PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 5 de novembro de 2016

PENA DE MORTE

Diante da pena de morte
dê um salto mortal
e viva,
pois de cada faminto e bandido
há um inocente e um saciado,
este ser de morte-vida
nos ensina o poder da enxada,
o poder do voto,
as galimatias da luta cotidiana,
este ser morte e vida
que morre ou vive
e que tem fome de estourar
os miolos ou de entrar
para um exército brancaleone
de uma revolução profilática,
este ser morrente e vivente
que tem sede de anarquia
e que instaura a ordem suprema
com suas machadadas,
este ser que hora é luz e hora é sombra,
este ser que se multiplica como pão
e que se mutila como farelo de pão,
nós temos todo o infinito
na nossa finitude,
e não nos tornemos indiferentes,
sejamos a empatia do pão e do café,
a empatia da comida farta,
sejamos os fiéis da morte-vida
mais viva diante
da pena de morte.

05/11/2016 Gustavo Bastos

DEZ OLHOS DE CANÇÃO

"Look":
venham os gloriosos anátemas,
com maças e espadas,
eu retiro o cartão de moda
com espasmo rouco
de rock`n`roll.

"Veja":
os vivos sarcasmos da vidência
assaltam o proletariado,
os cacos de vida vivem
como rebotalhos,
as sarças e gomas colam
os fogos e visões,

Look, veja:
os olhos videntes fazem
a nova cosmovisão.

Veja, look:
desde os tempos hindus
eu acendo meu sândalo
como um impassível
capricorniano.

Veja, look, eu insisto:
os olhos videntes
são antigos e novos
como os poemas.

05/11/2016 Gustavo Bastos

UM POUCO DOS POETAS PERDIDOS

No retrovisor, com as águas de chuva,
a vista embaçada do mormaço,
a Plêiade toda encantada,
eu tenho risos de mim mesmo,
vejo minha sombra adelgaçada
com dias perdidos para sempre.

A neve é puro holocausto,
como uma Treblinka gélida
e terrível neste poeta
que grita vida, no entanto.

Os favos e as gemas, todos os castelos,
as cartas de baralho cigano
com roxo púrpura de uva,
os mares esbeltos
e os fusíveis de meu estouro
de bomba elétrica,
tudo combina nesta canção
do êxodo,
este mar e este baralho,
este surto elétrico
 e os castelos,
estes poetas.

05/11/2016 Gustavo Bastos

POSES DA MÁQUINA DE FOTO

Círculos em torno do meu corpo,
eu me penduro no lustre,
dou uma de gaivota com um peixe
na boca, saio sim, voando,
não acredita?

Pois te dou Deus em fagulhas quânticas,
pois amor assim também se dá,
aos borbotões.

Borboleta argêntea na rua platinada,
o passeio é bem hercúleo,
com horas de sair e de ficar em casa,
com horas de maçada e de divertimento,
como somos, entes conflitantes,
o mais engraçado é que na sinuca
sou bravo e ruim,
e como enxadrista um distraído.

Pois sete bolas de lances seguidos
demanda uma boa cerveja,
e o passo ao Rei um bom cigarro.

Pois até estou fora de moda,
sou castiço e bêbedo,
romântico e anarquista,
e gosto de vinho.

Ah, qual nada! Sei do rock todas as pontas,
como um pentagrama ao contrário.
Faço de mim também as ilhas do mar,
vou ao porto mais que vivo
e verde mar!

Tenho visões de xamanismo,
em ventos anunaques
sei de sábios sumérios
de Gilgamesh
e seu fardo infindo,

oh glória,
me dá tuas cartas insensatas,
com o beijo da morte
aos pés do capitólio,
com as armas telúricas
no ventre da canção.

05/11/2016 Gustavo Bastos

MARES SONHADORES DA FORTUNA

No mármore e no granito
está o poema retilíneo,
participa em sua forma que se esculpe
tal um motor que ruge e brota
com cor graúda na fonte primeva
destes sonhos de primavera,
e de convés ao cais remata todo
o sacrifício de seus campos de desassossego.

