“uma das vozes mais intensas da poesia norte-americana.”
Sylvia Plath, mais
conhecida como poetisa, norte-americana, também atuou como romancista e
contista. Dentre suas obras, podemos citar: The Colossus and Other Poems
(1960), The Bell Jar (1963), Ariel (1965 – póstumo), dentre alguns lançamentos
póstumos posteriores. Sylvia Plath pode se destacar com seu romance
autobiográfico “A Redoma de Vidro” (The Bell Jar) sob o pseudônimo Victoria
Lucas, e sua poesia pode ser situada na área confessional que reúne Anne
Sexton, e que foi iniciada por Robert Lowell e W.D. Snodgrass.
Muito em Sylvia
Plath evoca uma imagem recorrente e que se torna um padrão forçado de artista,
os que são colocados numa classe na qual se inclui uma mítica contemporânea do
artista morto no auge de sua carreira e criatividade. É um culto do gênio
trágico e suicida, o que carrega uma aura artificial e romantizada por dados
negativos que, por serem romantizados e idealizados, se tornam virtudes de um
gênio desenfreado e que morre jovem. A figura do mártir que, além de Sylvia
Plath, tem uma coleção famosa na literatura, e que não é só de mortes juvenis,
mas sempre trágicas: Ernest Hemingway, Cesare Pavese, Virginia Woolf,
Maiakóvski, Anne Sexton, Hart Crane, Yukio Mishima.
Há uma valorização
de aspectos da personalidade desses escritores trágicos, o que muitas vezes
obscurece o trabalho literário realizado pelos mesmos. No caso de Sylvia Plath,
o fato que é dimensionado em demasia, pelo choque que provoca, é seu suicídio
em Londres, em fevereiro de 1963. Sendo que as circunstâncias que precederam
sua morte são exploradas e se tornam um espetáculo da mídia e da academia. E o
resultado é uma deformação no cânon plathiano que reflete mais seu suicídio do
que o interior de seu processo criativo.
A publicação de seu
romance autobiográfico The Bell Jar, um best-selller nos Estados Unidos com 80
mil exemplares vendidos em um ano, também contribuiu para colocá-la como um
mito literário, distanciando a crítica e o público do fato de que Sylvia Plath
era fundamentalmente uma poetisa, distorção que teve como outro efeito uma
recepção equivocada de seu livro póstumo Ariel.
O trabalho disforme
de uma crítica fascinada pelo mito Plath pode ser corrigida pela crítica
literária norte-americana Marjorie Perloff que, numa perspectiva mais atual,
coloca Sylvia Plath na dimensão que, embora tenha sua produção interrompida
precocemente, é situada como uma poesia de imagens e ritmos que Marjorie
considera limitados e até clássicos, mas que tem o mérito de lembrar que Plath
vem de uma senda de poetas norte-americanos que vieram após uma linhagem nobre
que incluía, dentre outros, T.S.Eliot, Stevens, Frost e Auden. E a situação
literária de Sylvia Plath, para Marjorie, era a de que maneira Plath poderia
inovar dentro de certas convenções, tendo esta herança, e de como ela poderia
transcender o cânon de peso destes poetas históricos. E o dilema de Plath,
então, foi sobretudo conseguir, por meio de intensa atividade textual, uma voz
própria e nova, o que, no seu caso, se serviu de convenções clássicas no molde
confessional que foi sua marca.
O suposto extremismo
confessional de Sylvia Plath em seus poemas, que tem referência em sua escrita
subjetiva, que, num momento da crítica, a situou ao lado dos poetas chamados os
da “situação limite”, e que manifestavam uma escrita até violenta, tem com
Plath um jogo em que uma aparência de confessional como desabafo, é equilibrada
com um modo hábil de fazer poemas que a poetisa modula através do controle e da
manipulação que, em poesia, são reflexo de uma mente informada e inteligente, e
não apenas passional.
A experiência
pessoal em Sylvia Plath, portanto, não peca pela ego trip. A poetisa escapa
deste erro e perigo, tudo com seu conhecimento e habilidade poéticas, que são
uma prática de reflexão e expressão estudadas e não somente de um espontaneísmo
juvenil ou de cepa visceral. O colapso nervoso ou o registro instantâneo
delirante, a veia narcísica, e outras armadilhas, são evitadas por uma escrita
que coloca o termo autobiográfico a favor da poesia, e não o contrário. O que
distancia a poética de Plath de um equívoco de crítica que tenta situá-la como
excepcional “graças” a sua vida trágica e suicida.
Portanto, o que se
dá na poesia de Sylvia Plath é um método de escrita que não tem relação com uma
certa crítica que a idealiza no espírito da tragédia de seu suicídio, mas que
é, antes de tudo, um trabalho poético que revela um controle absoluto,
praticamente fascista, sobre a linguagem. O teor confessional e pessoal, mesmo
que muitas vezes perverso e violento, não é gratuito, mas serve a um projeto de
construção de linguagem. A emoção serve a um artesanato em que o material
autobiográfico está sob um modelo consciente e determinado. A linguagem em
Sylvia Plath é mais um serviço à poesia, no sentido lato, do que simplesmente
um fervor de confissão emocional. A poesia de Sylvia Plath passa longe, para a
nossa sorte, destes poetaços que se inspiram somente em fazer “comentários
sobre a vida”.
