas novos que caem como cometas no frio do sistema falido das artes comerciais que deliram anátemas proscritos. Banho de lua nas noites que eu servia ao mártir, estes barcos que navegam mar azul de diamante, frio de mar turquesa caribenho, milhares de remadores que vão à galáxia dos aviadores, reis setentrionais contra centuriões que formam o exército brancaleone dos românticos suicidados.
Eis que vive um novo brio bíblico que sonhava holocaustos na hégira e no êxodo, benta a água de poder de tais sacerdotes em seus levitas pasmados com o Deus-homem. Eis que venho de sonhos tempestuosos e kafkianos e pesadelos de Godot depois do milagre indômito que delirava o paraíso de permuta entre cantores de fancaria. Ai! Ai de mim! Tenho cada visão que caio em deslumbramento como um ósculo olvidado depois do porre. Mas, no meio da canção, com dotes de artista, reverbero samples e synths mais que anacrônicos, são vinhas de monastério com ritmo de jazz na fusão dos elétrons que batem entre neutrinos invisíveis da bala perdida, eis que numa viagem astral venho contar-lhes a dor profunda da miséria dos poetas, mas ainda tenho fogo que queimar na sarça mais potente do sol.

III
O fog londrino me apetece, o beberrão morde os tímpanos com rock de estrada, fervilha um berro kerouakiano, um velho mestre que se chamava Ferlinghetti, Neal Cassady que morria na linha do trem, os Estados Unidos e toda a gama de capitalistas de Wall Street e seu touro valente que faz tentações de estelionato, os espiões da Big Apple que reviram seus bens com fome ventral de cartas na manga, pois que eu tenho por mim que prefiro Louvre e seus melismas potentes como mantras sinfônicos, já que vejo as litanias repetirem Fausto e Mefistófeles depois do urro brutal que Goethe não evitara nem na sua invenção de Werther epistolar, ah que nem mesmo a lenda medieval nos salva do capital, mas é seu cristal mais atraente, e o dinheiro gasto em tais deambulações serve ao historiador para contar uma biografia acidentada como pinguelas de rua de terra, de rios de cobre depois do caos mimético dos plantonistas que encontram a morte com dentes de fogo na noite violenta, pois que sumido está o zen na hora enferma, e nem tenho mais tibetanos que lembrem de maoístas sem lhes ferver as pestanas, e o desastre sonha em se proteger da mediocridade, pois ela mata e delira cabeças ocas como hollow men que não servem para nada.
Ah! Ai de mim! Estou no inferno de Caronte, nas uvas de Dioniso, na febre inaugural de Téspis, nos trágicos que de Ésquilo e seu Prometeu Acorrentado apenas faz loas ao abutre, e leis cósmicas são fado nestas peças antigas, o que hoje temos como puro acaso, e que nos idos putrefatos de Março estavam como novos ventos de um novo mundo cristão, que tem o reverso da moeda como Inquisição, o que também hoje tem o nome de manicômio, e que custa a verba pública para os bolsos de seus torturadores, nova platitude medieva, oh como cada burgo sonhava revolução, e como cada soviete sonhava revolução, e como cada hollow man sonhava status quo.

IV
A caça às bruxas está aberta:
Grimório do capa preta,
Eis que rumina maçons
Na sete emblema de arquiteto
Que campeia marmóreo
Como capiteis em Parthenon
Oh Crowley e seus cantos heroicos
Oh bruxos como celtas em Stonehenge
Ah fada musicada que burila soma
Na mente mística do Absoluto
Ah como cada magia tem altas paragens
O paraíso perdido e seus sapientes embriagados
O êxtase de Santa Teresa D`Ávila
No fim da aurora que rutilava salvação.

11/03/2017 Poema em prosa

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.





quarta-feira, 8 de março de 2017

OS PEIXES

Pescadores são augúrios da sorte
que finca a carne na coragem.

Eis que fartura quando cristos
caminham na aura do mar,
como anjos pescam
as formas deste oceano,

e sim um mar que abre vivo
e a face divina ilumina,

que os peixes, em seu tráfego
interminável de cardumes,
faz o mar povoar
os mistérios
do ser,

pois o mar, os peixes e os pescadores,
são como a trindade
que do sal todo o universo
ressoa, e vejo este dom visionário
que alimenta as lendas
do prazer,

tais os delírios
que o desconhecido
eclode
como enigma,

o mar e seus peixes,
de súbito,
na rede que puxa
a esperança.

08/03/2017 Gustavo Bastos

ESTUDOS DA NUDEZ SIMPLES

O corpo é o centro da experiência
com o mundo, se está preso ou
solto, liberdade de estar em qualquer
lugar é que o corpo é,
pois do vício que lhe toma
e da virtude de sua força,
está na nudez desta experiência.

O corpo convida ao estalo de
si mesmo. Cair em seu flerte
requer um olho sonhador,
sem desvios de seu forno quente
que explode hormônios,
sem se fechar ao desejo
que lhe culmina
a face.

Experiência limite e anti-linear:
o corpo dá volta nas interações mundanas
e no fim do dia volta a si mesmo
como borboleta e casulo,
alternando seu estar no mundo
com o estar em si.

08/03/2017 Gustavo Bastos

ESPÍRITOS DA FLORESTA

Tal que uma cabana na chuva
me acampa em água total,
severo o corpo emula
o desastre.

Me and my sickness,
olhos perpétuos de dor,
oh sad sad world!

Tal que o poeta não está
em si mesmo sem estar
no poema,

tal o enfeite em sua verdade,
o prumo sólido e conquistado
em seu verso,

oh que mosquitinho chato
a berrar na madrugada
e me tirar do sono,

que tambor mais aviltante
no redemoinho da viagem astral!

oh espíritos da floresta,
me levem ao disco voador
dos sirianos pelados
na luz do outro mundo.