Fenda e lenho escarlate, uma noite
avermelhada sobre a silente chuva
e o vinho azinhavre,
que retinto se intitula
esbelto e formoso,

que, no entanto, como gladiador tonitruante,
da tempestade a palma alva
em clangor se viola em melodia,
e és tão poeta que nem lhe chama
os mortais na tristeza azulada
dos suicidas, e nem lhe comove
a beberagem ou a sangria
que destas vinícolas e vinhateiros
a uva e sarça em folhagens
um fauno se rejubila,

pois, com lagares formosos,
e a dança da menina arteira,
os arcanos e lamentos
são cantos lunares,
pois na fronte do mármore
e o rosto granítico
está a senda maior
do destino-poeta,
um rigor por detrás do verso,
um silente labor que de encanto
e florilégio os panegíricos
declamam em toada feroz,
e o poeta, já sombrio ou luzidio,
oscila e flutua sobre
estes mares sonhadores
da fortuna.

31/10/2016 Gustavo Bastos

VENTOS SALINOS

Que o vento boreal, na noite do pântano,
nos dê o alento que o sol clama.
Estes cantos silvestres, destinos da pena
ao lupanar e plenilúnio, que no púlpito
se concentra e arma a esquadra mortal.

Que a sina desta pena-poeta
se molhe no rio castanho
de um delta na luz abscôndita,
que de luzir os sinos nas trevas
conclamem a esquadra qual nau fria,
e o vento inóspito e boreal
recomece a aventura-poeta.

Balouçam os cantos do mar, peixes graúdos
são salgados sobre as doze tábuas
de madeira de lei, um cedro libanês
e um ocre de vinho antigo,
de lume ao altar o cais imorredouro,
e o vento sinistro a sussurrar
os segredos praianos do mergulho,
e a plêiade do cibório enleva el fuego.

Por detrás dos miasmas do mártir
eclode a magia dos ribeirinhos,
e um mar netuno revela suas estâncias,
os mimos da montanha lhe gritam,
os carinhos das cordilheiras lhe cantam,
juntos, sol e estrela, o canto se expande
com labor de sal e fortuna, que mar adentro
revigora o primeiro marujo do silêncio,
e rutila a miragem no fim da pintura.

Mortal campo, que a semeadura perfeita
rejubile os corpos em suas reentrâncias,
e o passo longo que vai ao além
recobre as notas deste suspense,
e quebranta, portanto, as vigas
e colunatas sob o friso solar.

Manta, túnica, toga,
vestais se enformam na dança,
Deméter fecunda nasce aurora,
e a dança da bacanal sussurra
novamente o torvelinho de amor
que se funda em mar e oceânides.

Flutua seu regente, Saturno silencia
em anéis de futuro com o matrimônio
fervilhante de que o cosmos delineia,
contrito, o peito vigoroso que honra
e pátria às armas dão o sopro,
e que de coração aberto resgata
dos lodaçais os poetas bêbados.

Senhora das partidas, remos e trirremes
remontam o mapa geográfico
de uma cabeça de cão,
e a península e o istmo
e todas as ilhas e recantos
e toda a falésia do porto.

Entrementes, os poetas já sóbrios
fazem da lira os cantos nobres,
e vivificam as sombras com luzidio
som e doce melodia ao largo
da grande muralha de sol e suor,
e o corpo balouça como fúria
nos risos trágicos de cantorias vetustas.

Lamenta o velho em solo árido,
e os anjos vão lhe buscar
no canto do cisne,
pois de morte clama o peito revirado
dos doridos campos da vivência,
numa última gota de vinho
que cai ao velho seu mármore
e fortaleza diante do céu em breve.

