PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

DEEP WEB

“a parte profunda da internet de endereços não indexados por mecanismos de busca”

A chamada Surface Web (World Wide Web, ou internet) é a internet indexada que temos o costume de acessar quando usamos os mecanismos de buscas como Google, Bing e outros. Na internet de superfície temos serviços essenciais, redes sociais, lojas e canais de entretenimento, dentre outras modalidades e fontes diversas de informação e conhecimento. 

Abaixo desta Surface Web temos a Deep Web, que tem uma pequena parte de domínios não indexados que fazem parte da Dark Web. A Deep Web é tudo que engloba partes da internet que não são vistas ou acessadas livremente.

Contudo, agora a Deep Web se define como a parte profunda da internet de endereços não indexados por mecanismos de busca, muitas vezes por motivos de segurança e privacidade. Na Deep Web podemos ter conteúdos referentes à própria manutenção da rede, e que então não podem ser acessados por pessoas comuns, sendo acessível apenas para aquelas pessoas que possuam este endereço e credenciais.

Tais endereços podem incluir aqui bancos de dados acadêmicos, registros médicos, financeiros, artigos científicos, informações sensíveis e sigilosas de segurança nacional, podem também servir como repositórios de algumas ONGs, dentre outras modalidades. 

A Deep Web, embora seja a região da internet com domínios e endereços não indexados, pode ser acessada pelo usuário comum diretamente, usando login em um navegador comum, Contudo, para não ter o seu acesso rastreado, este mesmo usuário pode usar uma rede de proteção como o Tor, que é um software livre e de código aberto, e este software tem a dupla função de proteger o usuário de rastreamento e de oferecer acesso a sites da internet que se encontram na Deep Web. 

Antes do advento da internet já existiam as chamadas darknets, que eram redes secretas de circulação de informações sigilosas, estas que surgiram ainda nos tempos da Arpanet, com endereços que não apareciam nos índices oficiais de laboratórios, universidades e bases militares. Tais endereços recebiam dados da Arpanet, contudo, não estavam abertas e nem enviavam informações para fora. 

Durante a década de 1980 o compartilhamento de conteúdos privados e ilegais passou a usar servidores de lugares com leis mais flexíveis, e hoje temos estes servidores sendo explorados por sites de pirataria. E na década de 1990, na popularização da internet, e o surgimento da web como forma centralizada da internet, foram criadas novas estratégias para proteção de informações, e então surgiu a Deep Web. 

O desenvolvimento da Deep Web foi feito pelo Laboratório de Pesquisas da Marinha dos EUA, então foi criado o The Onion Routing, sendo que “onion" significa "cebola" e o nome é uma alusão às camadas que devem ser atravessadas para chegar ao conteúdo em um site da Deep Web. 

Esta forma de mascarar a identidade online tirando o rastreamento do usuário foi desenvolvida pelos cientistas Paul Syverson, Michael G. Reed e David Goldschlag. Em 2002, por sua vez, foi lançada uma alternativa do projeto para fins não-governamentais que recebeu o nome de Tor (a sigla de The Onion Routing), sendo liberada para uso em 2003. 

O Tor também passou a ser usado para acessar a área criminosa da Deep Web, a chamada Dark Web, e os domínios das páginas navegadas no Tor não são construídos em formato HTML, dificultando o seu acesso, terminando em ponto onion (.onion). 

O sentido de onion pode ser descrito que na Deep Web temos que cada roteador pelo qual a conexão passa criptografa uma camada, e para decifrar o caminho deste usuário para chegar à mensagem original, portanto, o rastreamento teria que solucionar todas as outras codificações — as camadas. Por fim, a The Hidden Wiki (a wiki escondida) é o índice mais famoso com links para navegação na Deep Web.

O FBI (Federal Bureau of Investigation), em parceria com outras instituições, tenta rastrear as atividades criminosas na Deep Web, a chamada Dark Web, crimes muitas vezes que estão expostos em fóruns desta internet não indexada. Na China temos casos de usuários que usam o Tor para driblar o firewall do país e a própria Wkileaks recebeu material vindo da Deep Web. 

Por outro lado, muito de nosso acesso comum faz parte da Deep Web, como nosso e-mail, informações bancárias online, contas privadas de redes sociais, e também sites de streamings pagos. Por fim, a Deep Web reúne qualquer conteúdo que resida por trás de paywalls, formulários de autenticação, logins e senhas. 

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :

https://www.seculodiario.com.br/colunas/deep-web

sábado, 18 de dezembro de 2021

ATAQUE HACKER AO SITE DO MINISTÉRIO DA SAÚDE

O Lapsus$ Group assumiu a autoria deste ataque”

Neste dia 10 de dezembro, sexta-feira, ocorreu um ataque hacker contra o site do Ministério da Saúde, que saiu do ar, fazendo com que o acesso ao aplicativo ConecteSUS ficasse também indisponível. 

Uma mensagem temporária foi publicada pelos hackers no endereço do site que dizia : “dados internos dos sistemas foram copiados e excluídos”. O Portal Covid também foi afetado, assim como o PNI (Programa Nacional de Imunização). Contudo, os dados não foram criptografados. 

O Lapsus$ Group assumiu a autoria deste ataque e afirmou que 50 terabytes de dados foram retirados do sistema e ficaram em posse do grupo hacker. O Lapsus$ Group colocou a seguinte mensagem no site do Ministério da Saúde : “Nos contate caso queiram o retorno dos dados”.

O site do Ministério da Saúde sofreu um ataque cibernético de ransomware, que atua paralisando o sistema alvo do ataque e pedindo um resgate para a recuperação dos dados e de seu acesso. 

Recomenda-se que não se pague o resgate, uma vez que seria uma forma de incentivar mais ataques de ransomware. Contudo, a necessidade de backup para sites privados e de órgãos públicos se torna imperiosa e tem que ser um hábito comum para defesa sobre roubo e bloqueio de dados sensíveis.

No caso do ataque ao site do Ministério da Saúde temos muitos dados sobre usuários, o que pode implicar em problemas de segurança destes dados. O governo, uma vez em que isso ocorre com cada vez mais frequência, deve ter a iniciativa de trabalhar para aperfeiçoar a defesa e a segurança destes dados oficiais. 

