“Syd estava envolvido em experimentos caóticos”
Roger Keith Barrett
nasceu no dia 6 de janeiro de 1946. Já desenhava desde cedo. Quando entrou para
a Cambridge High School, seu interesse era a pintura. Quando tinha 14 anos, o
interesse musical de Roger atingiu o mesmo nível obsessivo que ele mantinha em
relação à pintura.
Roger ganhou o
apelido Syd no Riverside Jazz Club, lugar que frequentou. Syd formou sua
primeira banda, Geoff Mott and the Mottoes, com o líder Geoff Mott, que era um
jovem ruivo e desengonçado que usava óculos. O baixista era um jovem de 18 anos
de nome Roger Waters. Syd então, nesses tempos, é fisgado pelo disco de estreia
dos Beatles, e provavelmente teria continuado a insistir na carreira de artista
plástico, se não estivesse enfeitiçado pela ideia de se tornar um astro do
rock.
Quando o ano
acadêmico da Escola Técnica começou, Syd se aproximou de David Gilmour, que se
tornara um ótimo guitarrista, tecnicamente muito à frente de Barrett. Os dois
passavam as horas do recreio numa sala aperfeiçoando-se nos riffs dos Rolling
Stones.
Syd foi aceito na
escola de arte de Camberwell, em Peckham, Londres. Na primavera de 1964, o
amigo John Gordon notou uma mudança pontual na arte de Syd, com uma tendência
acentuada ao abstrato. Barrett havia chegado a Londres em 1964, junto com seu
colega Bob Klose, o qual foi cursar arquitetura na Regent Street Polytechnic,
onde Roger Waters estudava há dois anos. Roger estava vivendo num casarão
recentemente desocupado pelos amigos Nick Mason e Rick Wright. Klose, Barrett e
Dave Gilbert se mudaram para lá. Mason, de família abastada, voltara
temporariamente para sua casa, e Wright casara-se recentemente com Juliette Gale.
A casa pertencia a Mike Leonard, um arquiteto de meia idade, e tinha um sótão
cheio de gongos chineses, xilofones e flautas orientais, e Leonard
interessou-se com entusiasmo pela ideia de um grupo formado por Klose, Barrett,
Waters e Mason.
Sendo o melhor músico
do grupo, Klose era o guitarrista principal, acompanhado por Waters no baixo e
Barrett fazendo a base da guitarra, enquanto Mason tentava harmonizar tudo na
bateria. Mike, que tocou piano no primeiro show da banda, se interessou por um
show de luzes, ele passou a mexer nas luzes e colocar alguns moldes para
projetar na tela. Já era o embrião dos shows de luzes do Pink Floyd.
A banda se autointitulou Leonard`s Lodgers
(Os Hóspedes de Leonard). Os membros do grupo aumentaram com a entrada de Rick
Wright no piano, mas havia o problema do vocal. Entrou então para isso Chris
Dennis. A viagem de Syd a Cambridge não foi bem-sucedida na tentativa de
descobrir um cantor, mas ele voltou com um novo nome para a banda, de dois
álbuns de uns antigos cantores de blues da Georgia chamados Pink Anderson e
Floyd Council. Eis: Pink Floyd. Posteriormente, Syd alegaria que o nome da
banda teria sido sugerido por um disco voador enquanto estava sentado ao
horizonte de Glastonbury em Somerset.
Com os gongos e
aparelhos eletrônicos no sótão do casarão, Syd experimentava, e foi aí que se
desenvolveu o primeiro som do Pink Floyd. Depois, em janeiro de 1965, Dennis
foi mandado para o Golfo Pérsico. Nos 18 meses seguintes, o Pink Floyd
manteve-se como um hobby. Waters, Mason, Wright e Klose não tinham intenção
nenhuma de largar os estudos e Syd, por sua vez, estava mergulhado em suas
pinturas, embora já estivesse sendo levado pelo seu interesse musical. E seu
papel na banda foi ficando mais importante, e então ele entrou para os vocais
principais. Mas, surgiu uma rixa, Bob Klose tinha estilo mais próximo do jazz
tradicional, e começou a bater de frente com Syd, que seguia o estilo dos
Stones. Klose deixa o grupo.
