PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 12 de abril de 2015

IDIOTIA

Certa hora eu aprendi
a registrar
toda a estultícia,
fiz uma lista escalar
de classificações idiotas,
medi o meu cérebro
e os dos outros
com um grande cabedal
lógico e em forma de tratado,
de cada idiotia mais
eu elencava uma nova moral,
os poetas, eventualmente,
ficavam no topo da escala
dos cretinos mais infantes,
e o poema, como máquina contábil,
era o reflexo mais fiel
de que a classe dos poetas
sempre esteve repleta
de futuros idiotas
cheios daquela empáfia
das auras explodidas
de seus ideais sem teto,
de suas ideologias tortas
de absinto,
de seus saltos espetaculares
sobre o monte de estrume,
qual acróbatas
classificados nesta minha lista
de idiotas.

10/04/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)


HARMONIA DOS SÓIS

Eterno sussurro,
este que do ouvido
à ausculta
depõe febre e vinho vítreo
ao envolto abismo
bêbado.

Flanco de miséria sobre a miosótis,
redunda a flor qual flora,
náutica e doce sob bruma,
que ao dançar imorredoura
sucinta e tal ávida,
soa a boca lívida,

eu, mestre de mim,
corro entre o florilégio,
anacoreta do frontispício,
um panegírico, um analecto,
o fastígio sorumbático,
em pele álacre.

Vago sussurro, revolta da vaga,
bombeia meu sangue salino
de oceano, a doce adaga,

bruto mar ao calor cáustico
do farol,
e as naiades reviradas
do meu delírio,
que a outros naufrágios
doía.

Besta-fera de meu mar,
conciso estertor à capa
da turbamulta,
ofélia suicidada de lago,

ao meu rio serpente
que à boca-veneno
morte retinta
antevê.

Poema em recinto brumoso,
poema-sinto,
total flecha dos amores
cálidos,
clamores ácidos,
                 palcos áuricos,
fonte imanente
deste universo multicores,

eu somos nós,
d´outro mais oiro,
pórtico a contento,
cornija que bate o teto,
volúpia dos meus langores,
suicidas fadas dos horrores.

Eis o átrio em harmonia:
a poesia fulmina sem mais.

10/04/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)

POESIA DO CÉU

Veios do manancial castanho:
dito provérbio caudaloso
das entranhas.

Os ossos, o esqueleto, vértebras
e crânio.
Desfez-se carne e espírito.
O desmaio do ser
é o nada escrito,
su`alma posta d`corpo
findo.

Mata ciliar:
o castanho rio,
meu sangue diluído,
osso e carne,
espanto d´alma d`água.

Dito citado e palavrado
em parábola,
do provérbio ao aforismo,
da carta, da moda,
da mensagem,
do amor ferido,
até que a palavra
desencante
do poema ao fogo,
como o céu.

09/04/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)

TRABALHO

Se diz do canto polido:
a face é de pedra.

O riso infante, demorado
em astúcia, pelo penedo
aponta o dedo.

Canto talhado, breve balido.
A faca é dentro de mim
o coração em corte,
combalido.

Se diz da polidez ao encantamento
do mundo, das ruas ...
um sempre labor infinito,
condizente ao suor sofrido,
animal laborans,
serviçal doído.

O choro na máquina
é este ser autômato
dos dentes da engrenagem:
sustento do pão de cada dia.

E a cada dia mais doído o riso,
e do pranto o choro polido,
da pedra talhada madeira,
sulcos na pele envelhecida,
do trabalho poético, esquecido.

09/04/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)

VERSOS LUNÁTICOS

Plectro solar, a vida é um pulsar,
o coração envolto em beberagem,
a sangria da noite crepuscular
traz o miasma da saudade.

Avante meu nobre estro,
subo a escada do pub
sob a neblina densa,
um ar de charuto
na dança,
os jogos da memória
e da musa,
os silêncios das ancas,
as febres azuis
e os delírios vermelhos.

Oh lua!
Estás semi-nua?
rito do sol,
estrada do arrebol,
fumo e soco,
paz e guerra
nos caldos de vida
que a poesia
rediviva
eclode
feito
tiro.