No caso deste ataque ao site do Ministério da Saúde, a Polícia Federal chamou a ocorrência de hacktivismo, em que há intenção política para o ataque cibernético. No caso do grupo que reinvindicou o ataque, o Lapsus$ Group, se trata de um grupo novo, e que já tinha anunciado em fóruns da internet uma invasão a sistemas da gigante dos jogos eletrônicos, a Electronic Arts (EA), que é responsável pela franquia da Fifa, The Sims e Battlefield. 

Algumas horas após o ataque ao site, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Rodrigo Cruz, anunciou o adiamento por uma semana da entrada em vigor da exigência para apresentar comprovante de vacinação completa contra a Covid-19 para viajantes que pretendam entrar no Brasil.

Este ataque cibernético configura crime no Código Penal, que em seu Artigo 154, nos diz : “invasão de dispositivo informático agravada pela obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, informações sigilosas, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido”. A pena vai de dois a cinco anos e multa.

E no Artigo 266, por sua vez, temos : “interrupção ou perturbação de serviço informático, telemático ou de informação de utilidade pública”, com previsão de pena em dobro se cometido durante calamidade pública, com reclusão prevista de dois a seis anos e multa. E no Artigo 288, por fim, temos : “associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes”, com pena de um a três anos.

Os hackers do Lapsus$ Group entraram em contato com o governo federal e indicaram um e-mail e uma conta no Telegram para a negociação para a recuperação dos dados do site do Ministério da Saúde. 

Enquanto isso, ocorreu outro ataque cibernético, desta vez contra o site da Escola Virtual, um ambiente de cursos à distância ligado à Escola Nacional de Administração Pública (Enap), ligado ao Ministério da Economia.

O Lapsus$ Group fez ataques verbais ao presidente Jair Bolsonaro na página de entrada do site, incluindo xingamentos, em que dizem : “Nós voltamos, porém, com mais notícias (e com mais poderio). Vamos explicar algumas coisas: o nosso único objetivo é obter dinheiro, não ligamos para a família Bolsonaro (vulgo Bolsofakenews) de m**”. 

O desafio agora cabe à competência ou à notória falta de competência deste governo, agora também no que se refere à segurança cibernética de seus órgãos oficiais.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor. 

Link da Século Diário :  https://www.seculodiario.com.br/colunas/ataque-hacker-ao-site-do-ministerio-da-saude

 

 


terça-feira, 14 de dezembro de 2021

O PESADELO SOBRENATURAL EM H.P.LOVECRAFT

H.P.Lovecraft se destacou como um autor com uma imaginação engenhosa, e produziu obras que abordam o horror cósmico, dentre estas obras se destacam The Call Of Cthulhu, de 1926, O caso de Charles Dexter Ward, de 1928, e o livro Nas Montanhas da Loucura, de 1931. Aqui teremos como tema mais precisamente o conto que dá título ao livro, este que contém os contos Nas Montanhas da Loucura, A casa maldita, Os sonhos na casa da bruxa e O depoimento de Randolph Carter.

Nas Montanhas da Loucura se destaca como uma das principais histórias de horror de língua inglesa, e H.P.Lovecraft se tornou um dos maiores contistas de horror clássico do século XX. Este escritor norte-americano viveu de 1890 até 1937, e foi uma grande influência para diversos escritores de horror, incluindo o gigante Stephen King. 

Falando da influência que H.P.Lovecraft recebeu, por sua vez, foi a inspiração que veio dos contos de Edgar Allan Poe, o antepassado principal de onde surgiu a fonte que produziu toda a literatura de horror, uma linha que faz um trançado entre Edgar Allan Poe, H.P.Lovecraft e Stephen King, se formos traçar uma dessas linhas temporais do horror.

Os contos retratados neste livro partem de uma ordem ordinária da realidade e a trama vai se desenvolvendo na direção do sobrenatural, e aqui a imaginação de H.P.Lovecraft é colocada em prática, e um mundo de entidades disformes, de um mundo paralelo, e toda uma especulação se abre, e o universo se expande para a fronteira do desconhecido.

Em Nas montanhas da loucura, o primeiro conto do livro que leva o título Nas montanhas da loucura e outras histórias de terror, que é o conto que vou citar aqui como um dos melhores exemplos em que o horror cósmico do autor desperta um pesadelo sobrenatural intenso, temos o cenário gelado da Antártica, e a subida para uma montanha altíssima, e é nesta subida ao desconhecido que o contista nos descreve paisagens pré-cambrianas, terciárias, tecendo um mundo geológico e biológico de uma paleontologia alucinante e imaginativa.

Neste conto temos a descrição de minerais, fósseis, períodos que mesclam o pleistoceno, o mesozoico, e uma infinidade de enumerações que parecem vir de um museu de História Natural, demonstrando a capacidade de Lovecraft em conduzir seu grande conto por uma via única de vertigem e mistério, e que culmina em paisagens e descrições de um período imaginário de seres desconhecidos, fora da esfera da espécie humana, que teriam habitado em eras bem afastadas o que era agora o grande continente gelado da Antártica. 

A referência obsessiva de Lovecraft ao temido Necronomicon, do árabe louco Abdul Alhazred é logo feita, se tornando um dos eixos em que se inspira esta aura monstruosa em que se tecem os contos de Lovecraft. As cenas em que se avistam os cones dos montes Erebus e Terror, uma longa linha de montanhas Parry ,mais além, e observando os 3.300 metros do cume de Terror, montanha descoberta em 1840, Lovecraft nos diz que se trata da imagem vinda de Edgar Allan Poe, em que o narrador do conto logo diz : “Meu próprio interesse fora despertado por causa da cena antártica do único romance de Poe - o perturbador e enigmático - Arthur Gordon Pym.”