08/03/2017 Gustavo Bastos

DESVIO DE ROTA NA MANHÃ

Como se faz coaxar sapo cururu
e gritar curumim no rio de sucuri,
e vitalizar carmim e pescador-martim.

Como se cobra d`água fosse,
e linha mestra por entre
as iaras amazônicas,
e segredo de bruxo
no mar tormentoso.

De muro grafitado e folclore
os coloridos da vida perpassam
a sua face cinza,
dois extremos e a poesia
que figura não mais
como acessória,
mas fundamental.

E o sapo alucinógeno, que coaxa
sonho estrelado, faz poesia
e bandeira de mastro sério
como o poeta que pula e muda
o disco com o rigor
de um funcionário antigo.

08/03/2017 Gustavo Bastos

O MUNDO ALUCINADO DAS LETRAS

Eu enlouqueço nos desenhos,
se o prumo tento recobrar,
é pelos signos da cor
que o pulso retoma
a história toda.

Prático está o fim do dia,
relaciono os sonhos e o descalabro
das cinzas que sobram
da aventura.

Pois na casa e no meu pátio
está sorvido o líquido precioso
que vive a remontar os corpos
do baile noturno.

Envio uma nova mensagem com
vinhos levitados e coca-cola,
redemoinho de serpentinas
invadem a bacanal.

Retrô este visual de velho loucão,
e que aos oitenta e nove anos
poemas faz como um doutor de tudo,
revira seus metros com sílabas
e toma a pinga na água da boca,

eu enlouqueço mais ainda com poesia
do que o mundo que se alucina.

