PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

SYD BARRETT

“Syd estava envolvido em experimentos caóticos”
   Roger Keith Barrett nasceu no dia 6 de janeiro de 1946. Já desenhava desde cedo. Quando entrou para a Cambridge High School, seu interesse era a pintura. Quando tinha 14 anos, o interesse musical de Roger atingiu o mesmo nível obsessivo que ele mantinha em relação à pintura.
   Roger ganhou o apelido Syd no Riverside Jazz Club, lugar que frequentou. Syd formou sua primeira banda, Geoff Mott and the Mottoes, com o líder Geoff Mott, que era um jovem ruivo e desengonçado que usava óculos. O baixista era um jovem de 18 anos de nome Roger Waters. Syd então, nesses tempos, é fisgado pelo disco de estreia dos Beatles, e provavelmente teria continuado a insistir na carreira de artista plástico, se não estivesse enfeitiçado pela ideia de se tornar um astro do rock.
   Quando o ano acadêmico da Escola Técnica começou, Syd se aproximou de David Gilmour, que se tornara um ótimo guitarrista, tecnicamente muito à frente de Barrett. Os dois passavam as horas do recreio numa sala aperfeiçoando-se nos riffs dos Rolling Stones.
   Syd foi aceito na escola de arte de Camberwell, em Peckham, Londres. Na primavera de 1964, o amigo John Gordon notou uma mudança pontual na arte de Syd, com uma tendência acentuada ao abstrato. Barrett havia chegado a Londres em 1964, junto com seu colega Bob Klose, o qual foi cursar arquitetura na Regent Street Polytechnic, onde Roger Waters estudava há dois anos. Roger estava vivendo num casarão recentemente desocupado pelos amigos Nick Mason e Rick Wright. Klose, Barrett e Dave Gilbert se mudaram para lá. Mason, de família abastada, voltara temporariamente para sua casa, e Wright casara-se recentemente com Juliette Gale. A casa pertencia a Mike Leonard, um arquiteto de meia idade, e tinha um sótão cheio de gongos chineses, xilofones e flautas orientais, e Leonard interessou-se com entusiasmo pela ideia de um grupo formado por Klose, Barrett, Waters e Mason.
  Sendo o melhor músico do grupo, Klose era o guitarrista principal, acompanhado por Waters no baixo e Barrett fazendo a base da guitarra, enquanto Mason tentava harmonizar tudo na bateria. Mike, que tocou piano no primeiro show da banda, se interessou por um show de luzes, ele passou a mexer nas luzes e colocar alguns moldes para projetar na tela. Já era o embrião dos shows de luzes do Pink Floyd.
    A banda se autointitulou Leonard`s Lodgers (Os Hóspedes de Leonard). Os membros do grupo aumentaram com a entrada de Rick Wright no piano, mas havia o problema do vocal. Entrou então para isso Chris Dennis. A viagem de Syd a Cambridge não foi bem-sucedida na tentativa de descobrir um cantor, mas ele voltou com um novo nome para a banda, de dois álbuns de uns antigos cantores de blues da Georgia chamados Pink Anderson e Floyd Council. Eis: Pink Floyd. Posteriormente, Syd alegaria que o nome da banda teria sido sugerido por um disco voador enquanto estava sentado ao horizonte de Glastonbury em Somerset.
   Com os gongos e aparelhos eletrônicos no sótão do casarão, Syd experimentava, e foi aí que se desenvolveu o primeiro som do Pink Floyd. Depois, em janeiro de 1965, Dennis foi mandado para o Golfo Pérsico. Nos 18 meses seguintes, o Pink Floyd manteve-se como um hobby. Waters, Mason, Wright e Klose não tinham intenção nenhuma de largar os estudos e Syd, por sua vez, estava mergulhado em suas pinturas, embora já estivesse sendo levado pelo seu interesse musical. E seu papel na banda foi ficando mais importante, e então ele entrou para os vocais principais. Mas, surgiu uma rixa, Bob Klose tinha estilo mais próximo do jazz tradicional, e começou a bater de frente com Syd, que seguia o estilo dos Stones. Klose deixa o grupo.
