I
Eu me recuso ao tédio de não escrever
eu me recuso a não pensar
e não escrever o que penso
Pois é assim que se dá o começo da ação
senão pelo pensamento que se manifesta
na recusa deste pensamento
em permanecer oculto e calado
Sim agora posso dizer
me fiz poeta pelo pensamento
e descobri na poesia
que o pensamento é música
que o pensamento é canto
que o pensamento pode ser
um sentimento
Sei que a poesia pode até se dizer
"filosófica"
e sua filosofia não é teórica
senão musical rítmica cancioneira
sentimental
Sou também o que escrevo
escrevendo eu penso
escrevendo eu canto
escrevendo eu penso e canto
o que sinto
II
Antes de tudo antes que a pena
comece o seu intento
sabemos pouco da vida
e é o espanto e a admiração
que fazem um poema
A presença do mundo
diante dos olhos fascinados
do poeta é que faz a poesia
se derramar em poemas
Se eu sinto uma emoção forte
se eu penso em algo inesperado
e daí vem um ritmo uma cadência
eu ponho a pena na mão
e a mão escreve o que eu tenho
a dizer
e aí penso-sinto
um ritmo uma cadência
e é o que costumam chamar
poema
se aqui há música escrita
ritmo escrito
cadência escrita
tens aí amigo
um poema pronto
III
Poesia é o que a vida tem de bom
é o bem onírico
o bem lírico
o bem que é benquisto
tens aí amigo
uma possível felicidade
o poema pode ser esta chave
para quem se diz poeta
para quem se quer poeta
para quem diz não ao tédio
de não escrever
O poema nasce da recusa
de uma vida vazia
que permanece calada e oculta
e deixa de ser vida
e que vira fardo
Pois se é o fardo do poeta
escrever
este não é mesmo um fardo
uma coisa que nasce do sofrimento
ao contrário
o poema nasce do amor
e é com muito amor
que nasce um poeta
mesmo que lhe caia o tema da morte
mesmo que lhe caia o tema da guerra
poesia é um ato amoroso
o amor pelo canto
o canto pelo amor
IV
Pois daí em diante
temos a prova de amor
concreta e abismal
O poeta vive de abismos
de passagens de curvas
e de estradas longas
A poesia então é um rio caudaloso
de infinitos poemas
O poema é a marca registrada
a cara do ser que o escreveu
é uma digital em forma de palavras
daí se tem o identificado poeta
e suas entranhas emocionais
rítmicas e filosofais
O poeta é este ser vivo
que canta em tom de agonia e prazer
harmonizando contrários
como o ódio e o amor
o poeta é este harmonizador
de sede insaciável
e fome desesperada
o poeta é sequioso e famélico
seduzido e sedutor
a quem as palavras adotaram
para saírem em forma de canto
o poeta é o abismo e o amor
V
Seguindo neste rumo
a poesia nunca vacila
quanto à sua nobreza e virtude
a poesia é a mestra
das sensações
e é dela a linguagem originária
e rapsódica
em que as musas dão a inspiração
ao poeta que faz dela trabalho e meditação
Por fim o poeta agradece
e diz que o amor é são
e que sofrer é loucura
17/01/2009 Gustavo Bastos
Adélia Prado Lá em Casa: Gísila Couto
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