Já em St.Tropez,
todos já estavam usando a droga que ficaria associada eternamente ao nome do
Pink Floyd: Dietilamida do Ácido Lisérgico, mais conhecida como LSD. E na sua
primeira viagem da droga, Syd segurava uma laranja, uma ameixa, e uma caixa de
fósforos e ficou encarando esses objetos enquanto viajava. Foi uma viagem
peculiar num mundo criado por ele. A ameixa era o planeta Vênus e a laranja,
Júpiter. Syd flutuava no espaço entre os dois planetas. As viagens
interestelares de Syd terminaram quando, Ian Moore, sócio de longa data do Pink
Floyd, também chapado, mordeu um pedaço da ameixa, destruindo o planeta Vênus
de Syd.
Barrett ainda
pintava, mas seu trabalho estava agora altamente influenciado pelas visões que
tinha ao usar ácido. Na banda, Syd estava experimentando, e tudo girava em
torno dele. O resto da banda só podia segui-lo. O Pink Floyd, naquela época,
nunca fora uma banda comunicativa entre os membros no palco, mas o conjunto
funcionava bem. E um dos lugares em que
eles tocavam, o UFO, tornara-se o centro do mundo underground. Syd usava dois
ou três ecos em sequência, tirando-os de amplificadores diferentes, formando
uma espécie de campo de som, um banho de textura de som. Um sopro de mudança
tocava o mundo do pop e o Pink Floyd, um grupo virtualmente desconhecido há
pouco, estava agora na vanguarda, marcando presença no The Marquee. O
desenvolvimento do Pink Floyd sempre estará ligado à audiência notívaga do UFO,
mas, por outro lado, o show no The Marquee pôs a banda em contato com outro
tipo de público. No UFO, eles aproveitavam uma noite livre para experimentar,
mas o The Marquee deu ao grupo uma audiência muito mais ampla para divulgar seu
trabalho. O repertório de R&B já sumia, e já havia a necessidade de mais
músicas originais e de natureza estranha.
O Pink Floyd se
profissionalizou e entrou nos estúdios Sound Techniques, em Chelsea, para
gravar seu primeiro single. Com John Wood como engenheiro de som, o Floyd
selecionou as músicas de Barrett “Arnold Layne” e “Let`s Roll Another”, esta
última renomeada para “Candy and a Currant Bin”. O Pink Floyd, já no contexto
de lançamento do single, inicialmente, se mostraram como quatro músicos que não
eram espetaculares, mas que conseguiram, juntos, criar algo extraordinário. Syd
era a mente criativa da banda, Roger não conseguia afinar seu baixo porque era
surdo para os tons, era Rick quem afinava o instrumento. Syd foi o primeiro
guitarrista conhecido a usar um dispositivo chamado Binston Echorette, que era
uma espécie de predecessor de todos os sistemas digitais de delay que os
guitarristas usam atualmente. Syd o usava na sua guitarra quando ninguém tinha
sequer pensado nisso.
O Floyd finalmente
assinou com a EMI. E a banda tocou pela primeira vez no Top Of The Pops, e foi
um momento grandioso, mas toda a carga de trabalho da banda, que tocava
frequentemente para audiências cafonas, era cada vez maior, além da pressão
para novos hits. Logo em seguida, em 12 de maio, o Pink Floyd realizou uma
apresentação chamada Games For May. O show foi um marco e pavimentou o caminho
para grandes concertos nos anos 70 e 80. É nesta apresentação que o Pink Floyd
utilizaria o seu muito alardeado Azimute Co-ordinator, isso permitia ecoar o
som por todo o ambiente de modo que o grupo desenvolvesse um completo sistema
de som quadrifônico.