08/04/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)

ONDA ESBELTA

Faz de conta que tudo é belo.
Faz-me andar esteta
e esbelto.

Oh, que morte indizível,
meu lar é bruma sob
escansão,
meu ar se volúpia
de não cessar!

Ah, quanta maré de mar
ao amor que vai,
e volta
ao mormaço
que aço
super-ferro
o corpanzil.

Eis, a beleza estulta,
que canta
ao inverso,
no reverso
de meu estro,
verso eterno
na crista da onda.

08/04/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)

EU SOU ALEX

A evolução não cessa,
o apto vai em frente,
o corpo é o novelo
de seu fim,
é o espasmo de seu
começo,
o fundamento
de seu meio.

Não olhei a queda,
vi o sorriso.
Não senti a morte,
encarei tua vida.

Olhei o pranto,
não cerrei os olhos.

A evolução, fúria darwiniana,
concentra tal poesia
e síntese,
és a vida,
da origem ao meio,
do fim ao sem fim,
um cromossomo
de como somos
infinitos,

A vida salta, o corpo ao
chão levanta e se solta,
o nome de nosso irmão,
filho, amigo ...
a evolução nos leva,
lá ao norte,
na sabedoria acima
dos rubis.

08/04/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)


OLHARES ÉBRIOS

Prefiro o silêncio, desarmo o corpo,
encontro a alma, esta flutua.

Busco a contemplação:
este espírito infantil
do nada,
e todas as coisas contidas
na respiração.

Logo, o poema resiste,
seu pêndulo concentra
o olho,
circula a esfera.

O poema-bruma bruto caudaloso ...
corre semeadura e a palavra
           absurda.

Caio em silente rio, prumo dos ouropéis,
o folguedo das rosas,
os vinhos dos vícios,
as fadas das virtudes.

O poema silencia sob forma de versos,
sua fala é um sussurro,
se grita algo, meus caros,
é pelo olhar.

08/04/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)