E o narrador nos dá o panorama geral em que se desenvolverá o conto Nas montanhas da loucura : “Não preciso repetir o que os jornais já publicaram sobre a fase inicial de nosso trabalho : a subida do monte Erebus; as bem-sucedidas perfurações minerais em diversos pontos da ilha de Ross e a extraordinária velocidade com que os aparelhos de Pabodie conseguiam realizá-las, vencendo até mesmo camadas de rocha sólida; o teste preliminar do pequeno equipamento para derreter gelo; a arriscada subida pela grande barreira, com trenós e suprimentos; e a montagem final de cinco imensos aeroplanos, no acampamento em cima da barreira.”

Quando a personagem Lake ruma para o noroeste, a imaginação popular, segundo o narrador, “reagiu ativamente aos boletins que enviamos por rádio”, aqui se abria uma via para regiões ainda completamente inexploradas pelo homem, se avançava por uma suposição de Lake de que uma marca de fragmentos extraídos que ele vira se referia a um “organismo corpulento, desconhecido e radicalmente inclassificável, de estágio evolutivo consideravelmente avançado, a despeito da imensa antiguidade da rocha que a continha - cambriana, se não de fato pré-cambriana-, de modo que impossibilitava a existência provável não só de todos os tipos de vida altamente desenvolvidos, como também a de qualquer tipo de vida acima do estágio unicelular ou no máximo trilobita. Esses fragmentos, e a estranha marca que continham, teriam entre 500 milhões e um bilhão de anos de idade.” Portanto, Lake estava agora ansioso por revolucionar as ciências da biologia e da geologia. 

Subindo a mais de 6.400 metros, a expedição logo se encontraria acima da altura do Himalaia, já vislumbrando picos desconhecidos, e Lovecraft começa a tecer descrições fósseis que conflitam diretamente com o que se conhece das eras evolutivas, toda uma gama de espécimes e variações que podem estar entre um vegetal ou um animal, no que se especula nas escavações se tratar de nadadeiras, barbatanas ou pseudópodes, aqui ganha um corpo avassalador, de remeter a eras mitológicas.

Mais uma vez a obsessão de Lovecraft pela edição de monstruosidades do Necronomicon aparece, e segue no conto : “Espécimes intactos têm uma semelhança tão sinistra com certas criaturas dos mitos primevos que a suspeita de uma existência ancestral fora da Antártica torna-se inevitável. Dyer e Pabodie leram o Necronomicon e viram as pinturas de pesadelo de Clark Ashton Smith, baseadas no texto, e entenderão quando falo de Anciões que teriam criado toda a vida da Terra como um erro ou pilhéria.”

Lovecraft cria neste conto uma atmosfera que sugere tempos míticos a partir de descobertas geológicas e fósseis, a ideia do conto gira em torno de um conflito entre uma História natural conhecida, dada de antemão, e as monstruosidades inexplicáveis à luz do mapa evolutivo conhecido até então sobre as espécies vegetais e animais. Aqui temos mais um trecho, em que o narrador do conto nos diz : “Senti também um novo influxo de uma percepção inquieta de semelhanças míticas arqueanas; de que maneira perturbadora aquele reino letal correspondia ao infame platô de Leng dos escritos primevos. Os especialistas em mitos situaram Leng na Ásia Central; mas a memória racial do homem - ou de seus predecessores - é longa e pode muito bem ser que certos contos tenham vindo de terras e montanhas e templos de horror anteriores à Ásia, e anteriores a qualquer mundo humano que conhecemos. Alguns místicos ousados sugeriram uma origem pré-pleistocênica para os fragmentários Manuscritos Pnakóticos e sugeriram que os devotos de Tsathoggua eram tão estranhos à humanidade como o próprio Tsathoggua.”

O que se descreveria através da expedição, a partir dali, pareceria loucura a quem não estava lá vendo estes espécimes biológicos recolhidos e ali se destrinchava uma história natural desconhecida e chocante, um desafio enlouquecedor se abria, e Lovecraft nos diz : “Os relatos de Lake sobre aquelas monstruosidades biológicas haviam excitado ao máximo os naturalistas e paleontólogos, embora tenhamos tido a sensatez de não mostrar as partes soltas que havíamos retirado dos espécimes sepultados, ou as fotografias dos mesmos espécimes no estado em que foram encontrados. Também nos abstivemos de mostrar os ossos cicatrizados e pedras-sabão esverdeadas mais intrigantes ao passo que Danforth e eu guardamos com cuidado as fotografias que tiramos e imagens que desenhamos no superplatô do outro lado da cordilheira.”

Os exploradores seguem em uma subida insana aos cumes, a loucura se avizinha da equipe expedicionária, ocorrem desaparecimentos, e o narrador nos dá a sua impressão sinistra : “Somente a imensidão incrível e desumana daqueles vastos baluartes e torres de pedra havia salvado a coisa terrível da aniquilação completa nas centenas de milhares - talvez milhões - de anos em que avultara lá em meio às rajadas de um sombrio platô.”

Segue a narração do conto : “Corona Mundi”, “Teto do Mundo”. Todos os tipos de expressões fantásticas brotaram de nossos lábios enquanto olhávamos, desnorteados, para o espetáculo inacreditável. Pensei mais uma vez nos insólitos e sinistros mitos primevos que com tanta persistência me haviam assombrado desde que eu avistara pela primeira vez aquele mundo antártico morto - no platô demoníaco de Leng, nos Mi-Go,ou abomináveis Homens das Neves dos Himalaias, nos Manuscritos Pnakóticos com suas insinuações de uma era pré-humana, no culto a Cthulhu, no Necronomicon, nas lendas hiperbóreas sobre o Tsathoggua informe e aquela cria estelar, pior do que informe, associada àquela semientidade.”

Segue-se a estas descobertas uma vasta descrição da cidade antiga que ficava no topo do mundo e uma rememoração do mito dos Anciãos do Necronomicon, se dá um conflito mítico entre a prole pré-humana de Cthulhu e este grupo de Anciãos que são banidos e vão ao mar. Lovecraft coloca aqui a sua fantasia de contista a um serviço absurdo de imaginação que tenta emular mitos fundadores sob a forma de uma guerra cósmica de eras pré-humanas na Terra. Uma verve descritiva de riquezas geológicas e biológicas agora se funde numa fantasia de eras desconhecidas, como se este conto Nas montanhas da loucura tivesse uma reunião insólita de toda uma existência prévia que aqui é colocada à luz do dia, tudo através de uma expedição antártica que flerta o tempo todo com a insanidade de paisagens inóspitas. 

