PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 9 de julho de 2011

O ENCONTRO DA VIDA

Sinto-me bem quando estou cansado,

pois sei que o dia foi intenso

e de bastante alegria.

Sinto-me bem por ter passado

por estas várias horas

na labuta e na festança,

sou somente a certeza

de que tudo é grandeza

e sabedoria

para além da tristeza

e melancolia.



Por estar cansado estou feliz,

pois o bem que me faço

é o mesmo bem da doação ao outro

antes do encontro com a morte.

Pois no dia da minha morte

estará o encontro

da minha alma

com o meu silêncio.



31/08/2010 Gustavo Bastos

A NOVA ESCRITA

Traduzo o que não sei

quando escrevo,

uma prosa ou um poema

de não sei o quê

me domina, e o pensamento

flui,

aberto,

desvelado,

tragicômico

e teatral.



Traduzo toda sorte de cantigas,

toda sorte de dilemas,

minha alma se coloca

num ritmo como música

na palavra,

a palavra já posta

pela língua,

mas recriada

na escrita.



Sou o que não sei,

e o que não sei

me fascina.



27/08/2010 Gustavo Bastos

AS FERAS ADORMECIDAS

Quem me deu a dor da parturiente

ao fazer poemas?

Como a gota de chuva no cais sombrio,

tive que ancorar no linho e na seda,

traficar perfume e sândalo

pela noite das corujas,

fui ao terror das pradarias,

uma pedreira eu abri ao rubi,

e nesta densa névoa do poema

encontrei o sal do mar

contando os alimentos das vítimas

náufragas com os ventres cortados

de sangue, nuvem e poeira.



Quem me faz tão hipócrita

quanto a máscara?

Antigos são os fardos malditos

que estão nos cavalos

que carregam os homens,

a intempérie do clima

me obrigou ao caos da preguiça,

e na praia com os ombros arqueados,

desci à fúria das lástimas ondulantes,

cresci no ódio da pátria verde,

e andei pelos charcos da vida fria

do outono.



Eis que o verde cresceu

para ser queimado,

a floresta virou deserto

no poema criado para a fazenda,

e touros, hipopótamos,

elefantes, rinocerontes, leões,

formigas, morcegos e águias,

toda sorte de seres variegados,

encantam o clima botânico

do paraíso perdido,

então os homens fumam,

os homens fumam

e vão aos horrores da febre,

e o escárnio do poeta

se torna uma fatalidade

para o céu e os anjos,

e a dor da carne nos acorda

com sua amargura de fera,

e os dias passam como passam

os abutres da morte.



25/08/2010 Gustavo Bastos

SENSÍVEL POEMA DEVORADO

Quanto mais eu penso

em deixar o poema falar,

mais ele se esconde e fica mudo.



Vivido ele é, poema escasso,

da negra sombra emprestado.



Sou o exílio neste mar de verso,

tenho nas mãos as diabruras,

vou em vãos então nas carnes nuas.



Fui herói romântico um dia,

mas neste agora só tenho a agonia.



Fui mistério na flor da alma,

e agora contemplo o céu com o fulgor

da calma.



Venho deste imenso azul eterno,

sou a cruz sempiterna do universo,

poeta degredado das suas amantes,

sou o vinho desejado e fermentado.



Quando, pois, estarei sóbrio?

Aqui está o poema desvelado,

uma descoberta do que é o bem

em um encontro de seres alados.

Poeta, a nuvem te toma.

Navega, enquanto tudo desmorona.



Sou este que vos diz

que o poema é líquido,

sou o bruto e o sensível,

não tenho amor de chuva

e nem de sol,

sou um pobre manso no farol.



Delicada é a fonte do poeta,

este que vos dá a sua senda,

um voraz do verso

do qual se alimenta,

este que é o devorador

de sonhos,

pronto ao fugaz

que vive num

lago profundo.



25/08/2010 Gustavo Bastos

MANUAL DO VENCEDOR

O que guardar no coração?

Talvez cada momento de alegria,

cada dor sofrida,

todas as pessoas que lhe agradam.



Vamos à alma bondosa do dia,

a vida é um plano engenhoso

de vários matizes,

o coração se guarda

da maldade e do descalabro,

o coração meu de cada dia

me quer mais santo e profeta,

um coração ao mar dos labirintos,

o que tudo sente ao porvir

e que sonha o eterno viver.



O que esperar da vida?

Quem se assenta e morre

não tem volta,

só vence quem tem o poder

da transformação,

pegue a sua espada

e proclame ao mundo

a sua fé e bravura,

deixe aos impiedosos

uma ilusão escarnecedora,

pois o dia adventício

é de quem teve coragem

de lutar até

o último suspiro.



19/08/2010 Gustavo Bastos

BORBOLETEAR

Voa como borboleta

a poesia e o meu cantar,

de dia faz rima,

de noite canta à lua.