08/03/2017 Gustavo Bastos

terça-feira, 7 de março de 2017

SPIRITUALS

I – O FUNDO MITOLÓGICO
Os passarinhos do céu são longânimos:
Atitude ventral: o caboclo sete flechas retira-se da batalha campal, a tosse espirra com bruma valente, o exú sete trevas rebomba a nau mestra com galhardia. Veio meu sumário neste dia frouxo de meu poema: a lida é seca e pura, eu via igrejas pasmadas como delírios na rota de saberes moucos, surdos aviltados por barulhos, mudos gritando com as mãos, a saber navega em si o poeta que não sabe de si, louco como um assunto estorvo, mutante que revigora as pestes de que a antiguidade é farta, pois Seth revirava Bek, Osíris e a fada Ísis, pelo canto sumério um deserto se abria em Tigre e no Eufrates, pois Baal, como se via na gira, borbulha tal o elmo, pois Tamuz, Enlil, o grande Marduk face a face com Tiamat, todo este séquito sabia todas as notas do sistema sexagesimal, um outro castelo feito na rua astronômica em que dormia tal estrela, vestes de vestais com Deméter, riso e troça com miasma de tal defumação do rigor da luta, pastores e ribeirinhos falando tupi no meio do defumador, eu que lia as cartas e Pai Antônio das Almas apenas fazia fumaça.
II – O FUNDO MUSICAL
As avezinhas do céu são libertárias:
Quando se ouvia Robert Johnson se tinha em seus dedos e palheta ou sabe-se lá o que foi teu pacto, a ver nas fazendas de algodão um martírio se ouvia os lamentos virarem arte, pois de outro modo seria apenas sofrimento e não ladainha, e não saída voilá da parte d`alma que canta, ou se tudo fosse de fato só duramente forjado, não haveria poesia, só roncos e patifes, não haveria poesia, só murros em cada passo, não haveria música, só um estrondo que rimaria desesperado. Pois, com as notas musicais se edifica o espírito da verdade, e não se rima em demasia a produção dorida, mas se faz templo de ritual com sete cortes na jugular, como um cancioneiro que ritualiza não teu dorido lamento apenas, mas teu apaziguado sonho que floreia mais a utopia geral do que o flagelo do mundo, pois, com todo o concerto, não temos apenas a dor do coração, mas a felicidade que ruma ao paraíso depois de morta, uma visão ou antevisão, um dom se assim se quer chamar, ou a violência pacífica que tem norte e sul em cantorias vertidas do sangue ruim da vida, do líquido sonhado e azul que não sangra mais, da nobreza escrava que dedilhava as mãos de blueseiros depois de um drama nas unhas fincadas em algodão.
III – O FUNDO POÉTICO
Os cucos do céu são pontuais:
A poesia métrica ou espatifada são sonoras e musicais, são discursivas e modais, são poemas com cavaletes, com vinhos, com romanceiros, vertem fúrias, sobra o espírito vulcânico, corrompe o demônio interno, fulgura como montanha e galardão. Nota a poesia com vinha retinta, bruma de banho e sol, como fia sem porfia, como tanto se faz com doses de lida, e nem se faz idiota, ou pouco inteligente, mas sim como um coro trágico desperta, e longa ou curta se esmera. Vai-te poesia de sim e de tudo! Mas quanto melisma simbólico, e frutos metafóricos! A vida se frutifica como mel e maná, otimiza sem lugar, viraliza sem notar, sem cerimônia o poema eterniza, e rima qual longo sonho ou delírio, mas, cônscia e reta, a poesia fulmina e gira, tal a sua geologia, tal a arte geodésica, a rima gravita, o verso em crosta se firma, e à atmosfera voa. A poesia é esta nau dos insensatos que nada mais faz além de cantar, pois dádiva tu és, poesia como empresa, vinho como glória, alma como mérito, corpo como guerra, vícios e virtudes como o que se é. Poesia, tua morada é de mitos, sua tez é democrática, teu legado é todo o universo, pois uma vez lida, poesia, tua fuga se encontra, e pasma o mundo sem ter te visto ou mirado quando tudo se sucedia a olhos vistos, poesia, poesia. Ah, mas que rima pouco dada, que vagabundo sem sorte! Mas não, poesia tem tudo em uma linha, tudo em dez linhas, como o fio que não faz porfia, como Ariadne que mata o cão, linha de linha e costura de armadura, poesia é linda como o verão, respeitável como o inverno, faz verso na primavera, e depois se despede no outono, com folha seca da relva vermelha, rubra seca folhagem do sangue, via de fogo fátuo que a natureza assimila sem enfado, poesia é um grau de mestria por espada e flor, por guerra e paz, poesia é contradição absolutizante, paradoxo que borbulha champanhe, vinho tinto seco que lambe a garganta dos sonhos que não são vãos, poesia farta o homem como um banquete, e quem não a entende passa fome, e o faminto morre por nada mais, sem poesia. Farta a tua seiva, a tua sebe, a tua colheita, farta do mundo cão teu verso potente como som, farta do mundo vão dos que passam fome sem saber.  Poesia é comida, é refeição sagrada da alma, poesia é esta alma canora que dá de comer ao mundo, mesmo que o mundo prefira a fome.
