PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 16 de abril de 2016

W.B.YEATS, O MAIOR POETA DE LÍNGUA INGLESA DO SÉCULO XX – PARTE I

“Da briga do homem com outros surge a retórica; da briga do homem consigo mesmo nasce a poesia”

William Butler Yeats, nascido em Dublin em 1865, pode ser considerado o maior poeta de língua inglesa do século XX, e ainda um dos maiores de todos os tempos, e que tem no início de suas criações em poesia a fonte indômita do signo do nacionalismo literário, este mais duradouro que o nacionalismo político, e de cepa, óbvio, irlandesa. Na sua exploração dos mitos célticos, Yeats segue uma linha inicial utópica, sonhadora, de fonte cultural nacional, o tema é o mito da Irlanda, a fonte mais forte é a inspiração ainda ligada, de todo, ao cunho fundador de uma identidade nacional, que terá assim, primeiro, uma fonte mitológica, e que tem mais no sonho que na realidade a sua tonalidade e versificação.
E o então jovem poeta tem a sua estreia com o volume “As peregrinações de Oisin e outros poemas” de 1889, que era uma resenha anônima, que dará seguimento, então, ao volume de poemas “Encruzilhadas”, também de 1889. Oscar Wilde, um dos primeiros a atentar para o talento do então jovem Yeats, este que já era poeta e folclorista, depois de afirmar que livros de poetas jovens geralmente são notas promissórias de difícil resgate, no caso de Yeats, ele dirá: “às vezes nos deparamos com um volume que está tão acima da média que é impossível resistir à tentação de predizer um belo futuro para seu autor”. E podemos citar como pequena peça filosófica sobre o que é a poesia, as próprias palavras de Yeats: “Da briga do homem com outros surge a retórica; da briga do homem consigo mesmo nasce a poesia.” Portanto, Yeats terá a sua própria concepção sobre poesia, sobretudo, como conflito. E o conflito, em seu caso, se dará como a cisão entre sonho e realidade, o que ficará reconhecido na sua obra completa, que atuará nestes territórios em dois momentos diversos de sua trajetória biográfica e literária.
 Então, o primeiro Yeats será ainda do poeta que deseja se manter na imagem e refúgio de um mundo de perfeição e beleza, chocando-se com o mundo cotidiano cheio de exigências. Tal oposição já estará patente na sua primeira obra poética, publicada em 1889, o poema narrativo “As peregrinações de Oisín”, e ainda no seu desdobramento que virá a lume como “Encruzilhadas”, para em seguida, já em 1893, vir o volume “A rosa”, o qual coloquei dois poemas abaixo, os “A rosa do mundo” e “A ilha lacustre de Innisfree”, livro que será um aprofundamento do simbolismo do autor. E assim, em “A rosa do mundo”, as alusões são simultâneas, tanto à sua amada, como também à “prole de Usna” e a Helena de Troia, os encantos do país natal e do mundo todo, evocando o caráter ao mesmo tempo nacional e universal do poema. E em “A ilha lacustre de Innisfree”, surge aqui uma nostalgia da região de Sligo, e que no trecho, por exemplo, como: “E lá vou achar a paz”, reconhece o autor a sua dívida para com suas origens, algo comum a muitos escritores, e julgo algo quase corriqueiro quando se fala de literatura irlandesa.
Yeats, na sua proposta inaugural, nacionalista, sonhadora, mitológica, de cunho simbolista, ganhará a sua melhor versão no livro “O vento entre os caniços”, publicado em 1899, e que terá a sua melhor expressão no poema “A canção do errante Aéngus”. Nestes versos, Aéngus, deus gaélico do amor e da poesia, aparece na descrição de sua busca por uma jovem fada (a poesia), a qual descobre num bosque de aveleiras (a sabedoria). Está neste poema o clichê da beleza ideal, já não tão presente nos poemas de cepa moderna e contemporânea, mas que nesta fase de Yeats ainda tem sua força, beleza que se fundirá à natureza, nos últimos versos que dizem de “pomos argênteos da lua” e de “pomos dourados do sol”, numa fusão muito própria do conhecimento alquímico.
E tal aventura se encerra aqui, nesta primeira parte da poesia de Yeats, já com sua fase mais realista, do livro “Responsabilidades” de 1914, já com a segunda fase do autor ligado mais nas atividades cotidianas, o que já culminara com a sua entrada no projeto do Teatro Abbey, inaugurado em 1904. Yeats então já rendido a uma vida mais prática, se distancia em sua poesia do idílio de um mundo perfeito em beleza e busca um caráter mais reto e com menos atavios em sua poesia, já com a depuração que veremos no imagismo de Ezra Pound, por exemplo, mas com Yeats em caminho próprio, de um mundo cotidiano cheio de problemas e, como diz o título de seu livro, “responsabilidades”.
E com o poema “Setembro de 1913” tal série nova ganha corpo, pois sua escrita ganha os ares do pesadelo do mundo real, seja em caráter público, como em sua vida pessoal, numa visão negativa da vida e da humanidade que, por sua vez, tem no estribilho “A romântica Irlanda está acabada;/O túmulo de O´Leary é seu lugar.” O grito de que as ilusões estavam perdidas, bem-vindo ao mundo da dor e do conflito, a beleza dá lugar ao senso do mundo, e Yeats, neste poema, traduz-se em ataques à cobiça e à religiosidade afetada da burguesia católica irlandesa, anestesiada em relação à arte, e que fará com que Yeats vá buscar alento em dois extremos, na classe popular, de um lado, e na aristocracia, de outro. E tal poema será motivado por um caso específico que muito aborreceu Yeats: O rumoroso caso dos quadros impressionistas que sir Hugh Lane pretendia doar à municipalidade de Dublin, mas, a cidade, sem uma galeria de arte adequada para receber os quadros, e sem verba oficial, fez com que Yeats visse seu sonho virar pó com a coleção indo parar na Galeria Nacional de Londres.  