Há uma profusão de shoggoths controlados hipnoticamente pelos tais Anciãos, viscosidades, entidades disformes, algo repugnante que gera pavor, estes shoggoths pareciam mais um aglutinado de bolhas, com poderes de se modelarem ao bel prazer. Abismos cósmicos inauditos se abrem entre conflitos abertos entre Anciãos e Mi-Gos, Lovecraft aqui exagera em demasia a sua capacidade de fantasiar o seu horror cósmico, algo de certo modo infantil parece emergir neste trecho do conto, uma certa objetividade se perde em meio de uma empolgação descritiva de seres bizarros sob uma forma delirante. A necessidade de Lovecraft aqui de elevar seu tom imaginoso sob certa caricatura pode por vezes sair de um eixo em que o conto poderia manter todo o seu estilo pseudo-científico da rica descrição geológica e biológica que podemos ver na primeira metade deste conto.

O pesadelo sobrenatural de uma realidade distorcida aqui se torna concreta à visão desta equipe expedicionária, no que segue o narrador : “Havia algo de anormal naquilo tudo - as estranhas coisas que tanto nos esforçáramos para atribuir à loucura de alguém - aquelas covas temíveis - a quantidade e a natureza dos objetos desaparecidos - Gedney - a resistência extraterrena daquelas monstruosidades arcaicas e as bizarras anomalias vitais”. Então um mundo desconhecido e paralelo se torna real, mas seu aspecto de loucura reforça o título do conto, o relato é irreal, insólito, o continente Antártico como escolha para este conto de Lovecraft é a sua premeditação de acessar algo perdido, um elo geológico, biológico, pré-humano, uma anterioridade mítica e a prova material que é a obsessão em que circula todo este campo especulativo do conto, uma prova material de um passado mítico e perdido, em que relatos antigos emergem novamente num retorno a mundos originários de face pré-humana, inaugural, cosmogônica e teratológica. 

Por fim, Lovecraft segue até o desfecho de seu conto. Aqui temos a ilusão de um delírio demoníaco, uma obsessão teratológica do autor, toda uma gama de descrições que tendem tanto ao sinistro como para algo bizarro e exagerado, Lovecraft proporciona a inauguração de seu horror cósmico, abrindo caminho para autores que juntariam tramas de conflitos estelares e as monstruosidades de seres imaginários. Portanto, o que vinha lá de Edgar Allan Poe, cuja imaginação concebeu um crime cometido por um orangotango, agora desaguava num Lovecraft insano com vontade de fabricar monstros indizíveis em meio a conflagrações cósmicas e míticas. 

 

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/cultura/o-pesadelo-sobrenatural-em-h-p-lovecraft

 

 

 

 


quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

A CONTRAOFENSIVA DOS EUA CONTRA GRUPOS DE RANSOMWARE

“A formação deste Cyber Command se trata de uma contraofensiva do governo dos Estados Unidos contra grupos de ransomware”


Recentemente tivemos o uso de um programa desenvolvido pelo NSO Group, sediado em Israel, por um hacker desconhecido que invadiu iPhones de pelo menos nove funcionários do Departamento de Estado dos Estados Unidos.

Os alvos eram autoridades norte-americanas radicadas em Uganda ou focando em questões relativas a este país localizado na África Ocidental. Este foi o uso mais amplo da tecnologia NSO feita por um hacker até então. 

Antes tivemos uma divulgação de informações sobre autoridades norte-americanas em reportagens divulgadas sobre a NSO, mas ainda não se tinha clareza se as invasões foram somente tentativas ou se obtiveram êxito. 

O NSO Group, contudo, afirmou que não identificou indícios de uso de suas ferramentas nestes ataques, mas decidiu cancelar contas relevantes e fará uma investigação sobre o caso baseado nas revelações das reportagens da Reuters.

O NSO Group alega, também, vender seus produtos somente para clientes ligados à área de inteligência e agências governamentais que aplicam a lei, e estes produtos servem de auxílio para trabalhos de monitoramento contra ameaças à segurança. O NSO Group, entretanto, não se envolve diretamente em operações de vigilância. 

Nos Estados Unidos, por sua vez, com esta onda de ataques de ransomware que, recentemente, têm se aprofundado, o país formou uma unidade de “cibercomando” ou “Cyber Command” que é um contra-ataque voltado para rastrear criminosos hackers e interromper seus ataques.

O “Cyber ​​Command” (Comando Cibernético, em português) é uma unidade de hackers das Forças Armadas dos Estados Unidos que tomou medidas de coibir as ações de hackers que atacaram empresas do país, mas o porta-voz da unidade de comando não especificou as medidas executadas.

O que está claro é que desde o ataque de ransomware ao oleoduto da Colonial Pipeline os militares norte-americanos estão engajados no combate a estas quadrilhas de ransomware, pois há uma disposição de hackear estes criminosos.

As agências de segurança do governo norte-americano aceleraram este rastreamento de grupos hackers, seja no corte de fontes de financiamento destas atividades ilegais como na vigilância destas redes criminosas. Aqui, dentre as medidas, o governo dos Estados Unidos conduziu uma grande onda contra estes operadores de ransomware.

A formação deste Cyber Command se trata de uma contraofensiva do governo dos Estados Unidos contra grupos de ransomware que muitos dizem ter sede na Rússia e no Leste da Europa, o que também inclui fontes que envolvem lavagem de dinheiro com criptomoedas. 

E a discussão diplomática agora sobre a segurança cibernética coloca frente a frente Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, e Vladimir Putin, presidente da Rússia. 

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/a-contraofensiva-dos-eua-aos-grupos-de-ransomware



terça-feira, 7 de dezembro de 2021

A PRESENÇA DA MORTE NOS CONTOS DE EDGAR ALLAN POE

"O enigma final, por conseguinte, se dá nas circunstâncias da morte do próprio autor.”