IV – O FUNDO LITERÁRIO
As andorinhas do céu são veraneios:
A Literatura espiritual que conquista o coração das coisas, o literário que emana tua estrela pátria, e se expande tal o cosmos que brilha, tem no livro um maná inesgotável da aventura, pois a escrita se faz em ode e elegia, alegria e mutação, dor parida e fonte de feliz canção, o poema astúcia deste concerto é a coroa da vida, a literatura se serve de tudo o que existe na imaginação, e o mundo real é um espelho que joga com este delírio. Vamos! Toda a sorte do mundo e todo o amor do mundo neste universo literato, que nos leva além, que nos dá a luz que vem de um estalo de sol, que nos dá a noite profunda da reflexão, que nos traz estórias loucas que o mundo surpreende, tais são as aventuras letradas que sorriem para o dia auroral que nos dá tudo, e que nos livra de todo o mal. Literatura é um pássaro que vai e voa para mais longe do que o olhar ao horizonte, que nos vinga de frios eternos da morte, que nos leva ao cerne de todo o existir, pois que da sombra faz treva espiritual se demudar em luz própria, e nos dá salvamento para o Orfeu que toca o coração da música, a literatura vem de poesia e aedos rapsodos e começa a se inserir em ficção, duas frentes libertárias que é poesia e estória, música e imaginação. Vem me dar o dia à tarde a carta escrita no outono da vida, no mar que bem se quer com a flor benquista que bebe vinho, com a dor vertida que nos leva à filosofia mais bruta do mundo, para mais que tudo o sonho reverter-se do pó e virar céu azul ao infindo voo, e eis que o torpor não é mais o desejo da pena, mas a lucidez extrema que povoa o mundo real, a vida mais autêntica que conquista todo o universo com loas de suprema letícia. As minhas canções saem na rua que grita estamos aqui, rua da cidade que pula e ri, o circo que passa no vento da careta que faz a criança, o lúdico que se embrenha em meio ao caos, a cidade mais alta torre se despe pelo calor e se cobre no frio, todas as canções atingem o coração das coisas, e a literatura, deste modo, canta de si mesma o seu terreno imaginoso, de que a terra é repleta, a plenitude é o clímax que o poema, enfim, ventila, por saber-se tão preso ao chão, mas com o espírito livre que bebe e come cheio de esperança! Sim! A terra é da literatura e de seu espírito livre, uns dizem alma de poeta, outros dizem inspiração de artista, e os que fazem dizem esperança. Literatura é vida reafirmada em sol e gerações delirantes.   
V – O FUNDO FILOSÓFICO
Os anjos do céu são eternos:
A filosofia espiritual emana como a esfinge fundamental que do karma mais bruto nutre os passos de paquiderme à leveza da angelitude, passos firmes que sonham alto, passos delicados que trabalham com cuidado, esmero na arte e força no coração, leão de todas as horas é filosofia e seu corte na coisa toda, espírito aqui é analítico e sintético, espiritual é o idealismo totalizante de uma figura final, mas não tem fim, e o estro do espírito tenta ser sistema, depois tenta ser crítica, antes ainda essência, depois ainda nada disso, uma das perspectivas, a liberdade, e se está sempre diante da esfinge que é o universo, o pensamento tem força, mas a existência tem uma força descomunal diante do pobre pensador que tenta se organizar, toda a poesia que bebe em filosofia, certa se embriaga, mas continua só cantando, pois do total que se dá a todo o tempo, os pré-socráticos diziam ser algo, os contemporâneos ainda o sentem em certas cosmologias, mas tudo que brilha no olhar destes todos que vivem é a encarnação da dúvida e da origem do mal, sonhamos muito na paz, e somos sempre bélicos na estrada, se tudo fosse perfeito ruiria, pois nem poeta e nem filósofo, na sua melhor hora, será pleno ou perfeito, ondas de humor povoam a terra e seus dramas, o mal do mal gerado inverte e bem vem como utopia, o canto espiritual ainda ecoa como um pequeno oásis, já se perdeu, toda esta estória de plenitude já se perdeu, em algo ainda moramos na esperança, como uma entidade benfazeja nos dizendo que há luz no mundo, e que nem tudo é grave ou pecado, e que nem tudo a filosofia dá conta, e que nem tudo a poesia e a literatura resolvem, e que nem no mundo mais brando do coração não há conflito, a batalha espiritual busca a sabedoria, esta sim entidade dificílima, repleta das nossas contradições e repetições, a plenitude dos erros que nos dá tudo que temos, a poesia e toda a literatura, juntando-se à filosofia e ao mito, como forma de esperanças que tentam dar conta do mundo e melhorá-lo, e que do erro tenha vez este todo acerto da imperfeição total, spirituals vem de canto dorido para cantar a esperança que já está em todo coração que sonha e faz, libertação é o nome de spirituals, este é o poema.

