Tive que sonhar na blusa sedenta das paixões, sob o escrito a fada matou os lilases que escorriam na veste rubra que sangrava às setas da noite numa sirene interminável. Os cães mordiam as léguas escancaradas da desilusão, febre de montanha rugia como grito lancinante nas ruas de findo dia. Entrei pela porta de um cabaré, comi as sete putas vermelhas no calar da noite, os cães ainda mordiam os fundos de minha braguilha, mordi um esteta por riso indecente, não tolero o tom pastel de suas rútilas figuras, desci à sala, fumaça por todo lado, encontrei o fella absorto em viga de cânhamo, notei em seu semblante um ardor de fuga, era poeta na noite com os lilases ainda nascendo em suas orelhas, encarnei o silêncio de seus dentes depois de um sexo tântrico com velhos sonhos pós-estetas. Navio era seu nome, poeta das horas perdidas do calabouço, entrei nos sóis que eram a fuligem de um dia incinerado, encontrei os dias do horizonte sob auspícios de boa hora, a tela estava negra e os pincéis tinham secado, não tinha água, o esgoto fedia, tínhamos sede, e o vento era frio, vesti um bom terno, fui ao barco que morria no fim da noite, a lua estava em êxtase, não tive que morrer para ver a lua, fui até o distante lagar das secas estátuas, a praça lá fora, os meninos fundos olhos de aurora não tinham o que comer, roubei umas frutas no fim daquele sonho, corri depois que a tempestade caiu, não tive tempo de sorrir, os meninos gritaram que a noite era uma lua nua de desilusão. Tomei um vinho e fui ao mistério das sete chaves, o que era sombra dançava, ele era o inferno em céu de susto, o inferno como o mar quando cai a nuvem, o mar era meu mistério na dor estalada das horas que passaram ao meditar, voltei sob a tumba macabra que o ordeiro soldado da noite mais a brisa fundaram com o canto dos anjos, não voltei mais àquele lugar, e conheci cada inferno salgado daquele mar.
Pintavam as mãos macabras na festa das bruxas, eu vi os lamentos sob a chuva se adelgaçarem como a rima quando foge, entrei em pânico, surtei como um romântico aniquilado pela fúria, sonhei que era poeta morto no sol vermelho das mortes violentas, o ar fétido se rendia ao perfume, não sofri deste mal, o riso foi catarse na paz de haustos inda vivos, cada gesto do teatro nascia com o coro em horror, Ésquilo feneceu sob a mão pesada de Sófocles, a tragédia era honrosa como um rito bruto de espada corte e dentição, a boca cantava o verdor dos mares, as matas eram extintas dentro do peito que fervilhava nas águas da vinha marrom dos litros de vinho que a hora da asa voava, e todos os sinos tocavam na mesma hora exata, dancei o rock com o mistério em meus olhos. Encontro a paz mundial, depois os esqueletos da sociedade eram densos mas não matavam os que viviam livres, a liberdade atávica nasceu com Eurípides, o canto sepulcral era só a dose de vinho no coração grego, Dioniso renasce em cada fim que se dá no corpo da tragédia, o folguedo se consumou em Aristófanes, a veia crítica deve ao seu sonho o enredo total da flor grega. Dentro da modernidade, o mordaz se sobrepõe ao caráter, na vida os costumes se emolduram com mais radicalidade, depois dos êxtases racinianos, o clássico se demuda, a métrica se solta de vis pseudo-ritos aristotélicos, e o poema qual dança se funda novamente com o rigor da harmonia do sol em Moliére, a febre francesa era música, o viço elisabetano era a orquestra, amplidão em Shakespeare como nunca se via, Thomas Kid e Marlowe, os boêmios ingleses, uma juventude de poder, uma geração ao Globe, e a queda em Cromwell.
Cantava o último hausto, deve a poesia agora gritar na rua como fera indomada, nada de pueril boêmia, só o certo da noite como flecha que dança, catarse só em nota funda sem o vil metal, sem o fundo morto das formas estetas, sem a sombra de ligas esticadas de um verso longo, só o passo natural como ritmo de faca, só o langue sorver de luas dentro de topázios estudados, só o livre pensamento sob forma musicada, só o estar em música como fluxo de instante, só como o frio sem atavio, as memórias como o cão fundante de Eros e Tânatos, eufuísmo só como iniciação, no fim a fala natural deve estar domesticada sem estar adormecida, o rito em que se dá tal fúria é o termo lido de erudição anti-pedante, os sóis devem ser fortes, embora as tintas tóxicas fiquem mais ritmadas, e o emblema estará sob o fundamento de uma mordida seca e esclarecida, como as Iluminações de Rimbaud. Não há na estrada um fetiche de horizonte, não há totem de paisagem, só o fluxo como o calor rente ao frio se dá em tal nuvem sem susto ou rompante, tenho as estórias bem enumeradas das noites que fogem tais os poemas que escorrem de luta e sangue como em dança bem prateada, o ouro deve ser um valor, mas não há ouropéis como numa mão sem treino, o verso deve estar focado, e a prosa explodida.
Semente é o caule, o tronco é a ideia, a copa a metafísica. Metro dominado, fúria sob ternura, dentes calmos, corpo controlado, êxtase iluminado, quando os campos selvagens caem de suas cerejeiras o Nô veste sua rua de Kabuki, mascarada é o sonho da noite das tochas, vejam como a Hélade se levanta qual a fusão entre os philos que cantam na terra de ilhas soltas, o mar dentro do peito é o Homem, Licurgo se irrita, Sólon tenta dar a Atenas um sentido, os atletas correm para Maratona, os irmãos se matam, não há persa que tenha cabeça, Sócrates envenena quem não pensa, e o Organon só se vê pelas mãos de Andrônico, as edições arábes se soltam entre os ritos de um deserto de matemáticos e astrônomos. Venham os algébricos, lendo o Corão a sede do camelo é vasta, o deserto de Satã rumina a parte vasta do sonho de cálculos, Pitágoras sorri em sua confraria, os sonhos amarelos nesta altura já tinha milênios, o Tao já dava seu sorriso de escárnio, nada era ato e Aristóteles se suicidava.
Voltei à noite dos meus amigos febris, os vinhos corriam como quedas infinitas, a boêmia já não é tão sensual, o instante se torna mais matemático, eu conto e calculo os sóis, emolduro os sorrisos, os êxtases se tornam mais raros, e o prazer é todo esférico como um perfeito poema. Não vou mais capturar o som, ele vem demolido e como um triturar bem cantado, eu sonho e tudo vira o farol do mar que ao horizonte não se perde, mas ao oceano se faz sol.
24/01/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)