Edgar Allan Poe foi um contista norte-americano do início do século XIX, e sua criação literária tanto inaugurou caminhos para o filão do gênero policial como do horror que poderemos ver em H.P. Lovecraft. A presença da morte, junto com a figura da mulher, e uma trama que flerta com o fantástico, antecipa tendências literárias, como disse, e coloca também Poe como um contista de grande envergadura e originalidade.

Poe é o poeta de O Corvo e o contista de O gato preto. A obra de Poe foi escrita numa espiral autodestrutiva de alcoolismo e também com a sua morte misteriosa, e aqui, vendo alguns de seus contos, vamos tematizar o modo como a morte aparece neles, sobretudo em seu efeito temático e de estilo, com este ar gótico que trabalha com cadáveres putrefatos e quetais, como o eixo em que se desenvolve a imaginação deste contista.

Em A queda da casa de Usher, primeiro conto da edição de Histórias Extraordinárias, a trama se desenvolve em torno da narração do visitante a esta casa e a descrição triste e gélida de seu morador Roderick Usher, e que teria perdido a sua jovialidade e se enfurnado neste lugar sombrio e sem vida.  Logo vemos os sentimentos de terror do narrador e a sua imaginação ardendo neste cenário em que a sua especulação busca entender algo de um cenário desolador e nada estimulante. 

Esta figura de Roderick lhe causava angústia. No conto ele descreve : “Vi que era escravo forçado de uma espécie anômala de terror. - Morrerei - disse-me -, devo morrer desta deplorável loucura.” Poe aqui já coloca a morte como eixo temático que incrementa o clima de mistério e terror, o personagem acometido deste mal estava em um embate com o seu horrendo fantasma, o medo.

A condição mental aqui se dá na tonalidade da loucura e da morte, podemos ver neste conto a fronteira que leva da loucura à morte, um sentimento de decadência e decrepitude, a tristeza, o vazio. Um sofrimento físico e espiritual domina toda a ambiência deste conto, e Lady Madeline, a irmã deste último representante dos Usher, aqui também aparece de forma diáfana e quase moribunda. O narrador logo é tomado por um estupor. Lady Madeline sofria de uma enfermidade desconhecida. E Roderick Usher, por sua vez, era a imagem da melancolia. 

Contudo, o fato principal do conto se dá quando o narrador nos diz : “uma noite, tendo sido informado, abruptamente, de que Lady Madeline já não existia, ele me manifestou a intenção de conservar o corpo, durante quinze dias (antes de seu sepultamento final), numa das numerosas criptas situadas no interior das paredes principais do edifício.” 

Aqui não darei o spoiler do conto, mas temos aqui a presença pálida e diáfana de uma mulher moribunda e logo a sua associação fatalista com a morte, colocando este eixo temático de Poe sobre a morte também como a sua relação com uma mulher à beira do falecimento e a culminância neste fetiche de Poe sobre enterros e emparedamentos bizarros. 

E temos o terceiro conto de Histórias Extraordinárias, que é o conto O gato preto, o conto que se tornou clássico quando se fala do autor Edgar Allan Poe. Aqui temos, mais uma vez, as obsessões do autor, e o conto tem o narrador que vai do alcoolismo, a uma divagação sobre a perversidade, que não seria exatamente um conceito filosófico, a sua relação com a esposa e seu gato preto Pluto.

Aqui temos a sua narração de agressões a seus bichos, e que culmina no enforcamento de seu gato por ele mesmo e o evento simultâneo de um incêndio que coloca a sua casa abaixo. O narrador do conto então vai para um antro infame, e acaba por ver um gato preto com mancha branca no alto de um barril de genebra ou de rum, o dono da espelunca não sabia que bicho era aquele, o gato segue o narrador, que o leva para a sua então casa. 

A narração do conto se estende rapidamente até uma culminância em que temos, mais uma vez, a morte de uma mulher, que é a esposa do narrador, isto sob a influência de uma peripécia com este gato, e todo o desastre de suas ações impensadas que vão dar, outra vez, no fetiche de Poe entre morte e emparedamento, tal qual “faziam os monges da Idade Média com as suas vítimas”. O desfecho do conto é bem conhecido, e não cabe aqui dar spoiler a quem ainda não tiver lido, muito recomendado para quem gosta de leitura policial e de terror.

No conto Berenice temos o narrador falando da personagem do título que é sua prima, ela é acometida de uma doença rara que a leva à convulsões epilépticas e a cair num estado de catalepsia. O estado cataléptico se assemelha à morte e pode ser confundido com o óbito, mais uma vez, a figura de uma mulher é associada a ideia de morte. 

Poe sempre tem esta abordagem de mulheres pálidas e diáfanas, acometidas de um mal de morte. A catalepsia é mais um fetiche, junto com a fatalidade de emparedamentos. Poe situa a morte em um transe estilístico que se junta ao terror e a tramas fantásticas, a morte tem todo um estilo estrambótico, excessivo, o contista Poe é exaltado em sua ligação de autor com a morte. A monomania do narrador, por sua vez, culmina com um desfecho de morte e catalepsia anunciado no início do conto. 

No conto Os crimes da rua Morgue temos em seu começo a descrição do que se trata uma inteligência analítica, a sua associação tanto com o jogo como com a vida prática no sentido de resoluções e antecipações, o conto que será sobre um crime, terá nesta introdução mais técnica o escopo necessário para o seu desenrolar, que é quando o narrador nos apresenta o personagem Dupin, do qual ele é interlocutor.

Dupin exemplifica este homem analítico. Logo nos deparamos com a notícia do crime de Madame e Mademoiselle L`Espanaye no jornal, e todas as diligências e investigações em torno do caso que tomou Paris, Morgue que era uma das vielas pobres entre a Rua Richelieu e a Rua Saint Roche.

Toda a trama se envolve, primeiro, na investigação oficial, e depois na intromissão de Dupin e a resolução do crime de forma surpreendente e insólita, em que os detalhes se concatenam e de uma aparente ilogicidade de todo o acontecimento intrincado, o conto tem um desenlace que flerta com o fantástico, mas sem apelar para o sobrenatural, mais uma vez, a morte se liga a cadáveres femininos, repetindo o ciclo de Edgar Allan Poe em torno de seu fetiche de cadáveres femininos como a presença principal da morte em seus contos. 

