PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

AS POLÊMICAS DE RICARDO SALLES

 “O ICMBio foi criado em agosto de 2007, durante a gestão da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva”

Ricardo Salles começou a sua atuação como ministro do Meio Ambiente, no governo Jair Bolsonaro, já se colocando no sentido de desarticular e de fazer o desmonte dos órgãos responsáveis pelo estabelecimento das políticas públicas referentes ao meio ambiente.

Salles se tornou o agente de desmonte de toda política ambiental anteriormente edificada, uma espécie de representante do próprio Jair Bolsonaro neste ministério, uma vez que não teve problema nenhum em descontinuar e atuar de forma tóxica em tudo que envolveu o meio ambiente desde o início de seu exercício como ministro desta cadeira.

Ricardo Salles começou esta sua política exonerando 21 dos 27 superintendentes do Ibama, tal equipe, que já era deficitária, ficou acéfala. Depois de cinco meses da gestão de Salles, temos a diminuição considerável do número de multas aplicadas sobre o desmatamento ilegal. Como resultado temos, por conseguinte, o aumento explosivo do desmatamento da floresta amazônica, virando um escândalo para a imagem internacional do país.

Outro ataque de Salles foi sobre o ICMBio, colocando analistas ambientais aprisionados em processos burocráticos, longe da linha de frente das unidades de conservação, uma operação de reestruturação que envolveu uma portaria que exonerou 38 servidores do comando ou que eram substitutos de chefia em unidades de conservação, tal portaria substituiu as 11 coordenações do ICMBio por cinco gerências regionais.

Esta reestruturação do ICMBio enfraqueceu a gestão de inúmeras unidades de conservação, centralizando decisões em poucos cargos, com cargos de poder sendo ocupados por PMs, com a Coordenação de Fiscalização vaga há meses, ainda tendo as aposentadorias de servidores do órgão nos últimos anos, agravando a precarização da gestão do ICMBio. Tais portarias alteraram profundamente a gestão das unidades de conservação.

Tais ações de reestruturação do ICMBio aglutinaram em comandos do órgão chefias de parques, reservas, estações ecológicas, sem qualquer debate com os servidores, e Salles agora anuncia a criação de um grupo de trabalho para discutir a fusão entre o ICMBio e o Ibama, numa ideia de aglutinar áreas que apresentem sobreposição de tarefas, tais como trabalhos administrativos. Tal fusão deve passar pelo Congresso Nacional, com proposta enviada pelo governo que pode ser em forma de medida provisória ou projeto de lei.

O ICMBio foi criado em agosto de 2007, durante a gestão da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, vindo do desmembramento do Ibama, e ficou responsável pelas unidades de conservação federal, como cisão de uma área do Ibama, este que ficou responsável pela área de fiscalização ambiental, processos de licenciamentos federais e outras funções.

O governo brasileiro, nesta onda de críticas internacionais sobre a sua política ambiental, por causa das queimadas e o desmatamento da Amazônia, agora com os eventos do Pantanal, deixou no BNDES recursos de pelo menos R$33 milhões do Fundo Amazônia, programa financiado com dinheiro da Noruega e da Alemanha, que seriam destinados ao combate de incêndios e corte ilegal de árvores.

O governo veio com acusações anódinas em relação ao interesse de ONGs, que seriam financiadas pelo fundo, sendo que o Ibama não acessa o dinheiro há mais de dois anos, e o único saque da Força Nacional de Segurança foi há mais de três anos.

Tal movimento de acusações levou ao fim do Comitê Técnico do Fundo Amazônia, que era responsável pela análise dos programas a serem financiados, provocou uma crise diplomática com países da Europa, impedindo a renovação do fundo, e ainda teve, por parte do governo brasileiro, a troca de comandos no BNDES.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/as-polemicas-de-ricardo-salles 

 

 

 

 

 

domingo, 18 de outubro de 2020

DESCARTES E A MACONHA – PARTE III

 “Descartes possui uma produção intelectual genial, porém, irregular”

O autor Frédéric Pàges, seguindo a sua narrativa, se deparou com o livro de Théo Verbeek, que é o livro La Querelle d`Utrecht, que se refere à conhecida polêmica entre o filósofo Descartes e o seu contendor, Gisbertus Voetius, numa querela que durou de 1641 até 1648, ou seja, sete anos.