E o cume já afoito, tem lacônico
o grito do guerreiro, que desce
da esquadra e enfrenta a malta
titânica que de ferro e aço
aponta a lança funesta,
mas do langor do poeta este canta,
e a rapsódia já cantada de mnemosyne
encanta todo o campo no qual fadas
voam em ventanias púrpuras
no último sonho de glória
da pena-poeta que cai bem
ao fim da melodia que ecoa
no infinito ignoto.

E o fundo da pintura, na via sacra
dos poetas verdes da mata,
refulgem nas cartas longínquas
que o historiador silvestre
dá voz a tais faunos libertinos
que do estranho mundo espiritual
se encontram com os arcanos marítimos
da luta de epopeia e sal.

31/10/2016 Gustavo Bastos    

PAUL VERLAINE, A VOZ DOS BOTEQUINS E OUTROS POEMAS – PARTE I

“Verlaine ficou como uma herança na poesia francesa de caráter sincero e de comoção estética.”

BIOGRAFIA
Paul Verlaine nasceu em 1844 em Metz, no leste da França, e fez os estudos secundários em Paris, entrando em seguida como funcionário para a prefeitura. No entanto, Verlaine foi um funcionário relapso e nada assíduo, preferindo se perder na boêmia dos cafés parisienses. E é neste ambiente boêmio que Verlaine descobre a poesia, em que juntou o paradoxo entre a vida boêmia própria de poetas dissipados, com a ideia cara de pureza e de um senso místico.
“Poèmes Saturniens” ("Poemas Saturninos”, de 1866) foi o primeiro trabalho de poesia publicado por Verlaine. Em sua poesia, Verlaine começou por uma expressão parnasiana, de um caráter impassível, numa condução que lhe conferiu um instinto poético para uma habilidade especial na confecção de alexandrinos, numa utilização de ritmos ímpares com estrofes evanescentes. E como fortuna crítica, a obra poética de Verlaine ficou como uma herança na poesia francesa de caráter sincero e de comoção estética.
O lirismo musical e evanescente de Verlaine se torna, logo a seguir, uma influência muito importante e decisiva para o que viria a ser o simbolismo, mesmo com Verlaine tentando se manter distante de correntes literárias e de manter um caráter individual de seu trabalho poético que, no entanto, foi uma poesia que abriu caminhos novos para a poesia francesa que viria à lume nos próximos anos. E, numa perspectiva histórica, Verlaine se juntaria a Mallarmé e Baudelaire no que viria a ser denominado o grupo dos poetas decadentes.
Inquieto e instável, Verlaine teve por algum tempo um certo equilíbrio e paz de espírito, e foi quando se casou com Mathilde Meauté em 1870. Porém, dois anos depois, Verlaine abandonou a mulher e o filho e retomou os seus antigos hábitos, mergulhando na boêmia, e foi neste momento que conheceu o jovem poeta francês Arthur Rimbaud, que gerou uma turbulenta ligação sentimental que os levou a percorrer vários países europeus, numa saga poética e biográfica intensa.
POEMAS:
MEU SONHO FAMILIAR: Verlaine começa seu poema com uma mistura nostálgica do amor com a ideia de que se há uma única mulher para amar ou mais outras, no que vai em verso, deste modo: “Sonho às vezes o sonho estranho e persistente/De não sei que mulher que eu quero, e que/me quer,/E que nunca é, de fato, uma única mulher”. Seu sonho, então, não se sabe bem ainda o que quer, ou que visão escolher, em seu misto de fuga e encontro, ele ainda não identificou fisicamente a figura feminina, e aqui a evanescência da forma poética se junta ao ar rarefeito do conteúdo do poema, muitas vezes indeciso e errático: “Se é morena, ou se é loira, ou se é ruiva – eu/Ignoro./Seu nome? É como o nome ideal, doce e sonoro,/Dos amados que a Vida exilou para além.”. E, no meio da dúvida de Verlaine, como poesia se tem algo certo, que é a correção de sua percepção, própria de poeta, de que é um nome só, embora numa visão de exílio em que se perde tal vista, e que o poema se encarrega de sempre situar-se isto num além, aqui creio eu em sentido imaginário mais do que espiritual.