   Já em St.Tropez, todos já estavam usando a droga que ficaria associada eternamente ao nome do Pink Floyd: Dietilamida do Ácido Lisérgico, mais conhecida como LSD. E na sua primeira viagem da droga, Syd segurava uma laranja, uma ameixa, e uma caixa de fósforos e ficou encarando esses objetos enquanto viajava. Foi uma viagem peculiar num mundo criado por ele. A ameixa era o planeta Vênus e a laranja, Júpiter. Syd flutuava no espaço entre os dois planetas. As viagens interestelares de Syd terminaram quando, Ian Moore, sócio de longa data do Pink Floyd, também chapado, mordeu um pedaço da ameixa, destruindo o planeta Vênus de Syd.
   Barrett ainda pintava, mas seu trabalho estava agora altamente influenciado pelas visões que tinha ao usar ácido. Na banda, Syd estava experimentando, e tudo girava em torno dele. O resto da banda só podia segui-lo. O Pink Floyd, naquela época, nunca fora uma banda comunicativa entre os membros no palco, mas o conjunto funcionava bem.  E um dos lugares em que eles tocavam, o UFO, tornara-se o centro do mundo underground. Syd usava dois ou três ecos em sequência, tirando-os de amplificadores diferentes, formando uma espécie de campo de som, um banho de textura de som. Um sopro de mudança tocava o mundo do pop e o Pink Floyd, um grupo virtualmente desconhecido há pouco, estava agora na vanguarda, marcando presença no The Marquee. O desenvolvimento do Pink Floyd sempre estará ligado à audiência notívaga do UFO, mas, por outro lado, o show no The Marquee pôs a banda em contato com outro tipo de público. No UFO, eles aproveitavam uma noite livre para experimentar, mas o The Marquee deu ao grupo uma audiência muito mais ampla para divulgar seu trabalho. O repertório de R&B já sumia, e já havia a necessidade de mais músicas originais e de natureza estranha.
   O Pink Floyd se profissionalizou e entrou nos estúdios Sound Techniques, em Chelsea, para gravar seu primeiro single. Com John Wood como engenheiro de som, o Floyd selecionou as músicas de Barrett “Arnold Layne” e “Let`s Roll Another”, esta última renomeada para “Candy and a Currant Bin”. O Pink Floyd, já no contexto de lançamento do single, inicialmente, se mostraram como quatro músicos que não eram espetaculares, mas que conseguiram, juntos, criar algo extraordinário. Syd era a mente criativa da banda, Roger não conseguia afinar seu baixo porque era surdo para os tons, era Rick quem afinava o instrumento. Syd foi o primeiro guitarrista conhecido a usar um dispositivo chamado Binston Echorette, que era uma espécie de predecessor de todos os sistemas digitais de delay que os guitarristas usam atualmente. Syd o usava na sua guitarra quando ninguém tinha sequer pensado nisso.
   O Floyd finalmente assinou com a EMI. E a banda tocou pela primeira vez no Top Of The Pops, e foi um momento grandioso, mas toda a carga de trabalho da banda, que tocava frequentemente para audiências cafonas, era cada vez maior, além da pressão para novos hits. Logo em seguida, em 12 de maio, o Pink Floyd realizou uma apresentação chamada Games For May. O show foi um marco e pavimentou o caminho para grandes concertos nos anos 70 e 80. É nesta apresentação que o Pink Floyd utilizaria o seu muito alardeado Azimute Co-ordinator, isso permitia ecoar o som por todo o ambiente de modo que o grupo desenvolvesse um completo sistema de som quadrifônico.
