PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 3 de setembro de 2011

IGNORÂNCIA À BEIRA DA CALÇADA


IGNORÂNCIA À BEIRA DA CALÇADA

(UMA CRÔNICA DA LOUCURA URBANA)

   Vou relatar aqui três fatos de trânsito urbano e demonstrar a ignorância pura e simples, minha e de outros. Quando dizem que o mundo está louco e que também estamos loucos, uns dizem que isto é desespero de quem não é feliz. Bom, vamos aos fatos, três fatos da ignorância humana ou urbana, como preferirem.
   Vou por ordem cronológica. Primeiro fato, eu andava lá com meus problemas, uma noite atravessei a rua e parei um carro em cima de mim de propósito, deliberadamente para desafiar a morte, o carro freou em cima, mas o motorista nem reclamou comigo, deve ter percebido que eu andava aborrecido ou revoltado com alguma coisa naquela hora. Segundo fato, uma tarde, estava indo para a escola dar aulas de filosofia, passava próximo à descida da ladeira dos Tabajaras em Copacabana e um carro quase me atropelou, não, desta vez eu não me joguei na frente do carro tentando me matar, foi erro do motorista, mas aí eu fiz o sinal do dedo médio, o cara viu, parou o carro, esperou eu passar e disse que tinha um revólver e que ia atirar em mim, meu sangue congelou e segui adiante ignorando o cara, ele não me matou, mas quem sabe se não me mataria se eu tivesse chamado ele de babaca ou filho de uma puta. Mas não ia pagar pra ver se era blefe, talvez se eu estivesse aloprado como no dia em que parei o primeiro carro eu tivesse partido para a porrada, mas desta vez me caguei todo e fui pra escola dar aulas. Terceiro fato, desta vez eu juro que não fiz nada, estava do lado da calçada andando a caminho de casa em Copacabana e de repente uma Kombi dessas que levam passageiros para a ladeira dos Tabajaras se materializou na minha frente, dei um passo para a esquerda e fiquei na calçada, mais um segundo e eu seria atropelado, não falei absolutamente nada, segui o meu caminho, não tava pra briga naquele dia, mas poderia tê-lo chamado de louco ou assassino em potencial, mas não, nada. Fui resignado para casa, nada poderia tirar a minha paz naquele dia, dei sorte, imagina se eu tivesse acordado com o “ovo virado”, ia dar merda na certa.
   Bom, estes três fatos me lembram como podemos ser idiotas e inconsequentes, conosco ou com os outros, as cidades estão nos deixando duros, todos viramos doentes raivosos prontos para matar um dedo médio ou uma buzina insistente ou talvez alguém que tenha apenas olhado para os nossos olhos, que loucura! Eu sou culpado, todos são culpados, não reagi da última vez porque minha índole mudou, hoje sou sábio e não pago para ver. Já espanquei muita gente e já fui espancado, mas agora chega, nem tudo vale a pena quando a alma deixa de ser pequena.

03/09/2011 Gustavo Bastos
(Crônicas diversas) – crônica 1
 

domingo, 28 de agosto de 2011

ENTORPECIDOS PELO SONHO AMERICANO

(CRÍTICA DO FILME E DO LIVRO “MEDO E DELÍRIO” DE HUNTER S.THOMPSON)