A ROSA DO MUNDO

Quem sonhou que a beleza esvai-se como um sonho?
Por estes lábios rubros, com orgulho triste,
Triste porque a magia de antes não persiste,
Foi-se Troia na pira de clarão medonho
E a prole de Usna já não mais existe.

O mundo laborioso vai conosco ao léu:
Em meio à massa de almas que vacila e esfaz-se
Como cheia hibernal que pálida passasse,
Sob os astros que fogem, o espumar do céu,
Sozinha vive ainda aquela face.

Inclinai-vos, arcanjos, na sombria morada:
Antes que houvesse a vida, antes de vós também,
Ofegante e gentil, com Ele estava alguém;
Fez Ele deste mundo uma relvosa estrada,
À frente de seus pés, que errantes vêm.

A ILHA LACUSTRE DE INNISFREE

Vou levantar-me e ir agora, e vou-me para Innisfree,
E lá farei uma choça com barro e vimes torcidos;
Terei feijão, nove filas; e abelhas terei ali;
E estarei só, na clareira entre os zumbidos.

E lá vou achar a paz, paz que pinga devagar,
Que pinga dos véus da aurora para onde cricrila o grilo;
A meia-noite ali brilha; o meio-dia é esbrasear;
E o poente ... pintarroxos vêm cobri-lo.

Vou levantar-me e ir agora, porque sempre, noite e dia,
Ouço o marulho das águas que no lago vêm e vão;
Se na estrada me detenho, ou sobre a calçada fria,
Escuto-o bem, lá dentro do coração.

A CANÇÃO DO ERRANTE AÉNGUS

Eu fui ao bosque de aveleiras,
Pois fogo no cérebro tinha;
Cortei e pelei uma verga,
E atei uma baga a uma linha;
E ao ver as falenas da mata,
Deitei num arroio essa baga,
Fisgando uma truta de prata.

Depois de estendê-la no chão,
Soprei a fogueira com fome;
Mas algo no chão se mexeu,
E alguém me chamou pelo nome:
Tornara-se moça radiante,
Cabelos com flor de maçã;
Chamou o meu nome, e correu,
E esfez-se na luz da manhã.

Embora envelheça a vagar
Por terra elevada e terra oca,
Eu hei de encontrar seu refúgio,
Tomar-lhe as mãos, beijar-lhe a boca;
E irei entre a relva mosqueada
Colher, em futuro arrebol,
Os pomos argênteos da lua,
Os pomos dourados do sol.