   Nos períodos seguintes, por volta de meados de 1967, o comportamento imprevisível de Syd tornava-se cada vez mais evidente, seu consumo de LSD era extremo. Uma surpresa muito desagradável esperava por David Gilmour, quando ele foi chamado no Chelsea Studios, durante a gravação de “See Emily Play”. Segundo ele: “Syd não conseguia me reconhecer e ficou me encarando, eventualmente eu acabaria por conhecer aquele olhar muito bem e afirmo que foi naquele momento que ele  mudou. Fiquei em choque, ele era outra pessoa.” Quanto aos outros membros da banda, Mason, Wright e Waters, podem ter se aventurado com o LSD mas sempre preferiram bebidas às drogas. Barrett, por sua vez, era um entusiasmado defensor do LSD desde o início de 1965. Pete Townshend (The Who) admirava o modo selvagem como Syd tocava, mas percebeu que na época em que conheceu o Pink Floyd, Barrett já estava muito fodido. “Curiosamente, a pessoa que mais me intimidava era Roger Waters. Ele tinha um semblante apavorante dentro e fora dos palcos. Em comparação a ele, Syd era trágico e de dar pena.” Disse Townshend.
   A irmã de Syd, Rosemary, que ficara entusiasmada com o sucesso do primeiro single da banda, percebeu que algo estava terrivelmente errado. “Na próxima vez que o vi, ele tinha mudado tanto que não consegui mais me conectar com ele. O irmão que eu conhecia desapareceu. Depois daquele encontro, simplesmente não conseguia mais gostar das músicas.” A descrição mais vívida da desintegração de Syd foi feita por Joe Boyd: “O Pink Floyd voltava ao UFO para o seu primeiro show após 2 meses afastados do lugar ... Eles passaram por mim ... eu os saudei um a um, conforme iam entrando. O último foi Syd, cuja melhor característica sempre foi o brilho de seus olhos. Eu quero dizer que os seus olhos realmente cintilavam, ele tinha um quê de travesso. Quando ele se aproximou eu disse ‘E aí, Syd?’ e nós nos olhamos, mas eu não vi o brilho, nem uma fagulha sequer. Era como se alguém tivesse fechado as cortinas, como se não houvesse ninguém ali. Foi um verdadeiro choque. Muito, muito triste.”
   A crescente reputação de Syd como compositor e guitarrista inovador já tinha feito dele a estrela do grupo. O crescente status do Floyd foi posteriormente ilustrado por uma quantidade incomum de reportagens feitas a partir do final de julho. O mundo estava aos pés do Pink Floyd. Na gravação do álbum The Piper at the Gates of Dawn, tudo foi feito muito rápido, e o disco representava um caráter bastante experimental. Havia coisas incomuns como double tracking e overdub de performances inteiras de cada um dos seus integrantes, como “Interstellar Overdrive”. O produtor Smith, contudo, teve sérios problemas com Syd nas gravações. “Syd era um inferno ... Ele parecia não se entusiasmar com nada. Cantava uma música e eu o chamava na sala de controle para dar algumas instruções. Aí, ele voltava e não cantava nem a primeira parte do mesmo modo, ... às vezes, até mudava as palavras das músicas, não tinha disciplina alguma. Falar com ele era o mesmo que falar com uma parede ... suas letras eram simples e infantis.” E Smith descobriu que só havia um modo de gravar com Syd Barrett, o modo escolhido pelo próprio Syd. Enquanto o Pink Floyd gravava nos estúdios dois e três da Abbey Road, os Beatles estavam logo ao lado terminando Sgt. Pepper`s Lonely Hearts Club Band. Posteriormente, Paul McCartney disse à imprensa que o álbum do Pink Floyd era “um nocaute”.
   The Piper at the Gates of Dawn, lançado no dia 5 de agosto de 1967, foi aclamado universalmente. O álbum de estreia do Pink Floyd explodiu numa fúria provocada pelo ácido e foi o despertar do psicodélico na Inglaterra, assim como Surrealistic Pillow, do The Jefferson Airplane, foi para o festival San Francisco’s Summer Of Love. E a loucura era muito verdadeira: o fundador e principal compositor, Syd Barrett, já estava a caminho de um colapso psicológico pelas drogas quando o álbum foi lançado. Syd tornava-se cada vez mais isolado e errático. E depois de uma passagem desastrosa pela costa leste americana, Waters e Mason tinham decidido: algo precisava mudar.
