“sua posição visceral e renitente de atacar Lula confundiu a sua posição no espectro ideológico”
Ciro Gomes encerra oficialmente seu ciclo de presidenciável com um fracasso eleitoral em 2022. Foi o pior resultado eleitoral da carreira de Ciro, em que alcançou 3,04% dos votos e a quarta colocação entre 13 candidatos. Este foi seu pior desempenho numa candidatura à presidente da República, na sua quarta tentativa de ocupar o Palácio do Planalto.
Ciro Gomes atacou diretamente Lula e o PT e esta escolha estratégica se configurou num desastre. Ciro também rompia com a polarização, com a candidatura de Bolsonaro, mas sua posição visceral e renitente de atacar Lula confundiu a sua posição no espectro ideológico, o qual seria, em tese, numa candidatura pelo PDT, de centro-esquerda, contudo, sua estratégia difusa de ataques causou um movimento de percepção que o colocava à direita no espectro ideológico.
Só para ter uma ideia de como na percepção política a sua posição era bem confusa, o caráter bilioso quando está disseminado e disperso causa este tipo de perturbação sobre qual a posição real do candidato, no sentido mesmo de uma clareza estratégica, até no sentido de pragmatismo político, o que demandaria um foco maior.
O desastre estratégico foi sobretudo a ausência de um foco no que se combatia, apesar de Ciro ter um programa político-administrativo pronto e fundamentado, sendo o único candidato que no campo propositivo tinha, de fato, algo a apresentar e defender.
Esta estratégia de ataques difusos provocou uma debandada de votos e a ruptura aconteceu até dentro do PDT, afastando a ala brizolista de sua candidatura, esta que acabou declarando voto em Lula. Com o resultado das urnas, Ciro já declarou que não disputará mais a presidência da República.
Seu fracasso também ocorreu em seu berço político, o Ceará, em que não conseguiu emplacar seu candidato Roberto Cláudio, em que ocorreu a ruptura do PT cearense com Ciro, e ainda a vitória do candidato petista ao governo do Ceará, Elmano Freitas, eleito no primeiro turno com 54,02% dos votos. Roberto Cláudio, do PDT, ficou em terceiro lugar, atrás do bolsonarista Capitão Wagner, do PL, que ficou em segundo lugar.
No Ceará, Ciro interveio na disputa interna do PDT, que já tinha se decidido pela candidatura à reeleição de Izolda Cela, atual governadora do estado, contudo, Ciro impôs a candidatura de seu aliado, Roberto Cláudio, e o racha com o PT ocorreu, sendo lançado Elmano pelo PT, com o apoio do ex-governador do Ceará Camilo Santana, do PT, este que se elegeu agora ao Senado.
Neste dia 5 de outubro o PDT oficializou o apoio à candidatura de Lula neste segundo turno, em que Carlos Lupi selou a aliança em uma reunião em São Paulo, apoio este que foi aprovado por unanimidade pela executiva nacional do PDT no dia 4 de outubro. Ciro acabou divulgando um vídeo em que dizia acompanhar a decisão do partido, contudo, sem citar o nome de Lula.
As dificuldades de Ciro nesta campanha de 2022 começaram na composição do arco de alianças, o que simplesmente não aconteceu. Ciro se viu numa candidatura isolada, fechando uma chapa puro-sangue, com vice do próprio PDT, a vice-prefeita de Salvador, Ana Paula Matos.
Não houve coligação com nenhuma sigla, as tentativas com o PSD e o União Brasil não foram bem sucedidas, com o PSD assumindo uma posição neutra nestas eleições presidenciais, e o União Brasil lançando Soraya Thronicke como a sua candidata à presidência da República.
A escolha do marqueteiro João Santana, que foi responsável pela comunicação petista em eleições passadas, e uma tentativa meio forçada (também feita por outros candidatos em diferentes cargos) de mostrar uma proximidade com o público jovem, com games, podcasts, etc, incluindo uma polêmica infantil com o comediante Gregório Duvivier, também não surtiram efeito.
E o público jovem também passou a ser alvo do PT, com a adesão de André Janones à candidatura de Lula, ao retirar a sua candidatura pelo Avante e entrar na comunicação do PT nas redes sociais para aproximar a imagem de Lula dos jovens na internet.
O Manifesto à Nação, nos estertores da candidatura de Ciro este ano, também não surtiu efeito. Neste manifesto ele reforçou tudo que já estava dizendo, repetindo sua posição de oposição a Lula, combatendo a tese do voto útil, reafirmando a sua candidatura, e ainda tentou se contrapor à imagem de linha auxiliar de Bolsonaro, um reflexo de sua estratégia difusa que confundiu a percepção política em relação a sua posição no espectro ideológico nacional.
O comportamento belicista de Ciro, muito conhecido e quase um lugar comum de sua trajetória política também colocou Ciro em dificuldades por vários momentos. O seu distanciamento de atores e grupos políticos também deram o sinal de que sua política de alianças em 2022 poderia naufragar, e foi o que aconteceu.
Não foram erguidas pontes nos últimos anos por Ciro para que ele tivesse força em uma candidatura majoritária nacional. O caráter personalista de sua plataforma política o colocou numa posição irrealista, em que parecia que Ciro ocupava um lugar privilegiado de percepção política e administrativa, algo quase metafísico, em uma superioridade em que ele detinha as chaves da verdade de tudo o que deveria ser feito para o futuro do Brasil.
Esta posição personalista de sua plataforma política se condensou no lançamento de um livro sobre seu projeto de nação, o que funcionava como uma cartilha política e econômica, de governo e de Estado, o que pode ter sido virtuoso no campo eleitoral, pois nenhum outro candidato apresentava com tanta clareza sobre do que se tratava o seu projeto político, diante de outros candidatos em que se via um desfile de platitudes e declarações insuficientes.
O vício de seu personalismo político, por sua vez, foi a sua falta de interlocução com o meio político, e que cobrou a fatura final nestas eleições de 2022. No quesito de liderança política popular, por conseguinte, o chamado cirismo nunca ganhou tal dimensão, pois dois líderes populares arrasaram o campo de atuação de Ciro, que foram o lulismo e o bolsonarismo. Por fim, este capital político rarefeito de Ciro acabou por desmoronar neste resultado final de 2022.
Ciro se lançou como presidenciável também em 1998, 2002 e 2018. Ciro possui uma trajetória política relevante, em que obteve experiência política e administrativa como deputado estadual, deputado federal, prefeito de Fortaleza, governador do Ceará e ministro da Integração Nacional (no governo Lula) e da Fazenda (nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso).
Suas brigas políticas e uma retórica intelectualizada, de pouco alcance popular, por sua vez, podem ter ceifado o seu caminho na direção do Planalto Central. Durante a sua trajetória aconteceram duros embates políticos em diversos espectros ideológicos e isto se refletiu em seu isolamento em 2022. A isto se soma seu personalismo político detentor de todas as soluções, com uma retórica que não teve traquejo popular e de selar alianças que seriam importantes para enfrentar a polarização bolsonarista e lulista.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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