Nos períodos seguintes,
por volta de meados de 1967, o comportamento imprevisível de Syd tornava-se
cada vez mais evidente, seu consumo de LSD era extremo. Uma surpresa muito
desagradável esperava por David Gilmour, quando ele foi chamado no Chelsea
Studios, durante a gravação de “See Emily Play”. Segundo ele: “Syd não conseguia
me reconhecer e ficou me encarando, eventualmente eu acabaria por conhecer
aquele olhar muito bem e afirmo que foi naquele momento que ele mudou. Fiquei em choque, ele era outra pessoa.”
Quanto aos outros membros da banda, Mason, Wright e Waters, podem ter se
aventurado com o LSD mas sempre preferiram bebidas às drogas. Barrett, por sua
vez, era um entusiasmado defensor do LSD desde o início de 1965. Pete Townshend
(The Who) admirava o modo selvagem como Syd tocava, mas percebeu que na época
em que conheceu o Pink Floyd, Barrett já estava muito fodido. “Curiosamente, a
pessoa que mais me intimidava era Roger Waters. Ele tinha um semblante
apavorante dentro e fora dos palcos. Em comparação a ele, Syd era trágico e de
dar pena.” Disse Townshend.
A irmã de Syd,
Rosemary, que ficara entusiasmada com o sucesso do primeiro single da banda,
percebeu que algo estava terrivelmente errado. “Na próxima vez que o vi, ele
tinha mudado tanto que não consegui mais me conectar com ele. O irmão que eu
conhecia desapareceu. Depois daquele encontro, simplesmente não conseguia mais
gostar das músicas.” A descrição mais vívida da desintegração de Syd foi feita
por Joe Boyd: “O Pink Floyd voltava ao UFO para o seu primeiro show após 2
meses afastados do lugar ... Eles passaram por mim ... eu os saudei um a um,
conforme iam entrando. O último foi Syd, cuja melhor característica sempre foi
o brilho de seus olhos. Eu quero dizer que os seus olhos realmente cintilavam,
ele tinha um quê de travesso. Quando ele se aproximou eu disse ‘E aí, Syd?’ e
nós nos olhamos, mas eu não vi o brilho, nem uma fagulha sequer. Era como se
alguém tivesse fechado as cortinas, como se não houvesse ninguém ali. Foi um
verdadeiro choque. Muito, muito triste.”
A crescente
reputação de Syd como compositor e guitarrista inovador já tinha feito dele a
estrela do grupo. O crescente status do Floyd foi posteriormente ilustrado por
uma quantidade incomum de reportagens feitas a partir do final de julho. O
mundo estava aos pés do Pink Floyd. Na gravação do álbum The Piper at the Gates
of Dawn, tudo foi feito muito rápido, e o disco representava um caráter
bastante experimental. Havia coisas incomuns como double tracking e overdub de
performances inteiras de cada um dos seus integrantes, como “Interstellar
Overdrive”. O produtor Smith, contudo, teve sérios problemas com Syd nas
gravações. “Syd era um inferno ... Ele parecia não se entusiasmar com nada.
Cantava uma música e eu o chamava na sala de controle para dar algumas
instruções. Aí, ele voltava e não cantava nem a primeira parte do mesmo modo,
... às vezes, até mudava as palavras das músicas, não tinha disciplina alguma.
Falar com ele era o mesmo que falar com uma parede ... suas letras eram simples
e infantis.” E Smith descobriu que só havia um modo de gravar com Syd Barrett,
o modo escolhido pelo próprio Syd. Enquanto o Pink Floyd gravava nos estúdios
dois e três da Abbey Road, os Beatles estavam logo ao lado terminando Sgt.
Pepper`s Lonely Hearts Club Band. Posteriormente, Paul McCartney disse à
imprensa que o álbum do Pink Floyd era “um nocaute”.
The Piper at the
Gates of Dawn, lançado no dia 5 de agosto de 1967, foi aclamado universalmente.
O álbum de estreia do Pink Floyd explodiu numa fúria provocada pelo ácido e foi
o despertar do psicodélico na Inglaterra, assim como Surrealistic Pillow, do
The Jefferson Airplane, foi para o festival San Francisco’s Summer Of Love. E a
loucura era muito verdadeira: o fundador e principal compositor, Syd Barrett,
já estava a caminho de um colapso psicológico pelas drogas quando o álbum foi
lançado. Syd tornava-se cada vez mais isolado e errático. E depois de uma
passagem desastrosa pela costa leste americana, Waters e Mason tinham decidido:
algo precisava mudar.