   Um terceiro single foi forçosamente retirado da estrela relutante. “Apples and Oranges” foi lançado no dia 18 de novembro tendo “Paintbox”, de Rick Wright, no outro lado, mas, esta experiência foi o primeiro fracasso do Pink Floyd. Por sua vez, Syd tocava cada vez menos nos últimos meses, e por volta de novembro, frequentemente passava shows inteiros tocando o mesmo acorde repetidamente enquanto encarava a audiência com um olhar vazio. Syd estava envolvido em experimentos caóticos, e Waters e os outros nutriam um sentimento crescente de que ele estava fazendo todos parecerem idiotas. Nick Mason disse: “Nós hesitamos ao pensar que não conseguiríamos nos manter sem Syd. Então aguentamos quem só pode ser descrito como uma porra de um maníaco.” E Waters: “a coisa chegou a um ponto em que tivemos que dizer a Syd para ir embora, pois o respeitávamos como compositor, mas seu desempenho era inútil. Ele estava envolvido em tantas coisas que nenhum de nós conseguia entender. Ele desafinava sua guitarra e dedilhava as cordas frouxas. Costumávamos sair do palco sangrando porque socávamos as coisas de tanta frustração.”
  Então, Waters, Mason e Wright concordaram que o substituto óbvio para Syd deveria ser David Gilmour, que estava em Londres vivendo de esmolas após um ano de trabalho na França. O Pink Floyd se apresentou cinco vezes como uma banda de cinco integrantes, e depois chegaram a conclusão de que não fazia sentido Syd estar presente apenas para estragar tudo. Waters então cogitou de Syd se tornar uma figura como Brian Wilson (do Beach Boys), ou seja, escrever músicas e comparecer às sessões de gravação, mas Syd não se convenceu, e então estava tudo acabado para Syd no Pink Floyd. A separação não foi confirmada até 6 de abril (1968), mas a contribuição musical de Syd terminou logo no início de janeiro. Ele tinha deixado pronto um quarto de gravações do segundo álbum Saucerful of Secrets. O disco termina com a música “Jugband Blues”, o que resultou numa grande comoção depois de seu surto e sua consequente saída da banda.
   Em maio de 1968, Pete Jenner levou Syd novamente aos estúdios para uma tentativa de gravar algumas faixas solo. Mas após uma semana, foi forçado a reconhecer a derrota. Logo depois disso, Syd, cheio de LSD e grande quantidade de pílulas de mandrax, iniciou uma longa viagem em seu Mini pela Grã-Bretanha. A jornada terminou em Cambridge, onde ele recebeu tratamento psiquiátrico no hospital local, no qual um número de pacientes viciados em ácido já tinham sido tratados. Após a internação, Syd volta para Londres, e pouco antes do natal de 1968, mudou-se para um apartamento de 3 quartos, que dividiu com Duggie Fields. Durante as primeiras semanas no flat, o estado geral de Syd melhorou consideravelmente, e já falava em voltar às gravações, já que era um membro respeitado e que fazia muita falta ao mundo underground londrino. Além disso, compôs uma grande quantidade de músicas desde a separação da banda. Essas composições, juntamente com as gravações incompletas que havia produzido nas últimas sessões de estúdio com Pete Jenner, seriam a base do seu primeiro álbum solo.