Voetius era um professor da universidade de Utrecht, e que era um adversário da expansão do cartesianismo na Holanda, este Voetius que era pastor, acusava Descartes de ateísmo, e o filósofo contra-atacou o pastor com virulência.

Mas, o tom mudou, para ambas as partes, diante das autoridades de Utrecht, que lhes impuseram silêncio, e tal falta de moderação de Descartes diante de Voetius ameaçou a sua permanência na Holanda, ele voltou para a França em 1644, e em 1647 buscou auxílio, voltando então para a Holanda para restabelecer a polêmica com Voetius.

Segundo Théo Verbeek, em seu La Querelle d`Utrecht : “Se o cartesianismo acabou conquistando as universidades dos Países Baixos pode-se dizer que foi de certa forma apesar de Descartes que constituiu o maior obstáculo à sua própria filosofia”.

E Pàges nos descreve Descartes de forma contundente : “Descartes não tinha a habilidade de um Pascal par dar grandes passos científicos e financeiros. Comparado ao promotor da experiência no pico de Dôme, ao inventor da calculadora, e da primeira companhia de ônibus parisiense (em 1662!), Descartes parecia um sonhador, um amador. Ele se queixava : era preguiçoso, indolente, gostava de dormir dez horas por dia, devanear, dedicar seu tempo aos amigos ...”.

Por conseguinte, Descartes possui uma produção intelectual genial, porém, irregular, o que reúne mais cartas do que livros, mais livros inacabados do que finalizados, jamais fazendo o seu Tratado da Moral, que tanto projetou.

Descartes ainda tinha obras científicas de ambições desmedidas, mas que se revelaram trabalhos fragmentados e com produções interrompidas. Segundo Pàges, reportando as palavras de Samuel de Sacy : “Ele nos anuncia um inventário geral do mundo e para após algumas pesquisas”. O próprio Descartes confessa em seu Discurso  que sempre odiou “a profissão de escrever livros”.

Descartes levou alguns golpes na Holanda, de um porte altivo, foi até a Suécia, contudo,  já combalido, o Descartes da Suécia é triste, autor de um balé, La Naissance de la Paix, distante do grandioso projeto anunciado no Discurso do Método. Suas cartas de Estocolmo já nos revelam um temperamento depressivo. Morreu rapidamente, aos 54 anos, no primeiro vento frio que lhe pegou.

Depois de ter anunciado que trabalhava numa medicina que o levaria a viver cem anos, morreu aos 54, e Pàges nos reporta a zombaria de uma gazeta holandesa inimiga : “Um filósofo que tinha jurado viver cem anos acaba de morrer em Estocolmo”.

E Pàges ainda reporta o francês Saint-Evremond, que ironizou sobre seu estado de saúde : “Havia um pouco de desordem em sua glândula (pineal), segundo o que diziam muitos sábios que o conheceram na Suécia e na Holanda. Na verdade, ele morreu porque a rainha da Suécia não quis abandonar a leitura da Moral de Aristóteles para seguir a opinião de sua glândula”.

Em relação a sua obra maior, o Discurso do Método, pouco repercutiu em seus contemporâneos, nem na segunda edição, Descartes publicou sem seu nome, e hoje a versão publicada não possui três ensaios que lhe eram anexos em 1637 : a Dióptrica, os Meteoros e a Geometria.

Tais ensaios, contudo, não funcionavam como apêndices, uma vez que a concepção de Descartes para seu discurso, era para funcionar como uma apresentação para mecenas, acionários e patrocinadores, destinada para as três aplicações desenvolvidas na sequência do livro.

Segundo a narrativa de Pàges, Descartes : “fazia uma ciência “aplicada” à arte da guerra, à construção de armas, à medicina, à óptica. Era um laboratório de pesquisa em si próprio. Ele tinha então necessidade de mecenas, de gente de dinheiro e de empresas, de aristocratas ou de burgueses que não liam latim. Eis porque o Discurso foi escrito em francês.

Eis porque ele foi confidencial. Diríamos hoje “direcionado”. Como pagamento, Descartes se contentou com duzentos exemplares gratuitos que ele mesmo difundiu. O autor não esperava, com isso, a notoriedade (ele já a tinha aos 41 anos), mas a eficácia”.

 

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :  https://www.seculodiario.com.br/cultura/descartes-e-a-maconha-parte-iii