07/03/2017 Gustavo Bastos






domingo, 5 de março de 2017

VERTENTES DA IDEOLOGIA

Bela nau de piratas:
espadas e alfanjes,
cimitarras de guerreiros.

Bela escola de anarquistas:
panfleto de cantores roucos
com a fuligem da tarde.

Bel-canto canoro de andorinha,
funesto o abutre,
bruta a pedra que
nada pensa.

Oh corte dos badulaques
e premonições de ardil,
corte de faca profundo
no peito do sol inquieto,

que soma alucinógeno
nos dá cântaros
de paraíso?

e onde estará utopia
e eldorado?

05/03/2017 Gustavo Bastos

COMETA E ARCO-ÍRIS

Cometa fujão que bem disse
no entorno desta esfera seca,
que rima sua base com lilases
e morde nuvem com rabo de rato.

Cometa condão que milagre
às favas compete com a poesia,
e retira meu pranto de mentira,
meu lodo carnal de filosofia,
que sibila cantante tal a onda
que deixa,
e me dá história contada
com metro invertido,
terrível sonho aqui em terra brasa,
seca e brava,
como um cometa o sonho evanesce,
vira fumaça e se esquece,

este vil vinho na esfera fogo,
seca e terrível, mortiça
com vitrais através da luz solar,
e o prisma multicor
que do arco-íris
é só a miragem.

05/03/2017 Gustavo Bastos

SÓIS SIMBOLISTAS

na barbearia uma face estulta
corrói a si mesma,
pega de faca na luta vã
de sorrir,

tomo o café na tabacaria,
tomo formol de luta suicida,
como um ócio valente
que dorme,
uma onça que pula com garras,
um fantoche que faz teatro,
ou ainda este bruxo que ri
com sol em tal face de mundo,

oh, que nada mais importa
neste conto furibundo
de metal, que nada,
na barba cortada
e meu sorriso,
que nada mais no dia infinito
me delicia mais que o sol
na cara, e o livro que faz
melisma com som
de simbolistas velhos.

05/03/2017 Gustavo Bastos

BATIDAS DE VENTO NA TESTA

Que o vidro quebrado das garrafas
me deem à bebedice destas danças,
qual rato fumando cachimbo,
gato de botas no verão escaldante
de um sol de flechas,
broto de bambu de cabanas verdes,
risos de mel no fim do dia.

Qual nada! Ó história de carroças
corridas na via de naus totêmicas!

Que danço por entre espartilho e taras,
risos de céu no quadro de pollock,
brumas de sal na vinha e sarça
que dá pau em doido,

oh riso estrelado que risonho
campeia o campo,
e dá de ombros com asas rosa shocking
no pássaro de prata
das odes de mormaço,

rei de tudo, tolo tonto
de saltar, que à miragem
dá aurora como fome de cão
nas estátuas de mármore
que a capela guarda
como tesouros de pirata,
e meu calhamaço cartapácio
que flutua risonho de feliz.

05/03/2017 Gustavo Bastos

PSICONAUTAS

Meu solo de herói funciona
como uma engrenagem
de som:

duas pausas entre gritos,
dois socos e um sopapo.

Ventila meu vento forma de vida,
seres encastelados em estrelas,
espelhos d`água
e bruma.

Com as vedetas e brios fumaçados,
côrte de toda a patuleia,
vermes redondos e latinhas
cor de festa,

ventre explodido de arte:
meu rito de mecânica
que emite o som alienígena,
rotas de fuga na carta náutica
dos mapas geológicos
da primeira era,

eu, que sou um rebelde tosco,
tenho senhas em poemas
como uma poeira cósmica
na boca da supernova,
no quasar espatifado
dos psiconautas.

05/03/2017 Gustavo Bastos

FUNDO DE TUDO

Como se nota o carnaval,
tal o encanto da manobra
dos corpos de bronze,

eu tinha a fada com onda vermelha,
retinia o metal, eu endurecia os
ossos na bacanal.

Passavam os líderes de torcida,
os risos no chão do afã
do campeonato,

pelotão e fuzil,
anzol e anca.

Como se faz tríduo momesco
com as dores de parto
dionisíacas,

e se lambe o ácido na tez da folia.

05/03/2017 Gustavo Bastos


ANDY WARHOL E A POP ART – PARTE III

“Warhol tem um de seus momentos chave quando se volta para a fotografia como matéria de seu trabalho”