Voa para o alto

a minha poesia no

meu cantar,

uma hora faz versos,

outra hora para e contempla,

depois vai embora,

e na fuga corre

para o longe infinito.



Borboleta voa para o sem rumo

de asas,

foste lagarta,

e depois do casulo,

virou musa e fada.



18/08/2010 Gustavo Bastos

domingo, 3 de julho de 2011

DO IMORTAL CANTO SANTO

Deito-me quebrantado pela fé intumescida,

nos meus pés está posto o caminho

pelo sem fim do destino,

nas mãos a escultura e o poema,

no pensamento a filosofia do tempo,

nas noites a constelação

do universo de vastidão

estrelada.



Eu sei bem de mim,

sou o caos no jardim,

sou a febre e o dia que se cala,

tenho todos os ritmos

e a possibilidade fatal

de ser sempre poeta.



A fé é importantíssima,

a descrença no mundo e nos homens

pode matar alguém de angústia,

somos areia infinita desta terra

que o verme come o corpo

e libera entre os cantos

o santo imaculado

que não perece

mesmo morto.



18/08/2010 Gustavo Bastos

A DESCOBERTA DO POEMA

Descobri agora um poema

que se calou por muito tempo,

sem rima e sem dor,

sem alma e sem olor.

Eis um poeta que sentiu

nada deste poema,

ele nunca o concebeu,

eu vi a tristeza que está

em todos os versos

deste poema oculto

e agora à luz do dia

ele se revela

com a água e o ar,

tão fluente em suas ondas

quanto o mar infinito,

tão desejoso de morrer

quanto um suicida sem temor,

eis o que é o seu horror,

eis o que é o seu amor,

poema ... um fato de palavras,

palavras por muito tempo

ignoradas e contidas,

e que neste momento do presente

vem à claridade de todos os poetas

que querem prová-lo,

seu desenlace é agora,

seu tempo é o mistério

que o verso agora dá fôlego

a quem o escreve

sem medo da morte

ou da solidão.



07/08/2010 Gustavo Bastos

TERNURA E MELODIA

Tenho andado, nesses dias passados,

como uma flecha sem rumo

até ao alvo inesperado.



Sou testemunha da vida,

observo as vidas deste caminho

pelo qual sou poeta sem poetisa

ou sem musa.



Venho do mundo paralelo do verso

que tudo vê e tudo sente,

sou o inverso no que se escreve

neste verso,

sou azul ou amarelo,

tenho as cores em mim

e um vazio violento

de abismo e saudade.



Olhos ao encontro do dia,

sei do que sei ao sentir a nuvem

do claro dia,

e no outro dia que vem,

o sol se vai e a chuva vem,

sou como todos,

um eterno humano

que se faz de amor, ódio

e alegria,

sou o fim humano,

finito na carne

e infinito no coração.



07/08/2010 Gustavo Bastos

ALEGRIA DO MEU CORAÇÃO

Será possível manter tudo em segredo?

Uma voz maviosa e desejável

pode invadir a solidão de meu castelo,

eu tendo, enfim, uma partilha do que vivo

com outro semelhante e tão meu,

o esforço feito de mútuo entendimento,

e um puta tesão que surge como fermento.



O segredo do meu desejo

será desvelado como um corpo silente,

e esta conversa a dois

será o plano perfeito de um

romance secreto ...

onde todos os dias serão

cheios de vida

e repletos de magia,

onde haverá cura para qualquer vício,

tudo no esquema,

tudo pronto ao devir

de carnes e almas

que se almejam,

endorfina para a cabeça

que um dia já esteve esgotada,

novas paragens para o beijo

no labirinto da língua,

e uma grande satisfação

depois de um amor perfeito

na cama ...



Para nos salvar do tédio

e da falta de emoção,

sou o teu cavaleiro,

fugindo para o salgado do mar.

Poderíamos nos encontrar

totalmente perdidos,

e numa noite qualquer brindar

o fato de estarmos vivos

e nada mais.



25/06/2010 Gustavo Bastos

UMA VEZ MAIS

Mais uma vez, o doce que estava

em teus lábios me escapou.

Eu desfigurei o meu rosto

frente ao espelho da dor,

e numa lástima de morte

me pus ao alvo das metralhadoras,

todas de uma só vez

frente ao meu coração bravo

que dançava nu.



Mais uma vez, pobre querida,

eu sou a sombra que te aniquila

por um sonho sem ilusões

e por uma viagem sem destino,

sou o teu consolo

na tarde fria da chuva,

sou o que mais briga

por tua heroica pátria

de amores,

quero te ver em um segredo

que se afunda com o meu pensamento,

e na bruma que cai como pétala

sou o inferno

em forma de paraíso.



25/06/2010 Gustavo Bastos