PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

SINAIS DA TERRA PERDIDA XIV

XIV – HISTÓRIA DA QUEDA DO PARAÍSO


Sob um verde espanto na noite tive

O meu grau supremo de discórdia,

Da névoa se enfurecia a rosa da madeixa arrancada

Às libélulas tristes dos azuis poeirentos da abadia.



Ele, o astro novamente imberbe,

O coração de vinho e carne e monturo de frestas,

Como sino ou tempo caíam as vidas,

Suas danças pueris de velho outono

Levando a cor da praia

Para delirar no sol fervente,

Águia silenciosa,

Do outono que roía a palhoça,

Um dragão bravo

Que soltava chama

Para o tédio dos traidores

Dos santos,

Uma supernova

Que morria

No sol exangue.



Para um vegetal robusto,

Ele tinha o dom alucinógeno

Da visão que era

O enigma do ritmo.



Ele somente com suas histerias românticas,

Navegava num ritmo magistral

Para o deleite dos anormais.



Das quedas que tudo derribam,

Tinha o recheio da semente

Donde brotara.



Era um jovem possuído,

Máquina da fúria,

Possesso o demônio

De uma feira cômica,

De uma amante em devaneios,

Como corsário dos mares dispersos.



Segregava qualquer orgulho

Na própria face sem farol,

Como se a luz

Já não fosse luminosa

Para o seu caminho.



Dizia ao seu amor:

“Tantas foram as aventuras,

Que cansei de me aventurar

Sem o teu abraço.”



Pois era jovem

Numa poção de mutações.

Pois era jovem

Transformado em aço.



Levando toda vitória

De conquistadores marítimos,

Argonautas do coração divino,

Para virar anjo de comércio e butique,

Para ser moda no descalabro

De uma existência vã e passageira.



Ó montes sulfúreos,

De onde vem a paixão?

Ele lembra de quando

Era pasto para a fome

Do indigente,

Era o seu próprio tempo

De fome,

O seu próprio vazio

No coração das coisas,

O seu cemitério

De almas perdidas,

O seu centro de gravidade

Para os planetas.



Um jovem todo louco e gênio da raça,

Um anjo dos quilates incomparáveis,

Tinha a sorte de ter uma inspiração

Na rosa-dos-ventos.

Seu seio inebriado de alma

Como fogo libertino,

Entre o amarelo trigo

Queimando na razão já suspensa

No delírio.



Pois era profeta mormente infernal,

Pois descia do céu paraíso

E buscava uma dama

Para o seu dia.



Era o ácido lisérgico

Da imagem perfeita de Woodstock.

O desbunde era a lei sensata

De todas as festas.

Os caldos amorosos

Se abriam em flor solar,

Era ele a criatura da juventude,

Que divina tomava o seu cálice

Nas corolas do campo,

Ao saber que o paraíso

Estava devastado

Pelo sangue do universo,

Ao saber que a terra morria

Sem poder gritar.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

SINAIS DA TERRA PERDIDA XIII

XIII – VENTOS DO SANGUE NOVO


Acorda! Acorda! Pintaram novos corcéis, novos sangues. Na pátria ferina do meu suadouro, a memória fez catarse em si mesma e em portos sem rochedos, por tudo e na noite temos as pedras, e no mar se avisou a chegada do monstro de milhões de escuros grilhões.

Perto da glória do mar morrem os fachos de luz, queriam voar os filhos de asas, queriam morrer os que morrem por não voar.

Avança a esquadra, os olhos marinhos são salgados como o estrondo de uma hecatombe. A seguir nossa idéia, os campos reluzem de fogo, e os ventos do sangue novo são nossos!

Vem o sangue derramar a vida dos aventureiros, vem a vida derramar o sangue dos aventureiros, vem tudo em nós como se a vida fosse o sangue primeiro.

Acorda! Acorda! Aqui no instante não se guarda o tempo, pois o tempo que é, passa.

Argonauta, náufrago, almirante, nosso sangue é do mar e o mar nos faz admirá-lo, o que se quer no horizonte é alcançá-lo tal como o instante. Mas, o tempo passa e se perde no horizonte, não temos instante ou horizonte, só temos vida, e não a temos por instante, nem por horizonte, o instante que se guarda no horizonte não é a vida.

Por tanto amar o mar, é porque se ama também a vida, e o que fazemos nela é o que se espera, pois no horizonte não está, lá é só o que imaginamos ao olhá-lo, mas não o que somos quando vivemos, com os pés na terra e com a esperança na terra.