Um terceiro single
foi forçosamente retirado da estrela relutante. “Apples and Oranges” foi
lançado no dia 18 de novembro tendo “Paintbox”, de Rick Wright, no outro lado,
mas, esta experiência foi o primeiro fracasso do Pink Floyd. Por sua vez, Syd
tocava cada vez menos nos últimos meses, e por volta de novembro,
frequentemente passava shows inteiros tocando o mesmo acorde repetidamente
enquanto encarava a audiência com um olhar vazio. Syd estava envolvido em
experimentos caóticos, e Waters e os outros nutriam um sentimento crescente de
que ele estava fazendo todos parecerem idiotas. Nick Mason disse: “Nós
hesitamos ao pensar que não conseguiríamos nos manter sem Syd. Então aguentamos
quem só pode ser descrito como uma porra de um maníaco.” E Waters: “a coisa
chegou a um ponto em que tivemos que dizer a Syd para ir embora, pois o
respeitávamos como compositor, mas seu desempenho era inútil. Ele estava
envolvido em tantas coisas que nenhum de nós conseguia entender. Ele desafinava
sua guitarra e dedilhava as cordas frouxas. Costumávamos sair do palco
sangrando porque socávamos as coisas de tanta frustração.”
Então, Waters, Mason
e Wright concordaram que o substituto óbvio para Syd deveria ser David Gilmour,
que estava em Londres vivendo de esmolas após um ano de trabalho na França. O
Pink Floyd se apresentou cinco vezes como uma banda de cinco integrantes, e
depois chegaram a conclusão de que não fazia sentido Syd estar presente apenas
para estragar tudo. Waters então cogitou de Syd se tornar uma figura como Brian
Wilson (do Beach Boys), ou seja, escrever músicas e comparecer às sessões de
gravação, mas Syd não se convenceu, e então estava tudo acabado para Syd no
Pink Floyd. A separação não foi confirmada até 6 de abril (1968), mas a contribuição
musical de Syd terminou logo no início de janeiro. Ele tinha deixado pronto um
quarto de gravações do segundo álbum Saucerful of Secrets. O disco termina com
a música “Jugband Blues”, o que resultou numa grande comoção depois de seu
surto e sua consequente saída da banda.
Em maio de 1968,
Pete Jenner levou Syd novamente aos estúdios para uma tentativa de gravar
algumas faixas solo. Mas após uma semana, foi forçado a reconhecer a derrota.
Logo depois disso, Syd, cheio de LSD e grande quantidade de pílulas de mandrax,
iniciou uma longa viagem em seu Mini pela Grã-Bretanha. A jornada terminou em
Cambridge, onde ele recebeu tratamento psiquiátrico no hospital local, no qual
um número de pacientes viciados em ácido já tinham sido tratados. Após a
internação, Syd volta para Londres, e pouco antes do natal de 1968, mudou-se
para um apartamento de 3 quartos, que dividiu com Duggie Fields. Durante as
primeiras semanas no flat, o estado geral de Syd melhorou consideravelmente, e
já falava em voltar às gravações, já que era um membro respeitado e que fazia
muita falta ao mundo underground londrino. Além disso, compôs uma grande
quantidade de músicas desde a separação da banda. Essas composições, juntamente
com as gravações incompletas que havia produzido nas últimas sessões de estúdio
com Pete Jenner, seriam a base do seu primeiro álbum solo.
Malcolm Jones, um
recém-contratado pela EMI, chefiava a Harvest, um selo novo e progressista
criado pela EMI. Jones queria investir na carreira solo de Syd. Relatos
sombrios sobre a bagunça e o caos que dominavam os estúdios com Syd, já haviam
chegado ao seu conhecimento, tais como microfones quebrados e outros
comportamentos de estrela. Embora a EMI nunca tenha responsabilizado Syd pelos
danos, estava claro que ele era persona non grata em Abbey Road. Então, Barrett
começou a trabalhar no estúdio três da EMI em abril tendo como produtor o próprio
Malcolm Jones. No mês seguinte, vários membros do Soft Machine enfrentaram a
difícil tarefa de editar e montar as faixas irregulares e imprevisíveis de Syd.