Edgar Allan Poe coloca em Dupin, desta vez, o exemplo de uma inteligência analítica que deslinda o conto sob a forma de um conto policial propriamente dito, ao passo que os outros contos que citei anteriormente são mais de um terror e ligado ao mistério da morte e suas imagens gélidas e perturbadoras. Aqui em Os crimes da rua Morgue, a morte é violenta, também perturbadora, mas ligada à ideia de um crime urbano, isto é, um caso policial, e não mais o objeto de um conto de terror ou de ambiência gótica e sombria. 

O enigma final, por conseguinte, se dá nas circunstâncias da morte do próprio autor. Edgar Allan Poe foi visto delirando na rua, em 3 de outubro de 1849, quando estava numa esquina de Baltimore, usando roupas bem estranhas e amarrotadas. Poe acabou por agonizar durante quatro dias no hospital chamando por um certo Reynolds, e repetindo a frase “Deus, ajude a minha pobre alma”, vindo a falecer.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.


Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/cultura/a-presenca-da-morte-nos-contos-de-edgar-allan-poe

 



 


quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

HACKERS CONHECIDOS - PARTE 2

“o caso dos hackers russos tem causado polêmicas diplomáticas”

Jeanson James Ancheta foi um hacker que ao explorar o funcionamento dos bots, que eram robôs que tinham base em softwares que infectavam e controlavam sistemas de computador, usou uma série de botnets de larga escala, realizando o primeiro ataque desta modalidade, atingindo mais de 400.000 computadores em 2005 e foi condenado a 57 meses de prisão. 

Ancheta não tinha interesse em fazer justiça social, como alguns hackers, ou como outros hackers, que pensavam em roubar dados para obter vantagens financeiras como em invasões de sistemas de dados de cartão de crédito. 

Ancheta alugou estas máquinas invadidas com botnets para agências de publicidade, e acabou sendo pago para instalar diretamente bots ou adware em sistemas específicos. Sua condenação à prisão foi a primeira de um hacker que usou botnets para os seus ataques.

Michael Calce ficou conhecido como “Mafiaboy” e quando tinha apenas 15 anos descobriu uma forma de tomar o controle de redes de computadores de universidades, e usando seus recursos combinados conseguiu corromper o mecanismo de pesquisa que era líder de mercado nesta época, o Yahoo.

Em uma semana o hacker também derrubou o eBay, a Dell, a CNN e a Amazon ao usar um ataque de negação de serviço (DDoS) dedicado que sobrecarregou servidores corporativos e também interrompeu o funcionamento de sites. 

Kevin Poulsen, por sua vez, tinha 17 anos em 1983 quando invadiu a ARPANET em 1983, em que ele usou o codinome Dark Dante. A ARPANET é a rede de computadores do Pentágono. O hacker recebeu apenas uma advertência na época.

Depois o hacker cometeu novos crimes, por exemplo, a invasão de um computador federal em 1988 em que acessou arquivos do então presidente das Filipinas, Ferdinand Marcos, e depois de descoberto, o hacker sumiu. Depois de outras invasões, Poulsen deixou a sua atividade de hacker e se tornou jornalista, e passou a escrever sobre segurança de computadores como editor sênior da Wired.

Jonathan James, outro hacker, usou o codinome cOmrade e invadiu diversos sistemas de empresas, ganhando notoriedade pela invasão de computadores do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, quando o hacker tinha apenas 15 anos.

Em uma entrevista o hacker falou que foi inspirado pelo livro The Cuckoo`s Egg, que narra a caçada a um hacker de computadores nos anos 1980. O hacker acabou condenado, também foi acusado sem provas em 2007 pela invasão do sistema da loja de departamentos TJX e em 2008 se suicidou com um tiro na cabeça.  

O hacker ASTRA, por sua vez, nunca teve a sua identidade revelada, especulou-se ser um matemático grego e dizem que ele foi responsável pela invasão dos sistemas do Dassault Group por quase cinco anos seguidos, em que roubou programas de software de tecnologia para armas de última geração e dados que vendeu para cerca de 250  mil pessoas. O Dassault Group contabilizou um prejuízo de U$360 milhões com as invasões.

Nos últimos tempos, o caso dos hackers russos tem causado polêmicas diplomáticas, uma vez que o FBI (polícia federal norte-americana) se viu em meio a investigações envolvendo origem russa de ataques cibernéticos.

Muitos destes hackers são acusados de serem pagos pelo governo russo, como assalariados, e outros faturam com os roubos da internet. O fato é que tais hackers não deixam a Rússia para não serem presos, pois dentro do território russo podem continuar atuando em liberdade.

O FBI anunciou em 2019 o indiciamento de membros do Evil Corp, em que foram citados os hackers russos de nomes Maksim Yakubets e Igor Turashev. Nove membros foram nomeados pelo FBI e Yakubets apareceu como o líder do grupo, e a revelação veio junto com a acusação sobre o grupo de um roubo que somava US$100 milhões em ataques que atingiram 40 países diferentes. Muitos destes ataques foram realizados com ransomware.

O Evil Corp tirou bitcoins de seus ataques, e o hacker Turashev, por exemplo, esteve atuando localizado em empresas que negociam criptomoedas, incluindo os bitcoins. A Federation Tower, por exemplo, abriga inúmeras empresas de criptografia que funcionam como máquinas de dinheiro para os criminosos cibernéticos.

A União Europeia, por sua vez, seguindo medidas feitas pelos Estados Unidos, começou a fazer sanções cibernéticas e as listas apresentadas tinham em sua maioria nomes russos. Dentre os ataques apontados como de origem russa está o que provocou apagões generalizados na Ucrânia.

Também houve a acusação de tentativa de invasão de uma instalação de armas químicas logo após o envenenamento do ex-espião Sergei Skripal e de sua filha na Inglaterra em 2018. O Kremlin nega todas as acusações dizendo se tratar de russofobia e histeria ocidental.

