“Nos Estados Unidos, com a Primeira Emenda, temos uma amplitude da liberdade de expressão”
No influxo da disseminação do neonazismo pelo mundo devemos citar diferenças entre leis em alguns países. O melhor exemplo fica na comparação entre o que é aplicado na Alemanha e, de outro lado, nos Estados Unidos.
Na Alemanha temos um Código Penal que proíbe a negação pública do Holocausto, divulgação de propaganda nazista, o que inclui, obviamente, a proibição de compartilhamento de imagens de suásticas, uniformes da SS e declarações apoiando esta ideologia nefasta.
Por sua vez, as leis alemãs que abrangem este escopo de incitação ao ódio e negação do Holocausto têm origem na História do país, na dolorida memória do regime nazista. Portanto, esta base legal na relação da liberdade de expressão tem base neste trauma histórico. Isto é, não havia uma restrição desta natureza na origem do Estado alemão, que ocorreu em 1871, com a unificação dos estados alemães e o início do Segundo Reich, que durou de 1871 até 1918.
Nos Estados Unidos, o processo histórico foi bem diverso, e tem uma base forte na consagração da liberdade de expressão na Primeira Emenda à Constituição introduzida em 1791. Esta se juntou a outras nove emendas, todas com o fito de garantir amplo direito para os cidadãos norte-americanos, sem o cerceamento do governo da União, na previsão dada na aprovação da Constituição em 1787. A Primeira Emenda compõe a chamada Bill of Rights, que foi um dos documentos responsáveis pela fundação da nação norte-americana.
A ascensão nazista, por sua vez, foi possível devido a uma neliência e certa liberalidade da Constituição de Weimar, produzindo um modelo democrático tíbio, após as medidas draconianas contra a Alemanha pelo Tratado de Versalhes, ao terminar a Primeira Guerra Mundial. O cenário econômico devastador de hiper-inflação, se somando ao questionamento das sanções do Tratado de Versalhes, e se apoiando nesta tibieza da República de Weimar, foram dando fôlego ao Partido Nazista para chegar ao poder na década de 1930.
Nas eleições de 1930 e de 1932, o Partido Nazista obteve inúmeras vagas no Parlamento. Contudo, ao mesmo tempo, Adolf Hitler enfrentava resistências e obstáculos para conseguir o cargo de chanceler da Alemanha. Entretanto, depois do incêndio criminoso do Reichstag, em 1933, a democracia tíbia de Weimar entrou em uma profunda crise, e Hitler teve a sua ascensão a chanceler. No ano seguinte, veio o arremate, com Adolf Hitler, finalmente, obtendo o título de Fürher, o que deu início ao Terceiro Reich.
Anos depois, com a invasão da Polônia pelo Exército alemão, eclodiu a Segunda Guerra Mundial, que durou de 1939 até 1945. Com o exemplo desta ascensão nazista, após o fim da guerra, foram buscados meios para os novos modelos democráticos colocarem freios nestas brechas ao totalitarismo, com aparatos legais que limitem a atuação de grupos antidemocráticos dentro da democracia. Os penalistas chamaram a estes modelos de democracia militante ou combativa.
A legislação alemã prevê punições contra crimes de difamação das instituições democráticas, contudo, existe uma cautela penal de sua aplicação. O conceito é o de que a liberdade de expressão ainda tem grande privilégio, podendo ser as instituições públicas tidas como capazes de suportar as críticas.
Portanto, existe um balanço dentro da legislação alemã entre meios de defesa da democracia, de um lado, e a conservação da liberdade de expressão, de outro lado. Atualmente, na Alemanha, a tendência é de criminalização dos discursos de ódio nas mídias sociais e em protestos de rua, contudo, em meio a discussões de afrouxamento do rigor contra estas manifestações. Organismos da União Europeia e demais países europeus, por sua vez, criticam este modelo alemão como pouco restritivo aos discursos de ódio.
Nos Estados Unidos, com a Primeira Emenda, temos uma amplitude da liberdade de expressão, em sentido político, que é protegida, incluindo os discursos de ódio. Tal liberdade de expressão irrestrita é encarada como um dos pilares de um governo livre. Nas palavras de Benjamin Franklin, um dos pais fundadores dos Estados Unidos, retirar esta liberdade implicaria que “a Constituição de uma sociedade livre é dissolvida e a tirania é erguida sobre suas ruínas”.
Por fim, este direito de falar livremente nos Estados Unidos, sem restrições e supressões do governo, consagrado na Primeira Emenda da Constituição norte-americana, vem junto com as liberdades religiosa, de reunião e de imprensa. Também temos, nos Estados Unidos, para terminar, o direito de petição ao governo com o objetivo de obter compensações por eventuais danos causados. Estas liberdades citadas são as balizas da liberdade civil norte-americana.
(continua)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/o-debate-da-liberdade-de-expressao