Quando penso em porque alguém escolhe filosofar e, pior que isso, escolhe a filosofia como meio de vida, tal como eu, tem claro o futuro que lhe aguarda, uma vez que sabe que vai ter que pensar sem cessar e, no dito meio de vida, ensinar o que não se ensina, ou seja, filosofar e não filosofia. Devaneio? Aí é um paradoxo, já que a filosofia, no entendimento do senso comum, trabalha com a razão, mas o devaneio é a escolha por tal labuta, o filosofar exige de nós uma disposição para a reflexão e a construção de um pensamento que nem todos tem, não é para qualquer um! Uma consciência torturada? Diria outro alguém que desdenha das questões da vida. Bem, talvez ... vai saber, né?! No meu caso eu fui um jovem de certo modo torturado pelas questões da vida e com o tempo isso ganha em disciplina e complexidade, mas deixa de ser tortura e vira indagação seletiva, nem tudo se pergunta, é o que descobrimos com o passar do tempo e com as leituras, como também nem tudo se responde, é a outra obviedade como efeito colateral do questionar.
E me vem à cabeça de porque fiz esta escolha que eu diria ser, sem falsa modéstia, de corajosa. Talvez, na juventude, façamos escolhas inconscientes totalmente conscientes. Ora, novo paradoxo? Sim, é claro! Trabalhamos com paradoxos a vida inteira, e não adianta o filósofo vir com o princípio de não-contradição, uma das estruturas da chamada razão ou raciocínio, é que é uma loucura alguém filosofar em tempos tão bicudos e medíocres, é um fato.
Certa vez eu me indaguei se fiz o certo, ou se deveria ter virado homem de negócios e deixar essas questões existenciais de lado, mas havia uma força maior e inexorável que sempre me conduzia para a filosofia e para a busca de alguma verdade ou sentido na vida. Por que? Para quê? Tenho que responder, mas sabendo que é em vão, tudo na vida quando se quer arriscar pode ser em vão, pois a filosofia é em vão em razão de suas respostas mas não em razão de suas perguntas, eis, eureka! Pois então a pergunta é mais importante para o filósofo do que a resposta, pois toda resposta denota certo sinal de arrogância intelectual ou pretensão descabida e irrefletida, já que uma vez sabendo da resposta a questão cessa e torna-se necessária nova ocupação, fato. Mas a verdadeira ocupação do filósofo é a pergunta e, mais do que isso, a qualidade da pergunta, ou seja, temos que aprender a perguntar para filosofar de fato, senão seremos presas fáceis da falácia e do sofisma, seremos manipulados pela ilusão ardilosa de um raciocínio intempestivo, é preciso então refletir calmamente, a pressa não é própria do filosofar, é preciso ruminar antes de falar, só se fala do que se tem a devida medida, e do que não se pode falar simplesmente calamos, essa é a medida que diferencia os que estudaram dos cabeças de bagre.
Mas, volta a pergunta fundamental, para quê isso tudo? Para quê uma história tão vasta e milenar se até hoje não temos nenhuma conclusão de nada! Ora, às favas com a filosofia! (Diria agora um incauto ... ) Ora, porque perder meu tempo com perguntas fundamentais se não há resposta fundamental. Qual a razão disso? Qual é o mérito da filosofia e do filosofar? Ora, não temos que sobreviver, trabalhar? O tempo acabou! O tempo acabou! Não temos tempo para pensar, quanto mais filosofar! (Mais uma vez, aqui temos o argumento cético do incauto insistente, é a ignorância presa da falácia e do sofisma da qual eu avisei logo acima, todo cuidado é pouco ...) Mas, e então filósofo? Me responda, para quê filosofia? ....
Tal pergunta é da mesma natureza de outra pergunta fundamental que é a seguinte:
Para quê a vida?
Então temos aí o cerne do problema, pois perguntando pela filosofia estamos também e ao mesmo tempo perguntando pela vida, já que, num entendimento que eu chamaria de filosofia honesta e não formal, a pergunta pela filosofia desemboca na pergunta pela vida, aí reunimos duas perguntas da mesma natureza que podem se fundir e recriar a questão numa indagação pelo sentido das coisas, coisas? Objetos? Não, é sentido lato e não o estrito, a filosofia, ao contrário de saber acadêmico estrito, sempre pergunta em sentido lato, já que a pergunta pela vida também está e se dá em sentido lato, para “responder”, enfim, precisamos viver bastante e nada de resposta peremptória sobre o porquê ou o para quê, mas uma resposta numa pergunta, uma resposta que pergunta e se instaura no que é importante, porque o mundo? Para quê o mundo? E respondemos: para ensinar o homem a viver, pois é melhor existir do que o nada, que é o impensável.
Adélia Prado Lá em Casa: Gísila Couto
Há 3 semanas