   Malcolm Jones, um recém-contratado pela EMI, chefiava a Harvest, um selo novo e progressista criado pela EMI. Jones queria investir na carreira solo de Syd. Relatos sombrios sobre a bagunça e o caos que dominavam os estúdios com Syd, já haviam chegado ao seu conhecimento, tais como microfones quebrados e outros comportamentos de estrela. Embora a EMI nunca tenha responsabilizado Syd pelos danos, estava claro que ele era persona non grata em Abbey Road. Então, Barrett começou a trabalhar no estúdio três da EMI em abril tendo como produtor o próprio Malcolm Jones. No mês seguinte, vários membros do Soft Machine enfrentaram a difícil tarefa de editar e montar as faixas irregulares e imprevisíveis de Syd. Ironicamente, a natureza excêntrica das músicas do The Madcap Laughs é o que o torna tão estimado por muitos fãs de Barrett.
   A essa altura, o Pink Floyd já tinha terminado as gravações da trilha sonora do filme More, e depois de um encontro com Syd no apartamento de Waters em Shephers Bush, concordaram em acelerar a produção do The Madcap Laughs, tomando para si próprios as músicas restantes. Depois, Waters e Gilmour voltaram suas atenções para o terceiro álbum da banda, Ummagumma, o que, juntamente com uma breve turnê na Holanda, significou o adiamento dos acertos finais no álbum de Barrett para o final de julho. Syd ficou frustrado com o atraso, e decidiu tirar o feriado para juntar-se a uma multidão hippie de Cambridge que partira para Ibiza.
   De volta a Londres, Syd retomou os trabalhos de seu álbum, já na fase final. Segundo Gilmour, a EMI estava cada vez mais preocupada com o projeto, no qual investira grande quantia de dinheiro e ainda não tinha visto nenhum retorno. A última sessão de The Madcap Laughs aconteceu em 26 de julho. Devido ao prazo, tudo foi muito rápido, e a apressada última sessão trouxe à tona um Syd muito diferente do início dos trabalhos na primavera. O que aconteceu nos estúdios naquele dia poderia ser descrito como o retrato de um colapso. Syd gaguejava ao cantar “She Took a Long Cold Look”, era possível ouvir o virar das páginas que continham a letra da música. Com uma voz torturante, começou a cantar “Feel” sem que a guitarra o acompanhasse. No fechamento de “If It´s in You”, finalmente ele desaba e é preciso reiniciar tudo, e o álbum ficou como “o exemplo de loucura e desordem da mente de Barrett”, como sugeriu a Melody Maker.
   A reação inicial ao álbum, porém, foi favorável, a revista Disc, por exemplo, anunciou que era “um excelente álbum para começar 1970”, e a EMI decidiu que a resposta do público foi suficientemente positiva para garantir o lançamento de um segundo álbum, cujas gravações começaram em 26 de fevereiro. E o álbum seguinte de Barrett teve Dave Gilmour como produtor, Rick Wright como tecladista, e Jerry Shirley tocando bateria. Gilmour recorda-se: “Dessa vez nós tínhamos a oportunidade de trabalhar no álbum desde o início, mas ainda tivemos que lidar com o fato de que existiam dois modos de gravar com Syd. Um deles era estabelecer uma faixa base e fazer com que ele tocasse com ela, o que resultava na perda de algo essencial no modo de Syd tocar. O outro modo era gravar a performance de Syd primeiro e depois adicionar todos os outros elementos, o que perdia o sentido básico de conjunto. De um jeito ou de outro, era um massacre.”
   Mais adiante, o estado de Syd era agravado pela legião interminável de parasitas, usuários e facilitadores de drogas, além de fanáticos que ele atraía. No entanto, Syd ficou noivo de sua namorada Gayla em 1° de outubro de 1970, e a fervorosa esperança da senhora Barrett com a perspectiva de casamento de Syd foi algo surpreendente. Naturalmente, era seu desejo ver o filho de 24 anos se estabelecer e esquecer o mundo pop que já havia feito um estrago na sua vida. O noivado estava fadado a não durar muito. Segundo Gayla, as agressões de Syd se tornavam cada vez mais frequentes, e Gayla fugiu uma vez mais para a casa dos pais, e lá recebeu uma carta formal de Syd afirmando que o noivado estava cancelado.  Mas ele deve ter mudado de ideia rapidamente, pois Gayla recebeu outra carta afirmando o quanto ele a amava e implorando para que o aceitasse de volta. Depois de uma série de longas conversas telefônicas, o casal decidiu fazer uma última tentativa de reconciliação e combinaram de se encontrar na estação de trem de Bishop`s Stortford. Gayla ficou chocada ao ver que Syd ainda usava o corte skinhead. No caminho de volta para a fazenda, ele a acusou de traição e a enorme briga que se seguiu teve que ser apartada por vizinhos. O noivado terminava de uma vez por todas. Com a longa e tempestuosa relação terminada, Syd voltou sozinho para Cambridge.