Ironicamente, a natureza excêntrica das músicas do The Madcap Laughs é o que o
torna tão estimado por muitos fãs de Barrett.
A essa altura, o
Pink Floyd já tinha terminado as gravações da trilha sonora do filme More, e
depois de um encontro com Syd no apartamento de Waters em Shephers Bush,
concordaram em acelerar a produção do The Madcap Laughs, tomando para si
próprios as músicas restantes. Depois, Waters e Gilmour voltaram suas atenções
para o terceiro álbum da banda, Ummagumma, o que, juntamente com uma breve
turnê na Holanda, significou o adiamento dos acertos finais no álbum de Barrett
para o final de julho. Syd ficou frustrado com o atraso, e decidiu tirar o
feriado para juntar-se a uma multidão hippie de Cambridge que partira para
Ibiza.
De volta a Londres,
Syd retomou os trabalhos de seu álbum, já na fase final. Segundo Gilmour, a EMI
estava cada vez mais preocupada com o projeto, no qual investira grande quantia
de dinheiro e ainda não tinha visto nenhum retorno. A última sessão de The
Madcap Laughs aconteceu em 26 de julho. Devido ao prazo, tudo foi muito rápido,
e a apressada última sessão trouxe à tona um Syd muito diferente do início dos
trabalhos na primavera. O que aconteceu nos estúdios naquele dia poderia ser
descrito como o retrato de um colapso. Syd gaguejava ao cantar “She Took a Long
Cold Look”, era possível ouvir o virar das páginas que continham a letra da
música. Com uma voz torturante, começou a cantar “Feel” sem que a guitarra o
acompanhasse. No fechamento de “If It´s in You”, finalmente ele desaba e é
preciso reiniciar tudo, e o álbum ficou como “o exemplo de loucura e desordem
da mente de Barrett”, como sugeriu a Melody Maker.
A reação inicial ao
álbum, porém, foi favorável, a revista Disc, por exemplo, anunciou que era “um
excelente álbum para começar 1970”, e a EMI decidiu que a resposta do público
foi suficientemente positiva para garantir o lançamento de um segundo álbum,
cujas gravações começaram em 26 de fevereiro. E o álbum seguinte de Barrett
teve Dave Gilmour como produtor, Rick Wright como tecladista, e Jerry Shirley
tocando bateria. Gilmour recorda-se: “Dessa vez nós tínhamos a oportunidade de
trabalhar no álbum desde o início, mas ainda tivemos que lidar com o fato de que
existiam dois modos de gravar com Syd. Um deles era estabelecer uma faixa base
e fazer com que ele tocasse com ela, o que resultava na perda de algo essencial
no modo de Syd tocar. O outro modo era gravar a performance de Syd primeiro e
depois adicionar todos os outros elementos, o que perdia o sentido básico de
conjunto. De um jeito ou de outro, era um massacre.”
Mais adiante, o
estado de Syd era agravado pela legião interminável de parasitas, usuários e
facilitadores de drogas, além de fanáticos que ele atraía. No entanto, Syd
ficou noivo de sua namorada Gayla em 1° de outubro de 1970, e a fervorosa
esperança da senhora Barrett com a perspectiva de casamento de Syd foi algo
surpreendente. Naturalmente, era seu desejo ver o filho de 24 anos se estabelecer
e esquecer o mundo pop que já havia feito um estrago na sua vida. O noivado
estava fadado a não durar muito. Segundo Gayla, as agressões de Syd se tornavam
cada vez mais frequentes, e Gayla fugiu uma vez mais para a casa dos pais, e lá
recebeu uma carta formal de Syd afirmando que o noivado estava cancelado. Mas ele deve ter mudado de ideia rapidamente,
pois Gayla recebeu outra carta afirmando o quanto ele a amava e implorando para
que o aceitasse de volta. Depois de uma série de longas conversas telefônicas,
o casal decidiu fazer uma última tentativa de reconciliação e combinaram de se
encontrar na estação de trem de Bishop`s Stortford. Gayla ficou chocada ao ver
que Syd ainda usava o corte skinhead. No caminho de volta para a fazenda, ele a
acusou de traição e a enorme briga que se seguiu teve que ser apartada por
vizinhos. O noivado terminava de uma vez por todas. Com a longa e tempestuosa
relação terminada, Syd voltou sozinho para Cambridge.