Descanso agora, com a visão do horizonte em mim. Sabe-se mais quando se navega acordado, com o sangue fervendo no corpo e a alma de aventureiro. Os ventos levaram o tempo, esperança ainda irradia, a terra é o caminho da pedra, e o mar o caminho da canção. Somos terra, vivemos nela, e do mar só se guarda a poesia.

Pelo caminho se faz o sangue novo correr, seja então a vida o sangue que ainda não morreu, o horizonte que já nasceu, a batalha que se trava nos ventos do caminho, ferro de dureza e céu de fortaleza. Seja a terra o nosso chão firme, e o mar nosso horizonte livre. Seja o Homem forte até a morte, e que não morra sem ter amado.

SINAIS DA TERRA PERDIDA XII

XII – ATRAVESSANDO O CORPO E A ALMA


Meus altares, consigo atravessar por um segundo,

Que agora vens ao meu frio e ao meu encontro,

Que sabe depor sobre a pedra violenta

De todo estúpido, por quererem proibir-me

Outrora por mais que lhes padeçam a cara.



Quando, aos sons ordinários, cordilheiras suspensas

Do elmo e da mágica, houve sementes embrutecidas somente

Pelo pão, e nos altares não achavam

Este miserável pão!



Sei lá como se pede e se pedisse

Seria negado logo, com a mão valendo-se

De nada que já tem o que lhe fazer,

Com a cabeça sem mais o que fazer.



De lá dos confins não se achou nada,

E como se lá tivesse o que fazer,

Não se saberia o que esperar,

E antes o pão que o ódio e a arma,

E antes o justo que há em alguns,

E antes mais o que for para o bem,

E não como antes era de selvagens

O campo da morte, e não como antes

Dos lares que foram em todas as noites,

Não fazendo o que há em toda a vontade

Ou levando o que é de necessidade

Por esquecer-se o que levar.



O mundo não virou-se de todo

Um martírio, eis que o nada contorce

Gente, eis o instrumento da caça.

Tendo-se a morada e as cobertas,

Os elementos todos,

Eis que ninguém emerge.



E quanto o que vier de todo ato

Será pouco para nós.

E do tanto que afundar

Será pouco para nós.

E dos muitos gritos

Não se terá mais o grito.

Dando-se por gratidão a vida,

Não será o herói que espera.

Queixando-se em vão da realidade

Saberá algo para criticar.

E no passo do tempo como sempre

Teria também o feliz em vão.

E tanto a tristeza, como o ódio,

E a mentira, seriam outra coisa.



Não saberei sorver este espetáculo.

E vós que não sabeis de coisa alguma

Exponham a cara ao trabalho,

Vós que sois o que sois,

Por tanto vigor mal remunerado,

Que o vento vos deixeis,

Lama do sangue de toda a eternidade

Com os seus elos

De força primeira

Do universo.

Como os loucos,

Desgovernando-se.

Como os pesadelos,

Sendo o medo de tirar-vos a vida,

De um súbito, com o gosto do demônio

Na boca.



E um pouco tarde demais o sal dos sais

Das iguarias dos que se embelezam,

E um pouco longe demais

O que é infinito deixando-se além.

Noutros dias seria o ganho

De um tanto de riqueza,

E noutros dias

O que seria somente é

O que sente dor.



Estava a pensar solidamente,

A beleza me consolava,

E vos disse o que para

Tanta beleza

Se ousaria

Imaginá-la.

Para tê-las das mais libertas,

Para tê-las, liberdade,

Como a beleza.

Para tudo em vós todos

O que diria, ou sonharia.



Eis que é, pouco se faz para tanto,

Não há liberdade que não

Enfrente a morte.

E não há por não temê-la.

E o que faz destes vulcões da plebe

O que o nobre burguês

Estupidamente esconde,

O que os tantos dos tantos

Não é demais, o que dos sem

Não sentem o que será

Assim por toda a existência.



Causa súbita do ar que se foi,

Do ar que reavivou o destino,

Ter o corpo misturado com a terra

E dela o sangue mais que toda

A velha emoção.

Eis que é tudo,

E ainda será a minha terra de todo amada,

E quem o diz será também forte

Como uma fortaleza de tudo forte

Como deve ser,

Sem mais o temor, concentrado

No fogo do viver o que mais se quer viver.



Eis que é tudo

O mundo que nos cabe

E que nos leva,

Eis que é a maravilha

Do que se faz com a alma

Para também não esquecê-la.



É do lado do céu, lá seria o último regaço

Da terra, e o corpo vivendo,

E alma para toda infinitude

Saber reconhecê-la.

Eis que é tudo

No coração por se dizê-lo.