Entre os hackers russos existe uma chamada regra de ouro em que os hackers não contratados pelo governo podem atacar o que quiserem, contudo, desde que estes alvos estejam fora de territórios de língua russa ou ex-soviéticos. O efeito é que temos menos ataques hackers nestas regiões e os malwares destes grupos são em sua maioria projetados para evitarem sistemas que tenham língua russa.

Os Estados Unidos, recentemente, junto de aliados, fizeram uma represália a tais grupos hackers, e alguns ficaram offline, com a REvil e a DarkSide, que publicaram  em fóruns dizendo que tinham parado de operar por conta da ação norte-americana. 

E ainda tivemos um esforço internacional envolvendo a Europol e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, onde supostos hackers foram presos em países como a Coreia do Sul, Romênia, Ucrânia e Kuwait.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/hackers-conhecidos-parte-2



domingo, 28 de novembro de 2021

O CONTEXTO DE MISÉRIA SOCIAL NA FRANÇA DO SÉCULO XIX EM VICTOR HUGO

“o personagem Jean Valjean se destaca como uma das grandes criações do autor Victor Hugo” 

 

Prefácio de Victor Hugo, o autor, à sua obra (romance) Os Miseráveis : 

 

"Enquanto, por efeito de leis e costumes, houver proscrição social, forçando a existência, em plena civilização, de verdadeiros infernos, e desvirtuando, por humana fatalidade, um destino por natureza divino; enquanto os três problemas do século - a degradação do homem pelo proletariado, a prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância - não forem resolvidos; enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como este não serão inúteis." 

 

O romance 

 

O autor Victor Hugo coloca em questão em seu romance Os Miseráveis tanto a natureza das leis civis e penais, e a comparação destas com as leis divinas, como o ponto principal foi retratar tensões nas instituições políticas e sociais, em um campo vasto de narrativa que reúne todo um arcabouço estilístico e de conhecimento histórico e com ricas descrições que passeiam por Paris entre barricadas e batalhas, tendo a Bastilha como um dos eixos que se dispersam por diversas regiões da cidade parisiense. 

Em sua trilogia, que tem além de Os Miseráveis, os romances Nossa Senhora de Paris e Os Trabalhadores do Mar, o personagem Jean Valjean se destaca como uma das grandes criações do autor Victor Hugo, junto com Quasímodo e Gilliatt. Os floreios barrocos se juntam a um aprofundamento psicológico extremado de personagens intensos que são produtos da prosa romântica do autor, os personagens são sacudidos emocionalmente, um turbilhão se abre e se entrechocam anseios diversos. O movimento dramático de tais personagens desvela o estilo dominante de Victor Hugo, um romancista de sua época, sob a égide de um romantismo que se desenvolvera bem em terras inglesas e alemãs.  

Jean Valjean é o eixo em que gira toda a trama de Os Miseráveis. Pelo furto de um pão, a sua vida degringola nas galés, sua determinação para o mal, contudo, é refreada pelo seu feliz encontro com o bispo Myriel Benvenu. Jean Valjean adota uma menina de nome Cosette e passa a nutrir profunda afeição pela criança. A mãe da criança, com uma vida miserável, cai na prostituição, Fantine é quem dá o título ao primeiro volume de Os Miseráveis. 

O segundo volume, de título Cosette, liga a trama do romance, com seus personagens, aos eventos de Waterloo, em 1815, aqui Victor Hugo exibe seus conhecimentos históricos e do estilo de batalha de Napoleão, e traça o enigma da derrota francesa nesta batalha. O inspetor Javert, entrementes, persegue Jean Valjean, e aqui aparece a tensão principal do romance Os Miseráveis, que é o contraste entre vilania e bondade que fica borrada, pois Javert é um homem que segue estritamente a lei humana, as leis civis e penais, feitas pelo homem, enquanto Jean Valjean é um eterno degredado existencial, que vivera como condenado às galés, como um carimbo ou uma herança, a sua sina se repetia neste enfrentamento com o homem da lei de nome Javert. Contudo, a vilania recai sobre Javert, que é o perseguidor do herói romântico Jean Valjean. 

O aristocrata Marius Pontmercy, personagem liberal, é quem dá o título ao terceiro volume de Os Miseráveis, e aqui há uma imensa digressão que transita por Paris, os atos políticos de Marius até o seu encontro com Cosette. O quarto volume, por sua vez, traça o acirramento político da obra em Idílio da Rua Plumet e Epopeia da Rua Saint-Denis. O quinto e último volume tem inúmeras baixas de personagens e leva o título Jean Valjean, este que é o eixo universal de todo o romance de Victor Hugo, Os Miseráveis.  

Neste quinto volume temos a morte de muitos personagens em conflitos, e temos o intenso episódio nos esgotos de Paris, que é conhecido como “o intestino de Leviatã”, e seus longos períodos descritivos revelam a prosa romântica de Victor Hugo em ação. O esmero e até o excesso no detalhismo dos acontecimentos dão o caráter da estrutura e estilo narrativo dominante em Os Miseráveis. A culminância se dá na parte filosófica da obra que envolve o suicídio de Javert.   

O desenvolvimento do romance se dá neste temperamento caudaloso de prosa que vem da produção literária romântica anglo-germânica e que coloca Victor Hugo como um dos grandes nomes do Romantismo Francês. O romance foi gestado durante 15 anos, e muitas das máximas dos personagens foram eternizadas, e que se tornaram frases famosas ligadas ao nome de Victor Hugo, tais como “morrer não é nada, horrível é não viver” ou “chega a hora em que não resta apenas protestar, pois após a filosofia, a ação é indispensável”.  

 

O romantismo literário 

 

O romance Os Miseráveis, no influxo do movimento literário do Romantismo, é um reflexo da dissolução do classicismo e de ideias iluministas, uma obra que revela a realidade social proletária e que sai do restrito círculo dos salões aristocráticos, de uma leitura elitista, e consegue se aproximar de uma realidade urbana com cheiros, angústias, descrições humanas, e que coloca a vida social e política como campo privilegiado para a literatura.  