De início, parecia
muito feliz de viver no porão da casa de sua mãe, passando a maior parte do
tempo ouvindo discos e tocando músicas no porão. Porém, o terceiro álbum solo
se tornou um mito, e três anos depois de sair do Pink Floyd, Syd estava recluso
e inativo, contrastando com o Pink Floyd, que era sucesso de público e de
crítica. E a ausência de Barrett no cenário musical fazia com que os rumores
aumentassem mais ainda, embelezados por cada novo boato. Durante o verão de
1971, várias fontes londrinas diziam que Barrett estava morto, preso ou em
estado vegetativo. Enquanto isso, Syd estava no estado natural de tensão e
doença, “com os olhos refletindo um estado permanente de choque”, segundo um
repórter da Rolling Stone que o entrevistou. Syd passava seus dias vagando por
Cambridge, brincando com sua guitarra, ouvindo discos ou pintando. No porão,
passava a maior parte do tempo cercado de pinturas e discos, amplificadores e
guitarras.
Ainda neste período,
Barrett forma uma banda, que se chama Star, mas que teve vida breve. Depois de
um show desastroso, o que se via era um homem se desintegrando como numa peça
ruim de teatro, mas era real, e foi como assistir a uma pessoa tentando
recuperar uma memória dolorosa e, na semana seguinte, Syd vem com a Melody
Maker em mãos, e anunciou a um dos membros de seu grupo, Twink, que estava tudo
acabado. A revista havia detonado a banda.
Barrett nunca mais
tocou ao vivo nenhuma de suas músicas, mas durante uma breve visita a Londres,
o insistente Pete Jenner o levou para os estúdios Abbey Road para mais uma
investida no seu terceiro álbum. Um dos sócios de Jenner descreveu a tentativa
como um caos, pois Syd repetidamente regravava partes de guitarra sobre partes
de guitarra, criando um amontoado de barulho insuportável. Jenner ficou
terrivelmente frustrado e nada pôde ser aproveitado daquela sessão. A tentativa
de Syd de retorno aos palcos e aos estúdios de gravação tinha sido, enfim, um
desastre. E sua crise pessoal foi agravada pela contínua ascensão do Pink
Floyd, que retornava como uma fênix depois da separação em 1968.
Ironicamente,
durante o período de inatividade, a renda pessoal de Syd cresceu, e enquanto as
lendas em torno dele continuavam a crescer, ele passava os dias largado em
frente a uma enorme televisão em forma de bolha, pendurada no teto. A mística
em torno de Barrett levou, no final de 1972, à formação da Syd Barrett
International Appreciation Society, que produziu uma revista intitulada
Terrapin. A sociedade genuinamente se preocupava com o bem de Barrett, embora
tenha sido rotulada por Nick Kent, do New Musical Express, de “trivial e
fanática”.
Já em novembro de
1974, Jenner, sentindo certa melhora, conseguiu persuadir Syd a voltar aos
estúdios, mas todo o processo resultou num enigma deprimente. Quando tudo parecia
em ordem, eles começaram. Syd havia pedido a alguém para digitar a letra de sua
nova música, e quando a folha foi entregue, ele pensou que fosse uma cobrança,
agarrou a mão do cara e tentou morder os dedos. Ele permaneceu no estúdio por
três dias e o material resultante poderia ser descrito como extremamente
estranho, apenas a base das músicas foi gravada sem nenhum vocal, e o material
nunca alcançou o nível necessário a partir do qual pudesse ser mixado e
permaneceu sem ser lançado.