SYLVIA PLATH

“uma das vozes mais intensas da poesia norte-americana.”
   Sylvia Plath, mais conhecida como poetisa, norte-americana, também atuou como romancista e contista. Dentre suas obras, podemos citar: The Colossus and Other Poems (1960), The Bell Jar (1963), Ariel (1965 – póstumo), dentre alguns lançamentos póstumos posteriores. Sylvia Plath pode se destacar com seu romance autobiográfico “A Redoma de Vidro” (The Bell Jar) sob o pseudônimo Victoria Lucas, e sua poesia pode ser situada na área confessional que reúne Anne Sexton, e que foi iniciada por Robert Lowell e W.D. Snodgrass.
   Muito em Sylvia Plath evoca uma imagem recorrente e que se torna um padrão forçado de artista, os que são colocados numa classe na qual se inclui uma mítica contemporânea do artista morto no auge de sua carreira e criatividade. É um culto do gênio trágico e suicida, o que carrega uma aura artificial e romantizada por dados negativos que, por serem romantizados e idealizados, se tornam virtudes de um gênio desenfreado e que morre jovem. A figura do mártir que, além de Sylvia Plath, tem uma coleção famosa na literatura, e que não é só de mortes juvenis, mas sempre trágicas: Ernest Hemingway, Cesare Pavese, Virginia Woolf, Maiakóvski, Anne Sexton, Hart Crane, Yukio Mishima.
   Há uma valorização de aspectos da personalidade desses escritores trágicos, o que muitas vezes obscurece o trabalho literário realizado pelos mesmos. No caso de Sylvia Plath, o fato que é dimensionado em demasia, pelo choque que provoca, é seu suicídio em Londres, em fevereiro de 1963. Sendo que as circunstâncias que precederam sua morte são exploradas e se tornam um espetáculo da mídia e da academia. E o resultado é uma deformação no cânon plathiano que reflete mais seu suicídio do que o interior de seu processo criativo.
   A publicação de seu romance autobiográfico The Bell Jar, um best-selller nos Estados Unidos com 80 mil exemplares vendidos em um ano, também contribuiu para colocá-la como um mito literário, distanciando a crítica e o público do fato de que Sylvia Plath era fundamentalmente uma poetisa, distorção que teve como outro efeito uma recepção equivocada de seu livro póstumo Ariel.
   O trabalho disforme de uma crítica fascinada pelo mito Plath pode ser corrigida pela crítica literária norte-americana Marjorie Perloff que, numa perspectiva mais atual, coloca Sylvia Plath na dimensão que, embora tenha sua produção interrompida precocemente, é situada como uma poesia de imagens e ritmos que Marjorie considera limitados e até clássicos, mas que tem o mérito de lembrar que Plath vem de uma senda de poetas norte-americanos que vieram após uma linhagem nobre que incluía, dentre outros, T.S.Eliot, Stevens, Frost e Auden. E a situação literária de Sylvia Plath, para Marjorie, era a de que maneira Plath poderia inovar dentro de certas convenções, tendo esta herança, e de como ela poderia transcender o cânon de peso destes poetas históricos. E o dilema de Plath, então, foi sobretudo conseguir, por meio de intensa atividade textual, uma voz própria e nova, o que, no seu caso, se serviu de convenções clássicas no molde confessional que foi sua marca.
   O suposto extremismo confessional de Sylvia Plath em seus poemas, que tem referência em sua escrita subjetiva, que, num momento da crítica, a situou ao lado dos poetas chamados os da “situação limite”, e que manifestavam uma escrita até violenta, tem com Plath um jogo em que uma aparência de confessional como desabafo, é equilibrada com um modo hábil de fazer poemas que a poetisa modula através do controle e da manipulação que, em poesia, são reflexo de uma mente informada e inteligente, e não apenas passional.
   A experiência pessoal em Sylvia Plath, portanto, não peca pela ego trip. A poetisa escapa deste erro e perigo, tudo com seu conhecimento e habilidade poéticas, que são uma prática de reflexão e expressão estudadas e não somente de um espontaneísmo juvenil ou de cepa visceral. O colapso nervoso ou o registro instantâneo delirante, a veia narcísica, e outras armadilhas, são evitadas por uma escrita que coloca o termo autobiográfico a favor da poesia, e não o contrário. O que distancia a poética de Plath de um equívoco de crítica que tenta situá-la como excepcional “graças” a sua vida trágica e suicida.
   Portanto, o que se dá na poesia de Sylvia Plath é um método de escrita que não tem relação com uma certa crítica que a idealiza no espírito da tragédia de seu suicídio, mas que é, antes de tudo, um trabalho poético que revela um controle absoluto, praticamente fascista, sobre a linguagem. O teor confessional e pessoal, mesmo que muitas vezes perverso e violento, não é gratuito, mas serve a um projeto de construção de linguagem. A emoção serve a um artesanato em que o material autobiográfico está sob um modelo consciente e determinado. A linguagem em Sylvia Plath é mais um serviço à poesia, no sentido lato, do que simplesmente um fervor de confissão emocional. A poesia de Sylvia Plath passa longe, para a nossa sorte, destes poetaços que se inspiram somente em fazer “comentários sobre a vida”.