SETEMBRO DE 1913

Que mais querem vocês, pensando bem,
Que mexer em gaveta gordurosa
E somar ao vintém meio vintém,
E reza acrescentar a reza ansiosa,
E sugar o osso até não restar nada?
Para rezar nascemos ... e poupar:
A romântica Irlanda está acabada;
O túmulo de O `Leary é seu lugar.

De outro estofo eram os nomes que calavam
As nossas brincadeiras infantis:
Pelo mundo qual vento eles passavam,
E sem rezas, pois para a sua cerviz
A corda do carrasco era trançada;
E o que tinham, meu Deus, para poupar?
A romântica Irlanda está acabada;
O túmulo de O`Leary é seu lugar.

Teriam por isto os “gansos” desferido
O voo cinza que nos céus foi visto?
Por isto tanto sangue foi vertido?
Edward Fitzgerald só morreu por isto?
E Wolfe Tone, e mais Emmet de juntada,
Um delírio de indômitos sem par?
A romântica Irlanda está acabada;
O túmulo de O`Leary é seu lugar.

Porém, se nós pudéssemos revê-los
Na dor e solidão de seus exílios,
Diriam vocês: “O louro dos cabelos
De uma mulher enlouqueceu os filhos
De toda mãe”. Estirpe nobre e ousada,
Mal pesava o que tinha para dar.
Mas que descanse em paz; está acabada;
O túmulo de O`Leary é seu lugar.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário: http://seculodiario.com.br/28262/17/wb-yeats-o-maior-poeta-de-lingua-inglesa-do-seculo-20-parte-1

sexta-feira, 15 de abril de 2016

O SENTIDO DA OBRA

Por datas e acontecimentos,
tenha em dias o cansaço,
e a efeméride
sucinta
que no mar diverge
em infinito,

por livros e bíblias,
alcorões e vedas,
zoroastro,
buda,
satã.

Efeméride é o tempo
sublimado,

o livro sublime é o corpus
da criação,
sua cosmogonia
deteve
o escatológico delírio
dos loucos,
a razão é esta porta.

Por pedras e inscrições,
tenha na pedra de roseta
a decifração dos lutos
redivivos da salvação
dos loucos sapientes
em espiral hipnótica.

É o tempo e sua data precisa:
Deus é um em vários
de todos,
e as galáxias são vórtices
de ondas gravitadas
em gritos
de big bangs
vultosos,

a obra em si
desvelada.

15/04/2016 Gustavo Bastos

O JUSTICEIRO

Lenho queima o sândalo,
seu ardor e miasma,
o cedro pórtico
de querência filosofal
e meditativa.

Contempla o sol,
uiva para a lua.

Lenho de cântaro d`água,
simbologia de sinais
com névoa e absinto,
um nardo contempla,
que isto sou.

Eu sou, portanto,
o canto ressurrecto
que conta estórias
de ninar
aos mendigos
da mansão.

Eu sou o que canta
ao famélico
no banquete.

15/04/2016 Gustavo Bastos

VENENO DE COPA

Venha, o candelabro
acende o rito sobre
os corpos fechados,
o rito é sóbrio,
sede o sangue,
água benta espargida
sobre os sonhos
e delírios.

Para ir ao céu se navega
com ditos e escritos
de teses e seminários
prolixos,
como num discurso
de orador.

O rito é mais sucinto,
no entanto,
neste passar de anéis
mora a verdade,

O corpo se consagra
ao sangue de poesia
em taças e copas
azuis de terra devastada,

E a fogueira
queima o campo todo
aonde homens astutos
morrem envenenados.

15/04/2016 Gustavo Bastos


VINHO TEATRAL

Os vinhos, meus sais
de sol e cultura,
indômitos
carregam o vento.

Os vinhos, sardônicos
campônios, como sede
está sedento o corpo
em tom de melancolia.

Meus sais e pórticos,
o campo lívido
de ancoradouro
em quedas de catarata.

Os vinhos são
a sabedoria de magia
como em festividades
de Dionisos,

seus tragos
inaugurando
o ditirambo
em teatro espetáculo
e esbórnia.

15/04/2016 Gustavo Bastos

DRAPEJADO DE SÓIS

Pairo acima da ação ignara,
os poemas todos,
destes murmúrios,
servem ao corcel
e os temas de cavalaria.