CANÇÃO DE OUTONO: Neste poema, que se dá como canção poética, num título evocativo de estação, Verlaine compõe, num sentido calmo: “Estes lamentos/Dos violões lentos/Do outono/Enchem minha alma/De uma onda calma/De sono.” E continua: “E soluçando,/Pálido, quando/Soa a hora,/Recordo todos/Os dias doudos/De outrora.” (...) “Vou pela vida,/Folha caída/E morta.”. O poema ganha o caráter de folha caída e morta do outono, e o ar calmo contrasta com o soar da hora em que a memória lembra de dias loucos de outrora, e a calma da estação de outono não olvida, portanto, das turbulências da memória do poeta.
O AMOR POR TERRA: O poema começa, em sentido de perdição, nas agruras do amor por terra, como diz o poema, que se abre assim: “O vento derrubou ontem à noite o Amor/Que, no recanto mais secreto do jardim,/Sorria retesado o arco maligno, e assim/Tanta coisa nos fez todo um dia supor!”. A ideia vem plural, a suposição é multifacetada, é o amor amplo que o vento derrubou, e que segue no poema: “É triste o pedestal, onde o nome do artista/Já mal se pode ler à sombra da ramagem.”. O nome do poeta está em sentido evanescente, e tem algo nisso que Verlaine vê como triste, e o engenho poético se salva, pois há beleza em tudo, mesmo no lamento, com que Verlaine termina: “É triste! – E tu, não é?, ficas emocionada/Ante o quadro dolente, embora olhando à toa/A borboleta de oiro e púrpura que voa”.
EM SURDINA: O poema começa bem calmo, numa imagem um tanto pacífica, mas também algo melancólica, no que temos os versos: “Calmos, na sombra incolor/Que dos galhos altos vem,/Impregnemos nosso amor/Deste silêncio de além.”. E ganha ares otimistas, e se torna, então, um poema convidativo: “Juntemos os corações/E as almas sentimentais,/Entre as vagas lassidões/Das framboesas, dos pinhais.”. E o convite ganha iluminação, própria dos poetas, quando estão bem: “Deixemo-nos persuadir/Pelo sopro embalador/Que vem a teus pés franzir/As ondas da relva em flor.” Nada mais do que a beleza, no sentido lato, a conduzir a luz que mora no poeta, este que não vê só sombra, mas que tem na sua intuição poética a sua fonte de luz, e que, mesmo na noite, vê um alento, e se faz também como tal, em sua pena criativa: “A noite solene, então,/Dos robles negros cairá,/E, voz da nossa aflição,/O rouxinol cantará.”. Aqui, mesmo na aflição, o poeta vê um rouxinol, nada mais iluminado do que ver esperança no que muitos só veem como desassossego da alma. E o poeta, mesmo dolorido muitas vezes, nunca deve perder tal luminosidade.
COLÓQUIO SENTIMENTAL: O poema tem este sentido de resgate, em que temos juízos, e se coloca como uma conversa, cercada de visões contraditórias, o diálogo neste poema mantém uma tensão em que a existência joga entre certo apego e uma visão de liberdade poética que tenta ser salva: “No velho parque frio e abandonado,/Duas formas passaram, lado a lado./Olhos sem vida já, lábios tremendo,/Apenas se ouve o que elas vão dizendo.” (...) “-Lembras-te bem do nosso amor de outrora?/-Por que é que hei de lembrar-me disso agora?” (...) “- Ah! aqueles dias de êxtase indizível/Em que as bocas se uniam!” (...) “-Como era azul o céu, e grande, o sonho!/-Esse sonho sumiu no céu tristonho./Assim por entre as moitas eles iam,/E só a noite escutou o que diziam.”. Esta tensão, ao fim do poema, não se dissolve, e o juízo se coloca como nostalgia da memória, que está repleta de êxtase, e que se encontra no presente com ar rarefeito, como num céu tristonho, o que o poeta julga como tal, e neste quesito o poema tem uma visão cristalina, embora nunca definitiva, quando se vê a vida ampla como um prisma, mas que, neste poema, temos uma posição rígida que é um juízo sobre a memória de modo definitivo, e algo de angústia ferve a pena neste poema. O sonho se foi, mas o poeta sempre tem a poesia, e neste sentido, o poeta tem sorte, pois ter a poesia é ter uma parte do todo que existe.
POEMAS:
DE POÈMES SATURNIENS
MEU SONHO FAMILIAR
Sonho às vezes o sonho estranho e persistente
De não sei que mulher que eu quero, e que
me quer,
E que nunca é, de fato, uma única mulher
E nem outra, de fato, e me compreende e sente.

