PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

TARDE MAVIOSA

Por mim bastaria esta tarde viçosa,
um embarcar de mala e cuia
no absinto.

Pois não, como a guitarra me enleva,
todo barbitúrico ou opiáceo
são (sim!) inócuos diante
da música que me faz planar,
ao eldorado, altiplano voador.

Ah, sesta doida, de tarde se amalucar
e se vestir todo de preto,
pintar a cara para dar sustos
em pedestres num conversível.

Por mim basta esta tarde vitoriosa,
mameluco e espadachim,
lutador de guerra com estopim.

À rua de baixo um lixo na boca de fome,
pelas ladeiras de cima uma embocadura
de favela, parteiros de patrulha,
carabineiros e chagas sociais,
eu-poeta me dano de dor,
ah (sim) estou por entre becos
sem saída, buscando dar água de beber
a quem tem sede, e fazer passarinhos
desenhados de grafite na noite negra.

Pois é! Meus doidos sonhos constroem
a esperança vulcânica para
o dia do despertar,
e o cuco pia por todo o planeta
com um etéreo meio-dia,
oh tardinha laranja de arrebol,
suscita em mim as drogas cavalares
de uma contemplação mística,
de uma ascese de vindima
com roxo bruto bêbado,
de uma asa porvindoura
de azul brabo montanhês.

Por mim bastou poema de feira,
por entre maçãs e laranjas
que desenham a plêiade,
por um simbolismo janota
que me conduziu
aos gritos de gabola
de uma declamação rouca,
que me instruiu
a não ter egotismo
quando se semeia
fortuna e poesia,

e para ser só alegre,
por mim bastará
ter poema e afago
no acalanto
de sol e praia.

19/10/2016 Gustavo Bastos

COMO ESTRELA BRILHA

Chegar, neste poema, diuturno poema,
calado poema?
Ao caudal das estrelas uma reta desossada,
os afazeres dos elmos, dos gládios,
dos gaudérios, estes pasmos exibidores
de astúcia, estes kármicos dançarinos
pela fé do nada.

Que eu, cantor de fancaria,
rebobino a fita mascada,
o corte dos ideogramas
na tábua da lei.

Por lei, uma mecânica indutiva
que cerceia o canto geral,
os estertores e fracassos
e a ignomínia,
os filisteus, os fariseus,
os vendilhões das estâncias
superiores, os doutores encapuzados
da fábula política dos retóricos,
estes passam ao aquém,
pois d`além está o nada.

Chegar, de mansinho, neste poema?
Furibundo, incoerente, fantasioso.
Chegar com módicas transações
no fantástico mundo hippie,
comunidade trans-mundo,
bebericar um vinho tinto.
Pois, que miserê tem esta banda de cá?
E que nababo está a rir na banda de lá?

Oca, minha casinha de chapisco,
meu ventre de pó e fumo,
os carimbadores dos dias burocráticos
nunca estão na sociedade horizontal
dos sonhos anarquistas,
dos ecossistemas mais pacíficos
do universo,
das noites em abóbadas estreladas
numa zoeira no interior.

Ah, passa passarinho!
Se eu soubesse cantar como tu,
não precisaria de pena em poema,
nem de sentir dor deveras
como um maluco endoidecido
de tanta farra.

Estou em busca do sol, em tom de calor
sob flora náutica de mim.
Poema, pois chega com todo o estro
como um barbudo profeta
que honra seu cajado,
como um menino travesso
que cai de maduro,
como um poeta zonzo
de música.

Já que, desta feita, as festas sociais
estão ao largo, na noite de páramo
sobra ritmo, e na montanha veloz
rola um sonho rochoso
de poesia sólida,
que tanta liberdade derrama,
que não há no mundo
um viés tão astronômico,
que é o poeta-estrela.

19/10/2016 Gustavo Bastos