A SERIGRAFIA COMO MEIO ARTÍSTICO

Uma pintura que tem o tema da morte inaugura uma notável produção de quadros que marca um novo momento na História da Arte, tal trabalho que é inspirado numa catástrofe aérea em Nova Iorque, que era até então a mais grave na história da aviação. Contudo, para Andy Warhol o evento da queda do avião pura e simplesmente não foi o motivo do trabalho artístico, e sim o modo que tal evento apareceu na imprensa, mais exatamente a fotografia da carcaça, publicada, no dia 4 de Junho de 1962, no jornal de grande tiragem “New York Mirror”.
Warhol então projeta na tela a fotografia do jornal, onde, dominando todo o cenário, se ergue a empenagem do avião a jato que está caído, e a copia através de pintura. Neste trabalho Warhol retoma não somente a fotografia como também a manchete do jornal popular que, de forma sensacionalista, começa em maiúsculas com as palavras “129 DIE” e continua, por baixo da fotografia, com “IN JET!”, e o nome do jornal, “New York Mirror”, que aparece no bordo superior do quadro, juntamente com a data de publicação e com o número da edição.
Warhol tem um de seus momentos chave quando se volta para a fotografia como matéria de seu trabalho, quando se fala de sua evolução artística, tal que é um meio de expressão que, mais do que o trabalho com as bandas desenhadas, as marcas dos artigos de consumo ou ainda as pinturas da arte “superior”, determina com muito mais precisão a realidade da percepção. A fotografia reproduz o que os olhos veem com mais veracidade do que todas as pinturas antes dela, e eterniza, em certa medida, a realidade visível. E o bom observador distante que era Warhol, deve ter notado logo muito cedo, por sua vez, a influência que tomava no mundo tanto a fotografia como também o cinema.  
Warhol teve esta percepção pela fotografia, embora nos meios artísticos dos anos 50, a fotografia era ainda vista como algo menor e com mais desdém até mesmo em relação à linguagem em imagens da banda desenhada e da publicidade. A fotografia, portanto, tinha uma importância muito reduzida no mundo da Arte, mas, por isso mesmo, era o meio ideal para servir aos objetivos de Warhol. No quadro “129 DIE”, Andy Warhol não reproduz a realidade de forma direta, mas se utiliza de uma fotografia de jornal de um desastre, que de fato tinha acontecido, como um tipo de veículo de expressão que ligava a realidade ao espectador.
Então, na análise sobre a intenção de Warhol com este trabalho, temos que não é a realidade por si mesma o sentido de sua expressão, mas sim tal realidade no seu contexto de reprodução, representando, por fim, um fragmento desta realidade. Por fim, temos também que esta nova onda de reprodução gerava um tipo de realidade em segunda mão, tal que era a realidade na sua versão dos “mass media”, das revistas ilustradas e dos painéis publicitários, como também do cinema e da televisão, que, ao fim, triunfa sobre a realidade empírica. 
O fato de Warhol explorar uma gama variada de temas, e isto antes de realizar as suas pinturas, era fruto de um artista extremamente atento, que tanto juntava sugestões de terceiros, assim como também colecionava revistas e jornais, para, no momento certo, os utilizar como modelos para seus trabalhos artísticos. Quando chegava esse momento, Warhol achava que uma imagem reproduzida em massa ou um artigo de uso cotidiano possuía traços pertinentes e que poderia servir como uma espécie de representação eficiente do que se chama de consciência coletiva, como modelos de relações, no qual se fundiam numerosas convicções comuns, reunindo isto numa imagem de fácil assimilação e de efeito duradouro.  
Tal trabalho de Warhol com esta consciência coletiva pode ser verificada, por exemplo, nas marcas e embalagens da indústria alimentar, que eram as sopas e os legumes em latas, os molhos e bebidas em garrafas, que eram então a narrativa cotidiana dos nossos hábitos, muito mais presentes que quaisquer outros elementos em nossa civilização. E tal relação que Warhol estabelecia com tais produtos também era potencializada pelo fato deles estarem associados a determinados nomes de firmas e marcas, tais como as sopas Campbell, a limonada Pepsi, a Coca-Cola, os detergentes Brillo e o ketchup da Heinz, que representavam a tradução perfeita de um modo de vida cotidiano e comum. Por sua vez, quando Warhol escolhe para motivos de arte as latas de sopas Campbell, as garrafas de Coca-Cola e de ketchup Heinz e os pacotes de Brillo, Warhol os coloca num patamar novo como ícones da civilização contemporânea.
Foi então, com este ato estético de Warhol, que era a decisão de elevar tais produtos à categoria de obras de arte, que transformou, por sua vez, estes rótulos e marcas rigorosamente idênticos em ícones secularizados. Tal ato estético que era quando Warhol transferia tais produtos para uma tela, os elevando artisticamente, representava concretamente o transporte de tais entes dos supermercados para as galerias de arte. E, ao contrário de Marcel Duchamp, que transplantou os objetos do mundo cotidiano, onde desempenhavam uma função bem concreta, para um espaço estético, para que, desprovidos de toda a funcionalidade se tornassem perceptíveis em si mesmos, Warhol submeteu os “ready mades” da produção industrial em massa a um processo de transformação estética e artística.
Como um ilusionista hábil da Arte Contemporânea, Warhol era objeto de uma certa confusão no que se relaciona a sua técnica, pois ele operou uma substituição da técnica artística tradicional, da qual se utilizara até então, por uma técnica que correspondia mais aos seus novos motivos, tal que era também mais familiar com o designer publicitário de sucesso que Warhol também era. Tal mudança fez com que Warhol tivesse agora as fotografias de imprensa e os rótulos e marcas como seus motivos artísticos preferidos. Warhol, então, neste processo criativo renovado, logo se volta para a impressão serigráfica de fotografias, passando a aproveitar as possibilidades desta para as suas “pinturas”.
A serigrafia, por sua vez, era a técnica fundamental de Warhol que o permitiu apagar dos quadros as características de cunho pessoal, eliminando definitivamente todos os momentos subjetivos e, assim, deixando Warhol completamente livre dos cânones dominantes do Expressionismo Abstrato. Esta técnica de produzir anonimamente uma imagem, isenta de subjetividade, que era o extremo oposto do Expressionismo Abstrato, e com a precisão de uma máquina, desde que alguém tivesse determinado a composição e as cores, estava em conformidade com o temperamento frio e observador de Andy Warhol. E nesta sua escolha, Warhol deve ter sido igualmente estimulado pelo fato da impressão serigráfica permitir a ele a criação de uma imagem estereotipada e propagar, assim, um reflexo da consciência coletiva.
Esta técnica inédita na esfera da Arte tornou supérfluos os complicados e dispendiosos desenhos de preparação das pinturas. Além disso, com a transferência fotoquímica imediata de um modelo fotográfico para um peneiro, Warhol conseguia quadros que interpelavam diretamente o espectador, como acontece com as imagens dos mass media, sem, todavia, expor os seus quadros ao esquecimento imediato, tal como ocorre com as imagens da imprensa de massas. Portanto, para evitar o aspecto efêmero de tais imagens, Warhol fez uma aplicação especial da técnica da serigrafia.
Modelo para Pintores Amadores (Flores), por exemplo, que é o título de um quadro que simboliza justamente a mudança de técnica na carreira do artista, representa os contornos de um desenho em formato mural, incompletamente colorido, que o artista amador pode pintar segundo indicações precisas, transformando-o numa verdadeira composição a cores. Por sua vez, o desenho preparatório do quadro floral é esquemático e as cores preconizadas correspondem às cores estandardizadas da civilização industrial. No entanto, o modelo, que dá a impressão de um trabalho que requer uma grande capacidade manual, não passa de um exemplar entre milhares de exemplares idênticos, em que era necessário somente seguir as instruções do modelo. 
Recorrendo às técnicas da fabricação em massa, Warhol aplica a seu modo uma técnica que cria séries de quadros que se distinguem uns dos outros, mesmo que apenas através de pequenas nuances, não deixando dúvidas quanto a um certo fenômeno de depreciação do conceito de original, atributo muito caro à Arte Contemporânea, sobretudo na sua faceta do Expressionismo Abstrato, mas que, contudo, não representa a negação do conceito. A estratégia de Warhol, no entanto, tem aspectos de subversão, pois destrói a ideia de prestígio do original. Sob tal perspectiva nova, a ideia de arte em Warhol tinha o caráter de simples produtos industriais, como artigos fabricados em série.
Warhol também travou conhecimento com Gerard Malanga, um jovem poeta que depois foi seu assistente. Malanga descreve o início do seu trabalho prático nas artes plásticas com estas palavras: “Começamos logo a fazer a serigrafia de um retrato de Liz Taylor sobre uma tela, que tínhamos preparado, pulverizando um fundo com tinta prateada. Este trabalho não era muito difícil, mas acabou por se tornar muito sujo, quando tínhamos que limpar o peneiro.” O que em Elizabeth Taylor e Marilyn Monroe, em Elvis Presley e Marlon Brando pode ter encantado Warhol foi o fato de eles simbolizarem determinadas correntes que percorriam a consciência coletiva americana, pois personificavam concepções de beleza e de êxito.
Tal como anteriormente os retratos de Marilyn Monroe, os retratos dos homens com mandado de captura ligam a série sobre a morte à série imponente dos seus outros retratos. Mais do que qualquer outro gênero, Warhol cultivou o do retrato. Inúmeros retratos são devidos a encomendas particulares que o artista não se deu ao luxo de recusar. A maior parte dos retratos, que “pintou” sem serem encomendados, foram inspirados em acontecimentos particulares ou conjunturas específicas do momento. No entanto, é comum a todos eles o fato de representarem personalidades importantes: artistas, colecionadores, vedetas de cinema, políticos e criminosos. Numa sociedade mediatizada, a celebridade é quase um barômetro “natural” do êxito social.