   Sylvia Plath, em seu débito literário, está no imagismo de Pound, o que a leva ao sopro da poesia oriental, de formas breves, que será, por vezes, seu meio de expressão. Mas, tal brevidade poundiana não esgota a poesia de Sylvia Plath, pois seu estudo das formas clássicas vai além disso, e que também a coloca não como uma pioneira ou grande inovadora da linguagem, mas como ponto forte de tradições reafirmadas.
   A poesia de Sylvia Plath vem carregada também, e por outro lado, com um tanto de sua mitologia pessoal. Embora o mito possa, contudo, invadir biograficamente, sob uma forma disforme ou romântica, chegando ao disparate do espetáculo, criada pelo mau hábito de uma parte da crítica literária a respeito da poetisa, a análise de sua poesia. O que coloca a fortuna crítica a respeito de Sylvia Plath, por sua vez, como passível de revisão, no sentido de ordenar o mito com sua poesia escrita.
   Também podemos estender as influências de Plath, relacionando sua poesia, muitas vezes, com o objetivismo de Williams e o conceito de “Coisas” buscado na poesia de Rilke. Tendo sua qualidade imagista proximidade com o Zen, além do animismo poético de Roethke e de D.H.Lawrence, pois há uma lente de aumento sobre a natureza e sua respectiva humanização, e que ganhará sua expressão mais rarefeita em Ariel.
   A apreensão do mundo exterior, sendo subjetivado como estados interiores, tem sua expressão na poesia de Sylvia Plath principalmente nos poemas de 1962 e 1963, o que se pode ver no poema “Espelho”. Quando se fala em animismo na poesia de Plath, se fala de incorporação do mundo circundante na alma poética, que é o sujeito confessional, embora além da fronteira da pura interioridade, na sua relação com objetos da realidade material e natural, portanto, anímico.
   Dentre algumas expressões fortes nos poemas de Sylvia Plath, podemos citar, do poema “A Lua e o Texto”: “Esta é a luz da mente, fria e planetária./As árvores da mente são negras.” Deste ponto pode-se depreender o citado animismo, reunindo o estado mental, do sujeito poético, num significado que une um aspecto cosmológico ao conteúdo mental, no qual a alma, como mente, também é, por que não, cosmos, universo, e árvores negras. No poema “Espelho”, por sua vez, podemos ver os seguintes trechos: “O olho de um pequeno deus, com quatro cantos.” ... “Sou um lago, agora.” Aqui, Sylvia Plath, se une ao espelho, ser deificado e com um olho de quatro lados, e que a transforma num lago. Plath vê sua alma no espelho, e o olho do espelho é o lago de sua alma, seu corpo no espelho vira lago por que a sensação do espelho, como reflexo, vem deste olho que tem quatro cantos, e que nada mais é do que o olho de quem se vê no espelho.
   No poema Olmo, da exploração do espelho passamos ao fundo de tudo: “Sei o que há no fundo, ela diz. Conheço com minha própria raiz./Era o que você temia./Eu não: já estive lá.” Aqui a expressão de Sylvia Plath é enigmática, mas que tem, a quem é poeta, uma claridade evidente, que é o fundo da alma vendo a si mesma, que vai do poema Espelho a este Olmo, que diz do fundo e não o teme, fundo do qual quem não faz poesia, desconhece e teme. A raiz é seu fim e seu começo, como Eliot, e neste radar em que “a cobra morde o rabo”, Sylvia Plath diz que já teve uma experiência, temível a quem é covarde, mas que o poeta, ao ver seu saber de raiz, o expressa, e por isso cria, e por isso alcança a si mesmo sem o temor dos que andam na superfície. O fundo, a raiz, Plath já esteve lá.
   Em Ariel, o poema que dá título ao seu livro póstumo, o ar rarefeito se torna óbvio: “Estase no escuro./E um fluir azul sem substância/De penhasco e distâncias.” Agora o fluxo de Plath é sem substância, imerso no azul imaterial que a joga em penhasco e distâncias, pois na fronteira final se perde a substância e o azul eclode como o fluxo em que Sylvia Plath dá o seu canto do cisne, já que Ariel é a expressão de algo que está rarefeito e que vai para longe de tudo. Sua poesia, Sylvia Plath, agora flui livremente, e seu suicídio é um acidente, e sua poesia a condição de seu devir e o sentido que a linguagem, nesta aventura, tem como literatura e história de vida, sem o equívoco de glorificar sua morte, mas com a lucidez de ler seus poemas de modo isento.
   No poema “Palavras” temos o golpe chamado destino: “Do fundo do poço, estrelas fixas/Governam uma vida.” Sylvia Plath tem pleno domínio do que é  e de como o universo se processa, pois as estrelas fixas são seu destino, e o governo da vida vem do fundo do poço, que é, mais uma vez, raiz, espelho. A influência cósmica das estrelas fixas, que na linguagem comum podemos chamar de destino ou fortuna, palavras que significam o governo da vida com as coisas que acontecem, é uma influência que se torna experiência da poesia em Sylvia Plath. A poesia que se encerra com seu fim precoce, não limita, contudo, o valor histórico desta poetisa que se tornou uma das vozes mais intensas da poesia norte-americana.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

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