   De início, parecia muito feliz de viver no porão da casa de sua mãe, passando a maior parte do tempo ouvindo discos e tocando músicas no porão. Porém, o terceiro álbum solo se tornou um mito, e três anos depois de sair do Pink Floyd, Syd estava recluso e inativo, contrastando com o Pink Floyd, que era sucesso de público e de crítica. E a ausência de Barrett no cenário musical fazia com que os rumores aumentassem mais ainda, embelezados por cada novo boato. Durante o verão de 1971, várias fontes londrinas diziam que Barrett estava morto, preso ou em estado vegetativo. Enquanto isso, Syd estava no estado natural de tensão e doença, “com os olhos refletindo um estado permanente de choque”, segundo um repórter da Rolling Stone que o entrevistou. Syd passava seus dias vagando por Cambridge, brincando com sua guitarra, ouvindo discos ou pintando. No porão, passava a maior parte do tempo cercado de pinturas e discos, amplificadores e guitarras.
   Ainda neste período, Barrett forma uma banda, que se chama Star, mas que teve vida breve. Depois de um show desastroso, o que se via era um homem se desintegrando como numa peça ruim de teatro, mas era real, e foi como assistir a uma pessoa tentando recuperar uma memória dolorosa e, na semana seguinte, Syd vem com a Melody Maker em mãos, e anunciou a um dos membros de seu grupo, Twink, que estava tudo acabado. A revista havia detonado a banda.
   Barrett nunca mais tocou ao vivo nenhuma de suas músicas, mas durante uma breve visita a Londres, o insistente Pete Jenner o levou para os estúdios Abbey Road para mais uma investida no seu terceiro álbum. Um dos sócios de Jenner descreveu a tentativa como um caos, pois Syd repetidamente regravava partes de guitarra sobre partes de guitarra, criando um amontoado de barulho insuportável. Jenner ficou terrivelmente frustrado e nada pôde ser aproveitado daquela sessão. A tentativa de Syd de retorno aos palcos e aos estúdios de gravação tinha sido, enfim, um desastre. E sua crise pessoal foi agravada pela contínua ascensão do Pink Floyd, que retornava como uma fênix depois da separação em 1968.
   Ironicamente, durante o período de inatividade, a renda pessoal de Syd cresceu, e enquanto as lendas em torno dele continuavam a crescer, ele passava os dias largado em frente a uma enorme televisão em forma de bolha, pendurada no teto. A mística em torno de Barrett levou, no final de 1972, à formação da Syd Barrett International Appreciation Society, que produziu uma revista intitulada Terrapin. A sociedade genuinamente se preocupava com o bem de Barrett, embora tenha sido rotulada por Nick Kent, do New Musical Express, de “trivial e fanática”.
   Já em novembro de 1974, Jenner, sentindo certa melhora, conseguiu persuadir Syd a voltar aos estúdios, mas todo o processo resultou num enigma deprimente. Quando tudo parecia em ordem, eles começaram. Syd havia pedido a alguém para digitar a letra de sua nova música, e quando a folha foi entregue, ele pensou que fosse uma cobrança, agarrou a mão do cara e tentou morder os dedos. Ele permaneceu no estúdio por três dias e o material resultante poderia ser descrito como extremamente estranho, apenas a base das músicas foi gravada sem nenhum vocal, e o material nunca alcançou o nível necessário a partir do qual pudesse ser mixado e permaneceu sem ser lançado.  