Por cada círculo de fogo:
o sol e a lua,
alquimia universal.

Sete candelabros sob o fogo,
o círculo desenhado
com a febre do dragão,
parto do apocalipse,
sombra imortal.

Pairo acima do mundo de dor,
como um nirvana,
como o sol que ruge
em coração d`oiro
com sete pecados
em frisos e adagas
drapejadas
na dama pranteada.

15/04/2016 Gustavo Bastos

A DANÇA BÊBADA COM OS PÉS

Como um sopro de chama no domingo,
não queiras ver o rosto disforme
do poema bêbado.

Para este ser condoído em si
como um caracol,
para o idílio marcado
do relógio sem tempo,
para o corpo em moldura
da festa petrificada.

Para a porta, uma entrada,
e os pés na dança!

Para a janela, um pulo suicida,
e os pés na dança!

Como navega este calmo dia,
por toda nuvem conquistada
de poesia,
e o toque das mãos
nas letras moídas ...

Como um sopro chamo ao domingo,
rupestre caverna, idílio chuvoso,
sol desmaiado com trovão,
a casa pacífica,
e os pés na dança!

Por cada charco de lama,
o lodaçal de chuva,
o canto de bruma,
e os pés na dança!

Neste idílio de domingo,
os pés descalços,
as sandálias no alpendre,
uma árvore de tamareira
na costa brava
diante do mar,

as amendoeiras em seus sóis,
o sal do mar bravoso
como urro,
e os pés na dança!

Ah, este que corre é o corpo
com os pés delicados,
este corpo que dança!

15/04/2016 Gustavo Bastos

quinta-feira, 14 de abril de 2016

ÉBRIO DE ÊXTASE

Que música serve ao espasmo?
Tremeluz o bruxuleio,
como uma chama e um afago.

Por estas vias grandes
do delírio, sim,
o caminho vai,
a nave vai.

Por estas veredas tropicais,
se inventa um sonho
satisfeito?

Que música entra no roteiro
destes matreiros poetas?
Por toda a vida o cume,
a galáxia fundante
do mundo,

mas, que mistério mora na rosa?
de que graça vive a orquídea?

Ah, somente o canto do sol
poderá ressuscitar o céu
quando este nos mostra
ébrio de êxtase.

14/04/2016 Gustavo Bastos

LUZES NOVAS VELHAS

Encontro em minha gaveta
fotos desbotadas de sonhos
postiços,
em português castiço
os fotogramas,
um filme mudo
de guerra,
um rei deposto
por queda,
um ator mágico ilusionista
como peça,

o amor de verão nada sobra,
o vinho lodaçal nada conta.

Encontro entre os velhos papiros
canções de invernos vetustos,
encontro entre as músicas ignotas
sons do profundo eu
perdido em névoa.

A primavera que chega,
meus caros,
são luzes novas do caminho,
por estar em firmamento
o sonho destas visões.

14/04/2016 Gustavo Bastos

PENA EM DESALINHO

Bebe-te, vinho do ócio.
Por todas as estrelas d`alva!
Meu coração está quebrado,
como um brinquedo velho.

Bebo-te, vinho do ódio.
Por todas as estâncias de latifúndio!
Meu coração está abortado,
como um feto novo.

Beberagem dos poemas desafinados,
como um ...
                   por todos ...
ao desalinho do desespero?

Bebe-me, vinho encorpado,
beije o sonho que lhe tem
semeado,
como um meio de caminho
entre o velho e o novo,

e o coração estilhaço,
que desafina
com a pena
em silêncio.

14/04/2016 Gustavo Bastos

CORTES DO CORPO DO POEMA

Corta, em tua faca, a esmo.
Por detrás do desenho, o osso,
mármore de corpo.

Corta o osso: eis o fêmur,
o diapasão que ergue
o corpo,
como queres.

Desde a clavícula,
por toda a omoplata,
o corpo está em si.

Mármore, branco poema.

Este: o poema.

Corpo de osso duro,
com o meio da entranha,
com o espanto:
este espasmo da consciência.

Corta o corpo: membros dispostos
sobre a mesa cirúrgica,
os olhos saltados da órbita,
tal o esquartejamento
de palavras,

corpo do poema em corte, sucinto.

14/04/2016 Gustavo Bastos