   Li o livro “Medo e Delírio em Las Vegas” (uma jornada selvagem ao coração do sonho americano) de Hunter S.Thompson e logo em seguida assisti ao filme de 1998 baseado no livro. Gostei de ambos. Tanto o livro como o filme retratam bem uma época pós-hippie, o ano era 1971.
   Como quem leu o livro sabe, os fatos relatados são reais, não sei se um pouco romantizados, acho que não, apesar do recurso metafórico, em certas passagens, para descrever as viagens de drogas que os dois principais personagens do livro têm durante o decurso da história. Viagens que vão de haxixe, mescalina e LSD até  éter e adrenocromo. Meus caros, Hunter S.Thompson, criador da narrativa de estilo transgressor e revolucionário batizada de jornalismo gonzo era o que podemos chamar de um típico “doidão”.
   Hunter é nomeado para fazer uma cobertura jornalística em Las Vegas de uma corrida de motocicletas, a Mint 400. E, como se vê ao começarmos a ler o livro ou a ver o filme, Hunter não é um jornalista padrão, seus métodos de trabalho vão logo se mostrar heterodoxos ao extremo, a viagem a Vegas vai se transformar numa épica de drogas e viagens alucinadas e circunstâncias bizarras e engraçadas, para não falar perigosas. Hunter e seu advogado de “raça samoana” vão se aventurar na estrada, alugam o Grande Tubarão Vermelho, um imenso conversível vermelho da Chevrolet. Aí começa a aventura gonzo rumo a Las Vegas a 160 Km/h no deserto.
   Eles seguem rumo ao Sonho Americano, dentro do conversível um arsenal de drogas e bebidas, ... One toke over the line ... era o itinerário que eles seguiriam para ver se era tudo verdade, se enfim conheceriam o Sonho Americano. Ao som de “Sympathy for the Devil” no último volume eles dão carona a um garoto que encontram na estrada no meio do deserto, logo começa a piração, Hunter rememora como recebeu a incumbência de cobrir aquela matéria, como pegou o conversível e juntou as drogas para levar na viagem, mas depois de umas loucuras, como uma viagem de morcegos voando em volta dali, o garoto se assustou e saiu do conversível, ficou no meio do deserto, ali era encrenca, pensaram Hunter e o advogado, mas seguiram adiante.
   Enfim, Hunter e seu advogado chegam ao hotel Mint, Hunter chega até a recepcionista completamente transtornado e se intitula Raoul Duke, o advogado contorna a situação com a recepcionista, Hunter estava louco de ácido, logo começa a viajar com lagartos e poças de sangue, um zoológico de répteis. Eles vão para o quarto. Logo depois vão, então, para o evento do Mint 400, e a cabeça do advogado de Hunter cheia de éter e ácido. Finalmente, porém, Hunter vai cobrir a matéria. Era a quarta edição anual da Mint 400. Logo em seguida saem as motos, de dez em dez, e somem numa nuvem de poeira. Depois os dois vão a um cassino atrás do “Sonho Americano”. Quando volta ao quarto do hotel, Hunter vê seu advogado na banheira, submerso em água verde. Ao lado da banheira, um rádio ligado na tomada. Hunter logo percebe que seu advogado tinha mastigado uma folha de ácido inteira, e no rádio estava a fita de Surrealistic Pillow da banda Jefferson Airplane, o advogado surta e pede White Rabbit, era uma viagem suicida, seu advogado queria novamente White Rabbit, e no clímax em que o coelho corta a própria cabeça queria que Hunter jogasse o rádio dentro da banheira, Hunter fingiu jogar o rádio e atirou uma laranja na banheira como uma bala de canhão, seu advogado começou a berrar enlouquecido, mas Hunter, a esta altura, já tinha tirado o rádio da tomada e colocado pilhas.
   Depois, a imprensa demanda nova tarefa a Hunter, cobrir a conferência nacional dos promotores públicos num seminário de quatro dias sobre entorpecentes e drogas perigosas. Era uma matéria para a revista Rolling Stone. Um jornalista gonzo numa conferência misturado com mil policiais de todos os cantos dos Estados Unidos para discutir sobre o problema das drogas, dessa vez num Cadillac branco ao invés do Grande Tubarão Vermelho. “Se os Porcos estavam se reunindo em Las Vegas para uma importante Conferência sobre Drogas, nada mais justo que a cultura das drogas mandasse representantes.” Disse Hunter.
   Hunter volta ao quarto do hotel e encontra seu advogado nu com uma menina que parecia bem nova e fica irado, o nome da garota era Lucy e estava cheia de pinturas do rosto de Barbra Streisand, levam ela para o aeroporto louca de ácido e mandam ela para o hotel Americana.
   Os dois vão à suíte do hotel em que estavam para a conferência, e aí começa a maior viagem, “Extrato de pineal”, Hunter toma adrenocromo (as glândulas de adrenalina de um corpo humano vivo) e logo depois começa a ter uma viagem alucinógena ouvindo a voz de Nixon na TV repetindo a palavra “sacrifício”. No dia seguinte, os dois vão à conferência sobre drogas trabalhar. Depois de ouvir um punhado de asneiras sobre drogas das autoridades os dois ficam de saco cheio, deixam a conferência e descem para o cassino.
   Mais alguns percalços e tudo termina, Hunter conclui a sua jornada atrás do Sonho Americano, mas não chega a conclusões definitivas, a busca continua, Hunter passou seu tempo em loucuras com drogas para talvez ter a percepção do que seria o Sonho Americano, mas no caminho o que conta são os percalços, e a aventura, não podemos levar uma vida comum, a vida tem que ser extrema, como extrema é esta narrativa gonzo de Medo e Delírio, um registro que é mais do que drogas e piração, é o coração do Sonho Americano pulsando no perigo e na adrenalina, comparando o livro com o filme, sinto que o filme levou isto mais para o lado do humor ou da comédia, com os excelentes Johnny Depp e Benito Del Toro, mas o livro é mais visceral, sem dúvida, e um conselho: por favor, leiam o livro antes de ver o filme.

28/08/2011 Gustavo Bastos, filósofo e escritor.