(Baseado no livro Andy Warhol de Klaus Honnef, editora Taschen)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário:  http://seculodiario.com.br/33055/17/andy-warhol-e-pop-art-parte-3




O LIVRO DE CESÁRIO VERDE – PARTE I

“no momento histórico em que vivia ele não podia alcançar o reconhecimento que merecia”

CESÁRIO VERDE – O HOMEM E A OBRA

BIOGRAFIA

Numa praça em Lisboa temos um busto de bronze que tem no pedestal a inscrição: “Cesário Verde – Poeta.” É o reconhecimento ao poeta que teve a sua qualidade de poeta recusada pelos seus contemporâneos, tal que é a compensação pela posteridade que desmentia sua queixa em carta a um amigo: “Literariamente parece que Cesário Verde não existe.”
A biografia de Cesário Verde não possui uma vastidão de informações, pois tanto envolve um breve tempo de vida de 31 anos, como o prosaísmo de sua atividade profissional, uma vez que era um modesto caixeiro que trabalhava na loja de ferragens de seu pai, na Rua dos Fanqueiros, aonde aviava fregueses, e fazia a escrita ou se encarregava da correspondência comercial, numa vida de um cotidiano comum, com a gente sem história que o poeta iria apresentar em seus poemas. Também Fernando Pessoa exerceu uma atividade profissional apagada, mas este, ao contrário de Cesário Verde, integrou-se e participou dos círculos intelectuais do seu tempo, na história das lides culturais com as ideias que comungou na geração de Orfeu de que fazia parte. O que não aconteceu com Cesário, a quem os contemporâneos ignoraram.
O ambiente familiar de Cesário Verde era marcado por um grande espírito positivo e prático, no que não se tinha espaço para expansões idealistas que normalmente se ligam à poesia, pois Eduardo Coelho, por exemplo, que foi o fundador do Diário de Notícias, fora, também ele, empregado de José Anastácio Verde, o pai do poeta Cesário, nos tempos da sua adolescência. E Eduardo, no contexto deste trabalho, vira-se obrigado a abandonar a loja de ferragens por via da oposição que o patrão fazia à sua atividade literária, oposição que tinha uma justificação muito simples: “Versos não dão dinheiro.”
Será também esse espírito positivo, pragmático e utilitarista, que provocará na família de Cesário Verde a ausência de religiosidade, numa atitude de hostilidade face ao fenômeno religioso dominante na sociedade, no que teremos um poeta anticlerical e republicano, que nos deixa alguns testemunhos dessa atitude ao longo dos versos que escreveu. À atividade de produtor juntava-se também a de exportador das frutas da fazenda. E, se o poeta não deixa de se entusiasmar pelo trabalho, revela também um tipo de consciência muito esclarecida dos aspectos concretos dessa atividade, o que refletirá em seus versos um estro com boa dose de prosaísmo.
Comerciante, Cesário Verde nunca conseguiu ser aceito como poeta pela geração de intelectuais seus contemporâneos, estando então vedado o seu acesso às capelas literárias onde se forjam os mitos. E como a sua poesia apresentava traços de novidade, no momento histórico em que vivia ele não podia alcançar o reconhecimento que merecia, no que a crítica foi impiedosa ao apercebê-la impressa em folhas periódicas. A publicação em 1874 no Diário de Notícias do poema “Esplêndida” é acolhida por Teófilo Braga e Ramalho Ortigão, dois pontífices das letras daquele tempo, com ironia e sarcasmo. Ramalho aconselha o jovem autor (ao tempo com 19 anos) a tornar-se “menos Verde e mais Cesário” – uma boa maneira de indicar o abandono da atividade literária. Mais tarde, Teófilo Braga ignorá-lo-á por completo na organização do Parnaso Português Moderno, onde nenhum poema de Cesário Verde foi incluído.
Outro incidente desagradável deu-se com o Diário Ilustrado que, ao transcrever do Diário de Notícias o poema “Em petiz”, não se conteve de comentários ignóbeis, mais dignos do panfleto do que da crítica. Ali se dizia que cada verso do poema era “simplesmente um vomitório”.
Todas estas contrariedades pesaram fundo na alma do poeta, e o poema “Contrariedades” parece ditado justamente por estas desilusões. Ali se tenta um diagnóstico das causas que poderiam estar na base da rejeição de que era vítima. Donde se conclui que os obstáculos que encontrava para singrar nas letras provinham da sua independência, da sua marginalização relativamente aos círculos de literatos. De qualquer modo, não é de crer que a confiança do poeta no seu próprio talento fosse tal que o isentasse de uma sombra de dúvida quanto à qualidade da sua produção literária. E isso explicará por um lado a escassez do que nos deixou e o fato de não ter em vida publicado qualquer livro, embora já em 1874 essa publicação se anunciasse “para breve”.

POEMAS:

CRISE ROMANESCA

DESLUMBRAMENTOS: O poema, da crise romanesca, que Cesário Verde impõe com estro apaixonado, dirige-se com deslumbramento, e a sua milady é um perigo, que aparece no poema então como a clássica contemplação do poeta; “Milady, é perigoso contemplá-la,” (...) “Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,/Eu vejo-a, com real solenidade,/Ir impondo toilettes complicadas! .../Em si tudo me atrai como um tesoiro:”. O poema tem seu tesouro, e o poeta está em fascinação: “Ah! Como me estonteia e me fascina .../E é, na graça distinta do seu porte,/Como a Moda supérflua e feminina,/E tão alta e serena como a Morte! ...”. As rimas fluem, e o estro arde em êxtase: “O seu olhar possui, num jogo ardente,/Um arcanjo e um demônio a iluminá-lo;”. Anjos e demônios surgem na contemplação, que tem no olhar de sua milady a mira de Cesário Verde: “E enfim prossiga altiva como a Fama,/Sem sorrisos, dramática, cortante;”. A fama precípua é de cortante drama, e o luxo surge então nas estradas: “E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,/Sob o cetim do Azul e as andorinhas,/Eu hei-de ver errar, alucinadas,/E arrastando farrapos – as rainhas!”. E assim milady supera as rainhas que se arrastam aos farrapos, glória suprema do poeta e seu deslumbramento.

HUMILHAÇÕES: O poema tem da humilhação ao ambiente do teatro o desdém e os salões que o ignoram, este poeta que em versos sem reconhecimento, se perde com estro pela noite destes salões: “Esta aborrece quem é pobre. Eu, quase Job,/Aceito os seus desdéns, seus ódios idolatro-os;/E espero-a nos salões dos principais teatros,/Todas as noites, ignorado e só.”. No poema o teatro tem a presença feminina como um salto: “Na representação dum drama de Feuillet,/Eu aguardava, junto à porta, na penumbra,/Quando a mulher nervosa e vã que me deslumbra/Saltou soberba o estribo do coupé.”. E sua passada é firme, como uma marcha: “Como ela marcha! Lembra um magnetizador,/Roçavam no veludo as guarnições das rendas;/E, muito embora tu, burguês, me não entendas,/Fiquei batendo os dentes de terror./Sim! Porque não podia abandoná-la em paz!”. O poeta tonteia de terror, embora com sua visão extática não pudesse sair dali e ficar em paz: “Ao mesmo tempo, eu não deixava de a abranger;/Via-a subir, direita, a larga escadaria./E entrar no camarote. Antes estimaria/Que o chão se abrisse para a abater.” O poema então termina com um súbito drama final, em que o sujo e infecto se dá como um pedido final, um cigarro: “De súbito, fanhosa, infecta, rota, má,/Pôs-se na minha frente uma velhinha suja/E disse-me, piscando os olhos de coruja:/_ Meu bom senhor! Dá-me um cigarro? Dá? ...”.