   Depois de mudar a sua imagem e ficar completamente careca, Syd era agora um bebedor da cerveja Guinness, o que lhe deixou inchado em poucos meses. E nas gravações do Pink Floyd do álbum Wish You Were Here, houve mais um ato enigmático de Syd. No dia cinco de junho, Gilmour percebeu uma figura gorda e com a cabeça raspada andando completamente aéreo no estúdio três da Abbey Road, ele andava em volta dos equipamentos, entrou na sala de controle, enquanto os músicos do Floyd se perguntavam: “Quem é esse esquisitão?”. E Gilmour então o reconheceu. Neste ínterim, Syd tinha a rotina de assistir televisão o dia todo no seu apartamento. E já no filme The Wall, do Pink Floyd, teve um elemento indiscutível retirado da história de Barrett na saga do herói Pink, interpretado por Bob Geldof, cujo despontar ao estrelato foi acompanhado pela decadência em direção à loucura.
   Em janeiro de 1988, a EMI lançou os álbuns da carreira solo de Barrett em CD. E eles venderam bem. E era do conhecimento de todos que as diversas canções gravadas por Barrett e não lançadas estavam perecendo nos arquivos da EMI. E a gravadora recebeu, durante anos, inúmeras ligações telefônicas, cartas e verdadeiras petições de fãs de Syd implorando pelo lançamento de qualquer material remanescente nos arquivos. Assim como a figura do cantor, os chamados “materiais perdidos” dos álbuns de Barrett também foram tomadas de aura mítica, e o resultado dessa pressão foi Opel, uma compilação das músicas deixadas de lado nos dois álbuns solo de Barrett.
   Sobre a vida de Barrett, sua irmã Rosemary disse ao jornal Sunday Times que a vida do irmão era “entediantemente comum”. Ele cuidava de si próprio, da casa e do jardim, e fazia compras básicas de bicicleta. Mas é claro, a sua paixão era a pintura. Até os anos 90 ele fumava bastante, mas sua família afirmava que ele cuidava muito bem de si mesmo. E, embora tenha passado um breve período no hospital psiquiátrico Fulbourne, nunca passou por qualquer cirurgia para tratar de sua saúde mental ou sequer tomou medicamentos psiquiátricos regularmente. Embora se diga que ele tomou Clorpromazina durante sua internação, ele fez terapia em grupo e outras formas de processos terapêuticos e ficou muito satisfeito.
   No início dos seus cinquenta anos, Barrett foi diagnosticado com diabetes, mas ficou reticente de tomar comprimidos e sua condição física se agravou nos últimos anos de vida. E o mais espantoso é que ainda era grande a quantidade de royalties recebidas por alguém que não gravava nenhuma música há 26 anos. Por sua vez, o assunto do verão de 2005 foi o enorme concerto Live8, em Londres, e o destaque do evento foi a reunião no palco dos membros do Pink Floyd - Roger Waters, David Gilmour, Rick Wright e Nick Mason – pela primeira vez desde 1981. E, embora a banda tenha considerado brevemente convidar Syd para participar, a perspectiva de reencontrar seus antigos colegas de banda pela primeira vez em vinte e cinco anos parecia não tocar Syd. “Eu o encontrei hoje pela manhã e disse as novidades, mas ele nem reagiu” Rosemary disse ao Cambridge Evening News. “Essa é uma outra vida para ele, outro mundo e outro tempo. Ele não é mais Syd, ele é Roger.” E então Syd, que já sofria de problemas estomacais e diabetes, tinha agora um câncer pancreático descoberto em estado terminal. Já enfermo, Syd foi internado no fim de maio de 2006, com a expectativa de vida de algumas semanas, Syd parecia aceitar o seu destino. Ele queria voltar para casa, conseguiu, e morreu em três dias.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/19747/14/syd-barrett