Depois de mudar a
sua imagem e ficar completamente careca, Syd era agora um bebedor da cerveja
Guinness, o que lhe deixou inchado em poucos meses. E nas gravações do Pink
Floyd do álbum Wish You Were Here, houve mais um ato enigmático de Syd. No dia
cinco de junho, Gilmour percebeu uma figura gorda e com a cabeça raspada
andando completamente aéreo no estúdio três da Abbey Road, ele andava em volta
dos equipamentos, entrou na sala de controle, enquanto os músicos do Floyd se
perguntavam: “Quem é esse esquisitão?”. E Gilmour então o reconheceu. Neste
ínterim, Syd tinha a rotina de assistir televisão o dia todo no seu
apartamento. E já no filme The Wall, do Pink Floyd, teve um elemento
indiscutível retirado da história de Barrett na saga do herói Pink,
interpretado por Bob Geldof, cujo despontar ao estrelato foi acompanhado pela
decadência em direção à loucura.
Em janeiro de 1988,
a EMI lançou os álbuns da carreira solo de Barrett em CD. E eles venderam bem.
E era do conhecimento de todos que as diversas canções gravadas por Barrett e
não lançadas estavam perecendo nos arquivos da EMI. E a gravadora recebeu,
durante anos, inúmeras ligações telefônicas, cartas e verdadeiras petições de
fãs de Syd implorando pelo lançamento de qualquer material remanescente nos
arquivos. Assim como a figura do cantor, os chamados “materiais perdidos” dos
álbuns de Barrett também foram tomadas de aura mítica, e o resultado dessa
pressão foi Opel, uma compilação das músicas deixadas de lado nos dois álbuns
solo de Barrett.
Sobre a vida de
Barrett, sua irmã Rosemary disse ao jornal Sunday Times que a vida do irmão era
“entediantemente comum”. Ele cuidava de si próprio, da casa e do jardim, e
fazia compras básicas de bicicleta. Mas é claro, a sua paixão era a pintura.
Até os anos 90 ele fumava bastante, mas sua família afirmava que ele cuidava
muito bem de si mesmo. E, embora tenha passado um breve período no hospital
psiquiátrico Fulbourne, nunca passou por qualquer cirurgia para tratar de sua saúde
mental ou sequer tomou medicamentos psiquiátricos regularmente. Embora se diga
que ele tomou Clorpromazina durante sua internação, ele fez terapia em grupo e
outras formas de processos terapêuticos e ficou muito satisfeito.
No início dos seus
cinquenta anos, Barrett foi diagnosticado com diabetes, mas ficou reticente de
tomar comprimidos e sua condição física se agravou nos últimos anos de vida. E
o mais espantoso é que ainda era grande a quantidade de royalties recebidas por
alguém que não gravava nenhuma música há 26 anos. Por sua vez, o assunto do
verão de 2005 foi o enorme concerto Live8, em Londres, e o destaque do evento
foi a reunião no palco dos membros do Pink Floyd - Roger Waters, David Gilmour,
Rick Wright e Nick Mason – pela primeira vez desde 1981. E, embora a banda
tenha considerado brevemente convidar Syd para participar, a perspectiva de
reencontrar seus antigos colegas de banda pela primeira vez em vinte e cinco
anos parecia não tocar Syd. “Eu o encontrei hoje pela manhã e disse as novidades,
mas ele nem reagiu” Rosemary disse ao Cambridge Evening News. “Essa é uma outra
vida para ele, outro mundo e outro tempo. Ele não é mais Syd, ele é Roger.” E
então Syd, que já sofria de problemas estomacais e diabetes, tinha agora um
câncer pancreático descoberto em estado terminal. Já enfermo, Syd foi internado
no fim de maio de 2006, com a expectativa de vida de algumas semanas, Syd
parecia aceitar o seu destino. Ele queria voltar para casa, conseguiu, e morreu
em três dias.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/19747/14/syd-barrett