NATURAIS

CONTRARIEDADES: O poema se dá na contrariedade de Cesário Verde com o seu tempo, ele está cruel, revoltado, incompreendido, o poema tem este azedume típico de uma alma canora que tem seu canto cortado: “Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;/Nem posso tolerar os livros mais bizarros./Incrível! Já fumei três maços de cigarros/Consecutivamente./Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:/Tanta depravação nos usos, nos costumes!”. O poeta aparece aqui em sua face decadente: “O obstáculo estimula, torna-nos perversos;/Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,/Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,/Um folhetim de versos./Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta/No fundo da gaveta. O que produz o estudo?/Mais duma redação, das que elogiam tudo,/Me tem fechado a porta.”. O poeta vê todas as portas fechadas, e tem a ideia sabotadora de queimar seus escritos, num rompante: “Juntei numa fogueira imensa/Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa/Vale um desdém solene.”. A imagem poética é destruidora, o poeta está em convulsão, seus poemas não estão em evidência, resta aos amigos seu mundo particular de poeta histórico póstumo: “Eu nunca dediquei poemas às fortunas./Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas./Independente! Só por isso os jornalistas/Me negam as colunas./Receiam que o assinante ingênuo os abandone,/Se forem publicar tais coisas, tais autores./Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores/Deliram por Zaccone.”. O poeta aqui aparece como o injustiçado, o ressentido, como se ele próprio não tivesse que alçar sua poesia na evidência que ele deseja ardentemente, o que nem sempre é possível, mas que não pode ser objeto de lamento a quem se propõe tamanho empreendimento: “Perfeitamente. Vou findar sem azedume./Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,/Conseguirei reler essas antigas rimas,/Impressas em volume?/Nas letras eu conheço um campo de manobras;/Emprega-se a reclame, a intriga, o anúncio, a blague,/E esta poesia pede um editor que pague/Todas as minhas obras ...”. E o poeta está impotente, no aguardo de um editor que lhe pague a fortuna crítica de seu trabalho imenso.

POEMAS:

CRISE ROMANESCA

DESLUMBRAMENTOS

Milady, é perigoso contemplá-la,
Quando passa aromática e anormal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.

Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas! ...

Em si tudo me atrai como um tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!

Ah! Como me estonteia e me fascina ...
E é, na graça distinta do seu porte,
Como a Moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte! ...

Eu ontem encontrei-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar;
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!

O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demônio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudamente,
E afaga como o pêlo dum regalo!

Pois bem. Conserve o gelo por esposo,
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.

E enfim prossiga altiva como a Fama,
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como um brilhante.

Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão-de acabar os bárbaros reais,
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.

E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos – as rainhas!

HUMILHAÇÕES

                      De todo o coração – a Silva Pinto

Esta aborrece quem é pobre. Eu, quase Job,
Aceito os seus desdéns, seus ódios idolatro-os;
E espero-a nos salões dos principais teatros,
Todas as noites, ignorado e só.

Lá cansa-me o ranger da seda, a orquestra, o gás;
As damas, ao chegar, gemem nos espartilhos,
E enquanto vão passando as cortesãs e os brilhos,
Eu analiso as peças no cartaz.

Na representação dum drama de Feuillet,
Eu aguardava, junto à porta, na penumbra,
Quando a mulher nervosa e vã que me deslumbra
Saltou soberba o estribo do coupé.

Como ela marcha! Lembra um magnetizador,
Roçavam no veludo as guarnições das rendas;
E, muito embora tu, burguês, me não entendas,
Fiquei batendo os dentes de terror.

Sim! Porque não podia abandoná-la em paz!
Ó minha pobre bolsa, amortalhou-se a ideia
De vê-la aproximar, sentado na plateia,
De tê-la num binóculo mordaz!

Eu ocultava o fraque usado nos botões;
Cada contratador dizia em voz rouquenha:
_ Quem compra algum bilhete ou vende alguma senha?
E ouviam-se cá fora as ovações.

Que desvanecimento! A pérola do Tom!
As outras ao pé dela imitam de bonecas;
Têm menos melodia as harpas e as rabecas,
Nos grandes espetáculos do Som.

Ao mesmo tempo, eu não deixava de a abranger;
Via-a subir, direita, a larga escadaria.
E entrar no camarote. Antes estimaria
Que o chão se abrisse para a abater.

Sai; mas ao sair senti-me atropelar.
Era um municipal sobre um cavalo. A guarda
Espanca o povo, irei-me; e eu, que detesto a farda,
Cresci com raiva contra o militar.

De súbito, fanhosa, infecta, rota, má,
Pôs-se na minha frente uma velhinha suja
E disse-me, piscando os olhos de coruja:
_ Meu bom senhor! Dá-me um cigarro? Dá? ...

NATURAIS

CONTRARIEDADES

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.

Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar; morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta na botica!
Mal ganha para sopas ...

O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.

Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redação, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.

A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa
Vale um desdém solene.

Com raras exceções, merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo,
Um sol-e-dó. Chovisca. O populacho
Diverte-se na lama.

Eu nunca dediquei poemas às fortunas.
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.

Receiam que o assinante ingênuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.

Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.

A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exatos
Os meus alexandrinos ...

E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe humedece as casas,
E fina-se ao desprezo!

Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova,
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!

Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?

Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a reclame, a intriga, o anúncio, a blague,
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras ...

E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia ...
Que mundo! Coitadinha!

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário:  http://seculodiario.com.br/33054/17/o-livro-de-cesario-verde-parte-1-1