Além deste plano de superação do classicismo, o romance Os Miseráveis tem um caráter político que encontra ligação direta com obras icônicas tal como é a pintura de Eugene Delacroix, de nome A Liberdade Guiando o Povo, que é um ícone da cultura francesa, metonímia da arte da Europa durante o século XIX, em que a pintura famosa consiste em uma mulher que representa a liberdade e os seus ideais, empunhando uma bandeira da França, bem próxima de corpos empilhados e de outros manifestantes. 

Victor Hugo, em seu romance Os Miseráveis, com seu estilo de prosa romântica caudalosa, faz com isto ricas descrições de avanços científicos e destaca o problema crônico da fome, e neste seu retrato da miséria proletária, revela as consequências sociais da negligência e das injustiças que levam a embates e revoluções populares, quando Victor Hugo coloca em cena as lutas políticas de personagens engajados, que se movem neste influxo de lutas por justiça social e sob a égide de valores como fraternidade e liberdade. Portanto, Victor Hugo também aponta para a importância da coletividade para as ações sociais e políticas efetivas e coloca em sua escrita todo um arcabouço em que demonstra este eixo temático da vida social e política como temas privilegiados para a literatura e não como temas menores. 

 

Estilo e temática 

 

A história do romance se passa entre os anos de 1815 e 1832, em que Victor Hugo coloca os dilemas do direito sob o signo do personagem Javert, em que o autor denuncia os limites da lei civil e penal de sua época, na França do século XIX, com uma nova razão baseada em códigos, em que o autor denuncia as falhas destes sistemas de leis, com as consequências muitas vezes desproporcionais e com medidas diversas para os casos abordados. Com a tensão e contradição entre os personagens Jean Valjean e do inspetor Javert, o autor coloca em questão a relação entre lei e justiça, colocando a lei no seu contexto de aparato estatal e burguês.  

A riqueza descritiva de Victor Hugo em Os Miseráveis nos apresenta uma quantidade colossal de referências históricas e culturais, pois ficamos sabendo bastante coisa sobre a batalha de Waterloo em 1815 e também sobre os motins em Paris ocorridos em 1832. Ainda temos referências literárias a nomes como de Dante Alighieri, Virgílio, de personalidades políticas, tudo revelando sinteticamente o vasto conhecimento adquirido pelo autor Victor Hugo. Outro detalhe importante é que quando o romance Os Miseráveis foi lançado, em 1862, o autor tinha 60 anos de idade, já tendo sido deputado, senador e vivido no exílio por desavenças políticas. 

“Além de influente político em seu tempo, dedicou-se ao teatro, à poesia, ao romance e ao gênero memorialístico. Ele também tinha talento para o desenho e a pintura. Tratava-se de um homem erudito e profundo conhecedor da história de seu país; respeitado também como crítico literário, e que se tornou porta-voz dos escritores românticos.” — CHAUVIN, 2014 

 

Os Miseráveis no Brasil 

 

A influência do romance Os Miseráveis no Brasil se deu sobre figuras importantes de nossa cultura como Castro Alves, José de Alencar e, sobretudo, Machado de Assis, que acabou por se tornar tradutor de diversas obras de Victor Hugo para a língua portuguesa.  

 

Sobre a publicação e adaptações 

 

O autor Victor Hugo começou a rascunhar a obra em 1846, interrompendo a escrita em 1848, até que em 1851 ele retoma a redação da obra e faz novos capítulos e lapida detalhes que precisavam de ajustes, até que no dia 3 de abril de 1862 a obra é publicada. A obra se torna sucesso de público, sendo rapidamente traduzida para outros países e se expandindo para fora da Europa. O lançamento foi organizado e compreendeu oito cidades que fizeram a publicação em simultâneo: Leipzig (Alemanha), Bruxelas, Budapeste, Milão, Roterdã, Varsóvia, Rio de Janeiro e Paris. 

A obra Os Miseráveis já recebeu inúmeras adaptações teatrais e cinematográficas, uma das contas coloca em torno de cinquenta produções que se basearam neste clássico literário francês e mundial. A mais famosa adaptação para o cinema foi realizada pelo diretor Tom Hooper, em 2012. O filme foi sucesso de público e de crítica, levando prêmios no Óscar, BAFTA e Globo de Ouro.  

O musical baseado no livro de Victor Hugo ganhou a sua primeira montagem na Broadway no ano de 1987, e se tornou o quarto musical que mais tempo esteve em cartaz na história de Nova Iorque. Por sua vez, Les Misérables é uma das peças mais populares do mundo, que teve a sua primeira estreia em outubro de 1985, em Londres, no teatro Barbican. A mais nova montagem da Broadway, por sua vez, foi encenada no teatro Shubert, tendo sua estreia sido feita em março de 2004, sob supervisão do produtor Cameron Mackintosh. 

 

Sobre o autor 

 

Nascido no dia 26 de fevereiro de 1802, em Besançon, França, de família ilustre, com o pai tendo sido general de Napoleão, Victor Hugo foi criado praticamente fora da França por conta das viagens do pai. Victor Hugo desenvolveu bem as suas habilidades como escritor e chegou a ser líder do movimento romântico na França. Escreveu, em 1831, O Corcunda de Notre Dame (intitulado originalmente de Notre Dame de Paris) tendo tido imenso sucesso, o que o capacitou a alcançar uma vaga na célebre Academia Francesa, em 1841. 

Victor Hugo também atuou na política, tendo sido deputado na Segunda República, em 1848. Acabou exilado e teve que viver por muitos anos fora de Paris, voltando à França em 1870. Também foi eleito para a Assembleia Nacional e para o Senado. Faleceu aos oitenta e três anos em 22 de maio de 1885. Seu corpo foi exposto diversos dias sob o Arco do Triunfo e posteriormente enterrado no dia 1º de junho no Panthéon. 

 

Gustavo Bastos, filósofo e escritor. 

 

Link da Século Diário :  https://www.seculodiario.com.br/cultura/o-contexto-de-miseria-social-na-franca-do-seculo-xix-em-victor-hugo