Sylvia Plath, em seu
débito literário, está no imagismo de Pound, o que a leva ao sopro da poesia
oriental, de formas breves, que será, por vezes, seu meio de expressão. Mas, tal
brevidade poundiana não esgota a poesia de Sylvia Plath, pois seu estudo das
formas clássicas vai além disso, e que também a coloca não como uma pioneira ou
grande inovadora da linguagem, mas como ponto forte de tradições reafirmadas.
A poesia de Sylvia
Plath vem carregada também, e por outro lado, com um tanto de sua mitologia
pessoal. Embora o mito possa, contudo, invadir biograficamente, sob uma forma
disforme ou romântica, chegando ao disparate do espetáculo, criada pelo mau
hábito de uma parte da crítica literária a respeito da poetisa, a análise de
sua poesia. O que coloca a fortuna crítica a respeito de Sylvia Plath, por sua
vez, como passível de revisão, no sentido de ordenar o mito com sua poesia
escrita.
Também podemos
estender as influências de Plath, relacionando sua poesia, muitas vezes, com o
objetivismo de Williams e o conceito de “Coisas” buscado na poesia de Rilke.
Tendo sua qualidade imagista proximidade com o Zen, além do animismo poético de
Roethke e de D.H.Lawrence, pois há uma lente de aumento sobre a natureza e sua respectiva
humanização, e que ganhará sua expressão mais rarefeita em Ariel.
A apreensão do mundo
exterior, sendo subjetivado como estados interiores, tem sua expressão na
poesia de Sylvia Plath principalmente nos poemas de 1962 e 1963, o que se pode
ver no poema “Espelho”. Quando se fala em animismo na poesia de Plath, se fala
de incorporação do mundo circundante na alma poética, que é o sujeito
confessional, embora além da fronteira da pura interioridade, na sua relação
com objetos da realidade material e natural, portanto, anímico.
Dentre algumas
expressões fortes nos poemas de Sylvia Plath, podemos citar, do poema “A Lua e
o Texto”: “Esta é a luz da mente, fria e planetária./As árvores da mente são
negras.” Deste ponto pode-se depreender o citado animismo, reunindo o estado
mental, do sujeito poético, num significado que une um aspecto cosmológico ao
conteúdo mental, no qual a alma, como mente, também é, por que não, cosmos,
universo, e árvores negras. No poema “Espelho”, por sua vez, podemos ver os
seguintes trechos: “O olho de um pequeno deus, com quatro cantos.” ... “Sou um
lago, agora.” Aqui, Sylvia Plath, se une ao espelho, ser deificado e com um
olho de quatro lados, e que a transforma num lago. Plath vê sua alma no
espelho, e o olho do espelho é o lago de sua alma, seu corpo no espelho vira
lago por que a sensação do espelho, como reflexo, vem deste olho que tem quatro
cantos, e que nada mais é do que o olho de quem se vê no espelho.
No poema Olmo, da
exploração do espelho passamos ao fundo de tudo: “Sei o que há no fundo, ela
diz. Conheço com minha própria raiz./Era o que você temia./Eu não: já estive
lá.” Aqui a expressão de Sylvia Plath é enigmática, mas que tem, a quem é poeta,
uma claridade evidente, que é o fundo da alma vendo a si mesma, que vai do
poema Espelho a este Olmo, que diz do fundo e não o teme, fundo do qual quem
não faz poesia, desconhece e teme. A raiz é seu fim e seu começo, como Eliot, e
neste radar em que “a cobra morde o rabo”, Sylvia Plath diz que já teve uma
experiência, temível a quem é covarde, mas que o poeta, ao ver seu saber de
raiz, o expressa, e por isso cria, e por isso alcança a si mesmo sem o temor
dos que andam na superfície. O fundo, a raiz, Plath já esteve lá.
Em Ariel, o poema
que dá título ao seu livro póstumo, o ar rarefeito se torna óbvio: “Estase no
escuro./E um fluir azul sem substância/De penhasco e distâncias.” Agora o fluxo
de Plath é sem substância, imerso no azul imaterial que a joga em penhasco e
distâncias, pois na fronteira final se perde a substância e o azul eclode como
o fluxo em que Sylvia Plath dá o seu canto do cisne, já que Ariel é a expressão
de algo que está rarefeito e que vai para longe de tudo. Sua poesia, Sylvia
Plath, agora flui livremente, e seu suicídio é um acidente, e sua poesia a
condição de seu devir e o sentido que a linguagem, nesta aventura, tem como
literatura e história de vida, sem o equívoco de glorificar sua morte, mas com
a lucidez de ler seus poemas de modo isento.
No poema “Palavras”
temos o golpe chamado destino: “Do fundo do poço, estrelas fixas/Governam uma
vida.” Sylvia Plath tem pleno domínio do que é
e de como o universo se processa, pois as estrelas fixas são seu
destino, e o governo da vida vem do fundo do poço, que é, mais uma vez, raiz,
espelho. A influência cósmica das estrelas fixas, que na linguagem comum
podemos chamar de destino ou fortuna, palavras que significam o governo da vida
com as coisas que acontecem, é uma influência que se torna experiência da
poesia em Sylvia Plath. A poesia que se encerra com seu fim precoce, não
limita, contudo, o valor histórico desta poetisa que se tornou uma das vozes
mais intensas da poesia norte-americana.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário :http://seculodiario.com.br/22282/14/sylvia-plath-1