Compreende-me, e este meu coração,
transparente
Para ela, não é mais um problema qualquer,
Só para ela, e meu suor de angústia, se quiser,
Chorando, ela transforma em frescura envolvente.

Se é morena, ou se é loira, ou se é ruiva – eu
Ignoro.
Seu nome? É como o nome ideal, doce e sonoro,
Dos amados que a Vida exilou para além.

Seu olhar lembra o olhar de alguma estátua
antiga,
E sua voz longínqua, e calma, e grave, tem
Certa inflexão de emudecida voz amiga.

CANÇÃO DE OUTONO
Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.

E soluçando,
Pálido, quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doudos
De outrora.

E vou à-toa
No ar mau que voa,
Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
E morta.

DE LES FÊTES GALANTES
O AMOR POR TERRA
O vento derrubou ontem à noite o Amor
Que, no recanto mais secreto do jardim,
Sorria retesado o arco maligno, e assim
Tanta coisa nos fez todo um dia supor!

O vento o derrubou ontem à noite. À aragem
Da manhã gira, esparso, o mármore alvo. E à
vista
É triste o pedestal, onde o nome do artista
Já mal se pode ler à sombra da ramagem.

É triste ver ali de pé o pedestal
Sozinho! e pensamentos graves vêm e vão
No meu sonho em que a mais profunda comoção
Imagina um porvir solitário e fatal

É triste! – E tu, não é?, ficas emocionada
Ante o quadro dolente, embora olhando à toa
A borboleta de oiro e púrpura que voa
Sobre os destroços de que a aléa está juncada.

EM SURDINA
Calmos, na sombra incolor
Que dos galhos altos vem,
Impregnemos nosso amor
Deste silêncio de além.

Juntemos os corações
E as almas sentimentais,
Entre as vagas lassidões
Das framboesas, dos pinhais.

Cerra um pouco o olhar, no teu
Seio poisa a tua mão,
E da alma que adormeceu
Afasta toda intenção.

Deixemo-nos persuadir
Pelo sopro embalador
Que vem a teus pés franzir
As ondas da relva em flor.

A noite solene, então,
Dos robles negros cairá,
E, voz da nossa aflição,
O rouxinol cantará.

COLÓQUIO SENTIMENTAL
No velho parque frio e abandonado,
Duas formas passaram, lado a lado.

Olhos sem vida já, lábios tremendo,
Apenas se ouve o que elas vão dizendo.

No velho parque frio e abandonado,
Dois vultos evocaram o passado.

-Lembras-te bem do nosso amor de outrora?
-Por que é que hei de lembrar-me disso agora?

- Bate sempre por mim teu coração?
Vês sempre em sonho minha sombra? – Não.

- Ah! aqueles dias de êxtase indizível
Em que as bocas se uniam! – É possível.

-Como era azul o céu, e grande, o sonho!
-Esse sonho sumiu no céu tristonho.

Assim por entre as moitas eles iam,
E só a noite escutou o que diziam.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

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