PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 15 de julho de 2022

MONTAGEM PIRATA

 A vendeta funda

a comédia

dos costumes

degenerados,

um chiste faz 

troça e o poema

bamboleia,


o passo bêbedo

gira e sua girândola

faz panaceia

e placebo

com ilusões,


alucinado, o poeta

fala que é vidente

e fica fora de si.


Barafunda, uma azáfama

açodada invade o tablado,

no proscênio a cabeça

cortada de Maria Antonieta

e brioches espalhados 

pelo chão.


Nada mais, o poeta

faz careta e gestos 

obscenos com 

os dedos da mão,

um guarda noturno

lhe dá uns sopapos,

e a troça fervilhava,


logo adiante,

a plateia urrou

e um rei todo bobo

que se dizia imperador

no meio daquele

caos de teatro

do absurdo

soltou 

impropérios

e foi levado

ao hospício,


o diretor

daquela

farsa

então 

sucumbiu

e tomou

um porre

de vinho.


Após a montagem,

o poeta voltou

e devorou

aqueles brioches

com manteiga.


15/07/2022 Gustavo Bastos  


MARES IMPASSÍVEIS

 Na saída do caos está

a luz buscada, dentre

os poemas sombrios 

da juventude, o anelo

sagrado era inocente

e imberbe, uma nau

dorida que vagava

a esmo, em um 

imenso oceano

incógnito,


na voz lírica madura,

por sua vez, o verso

elenca seu fogo

de caso pensado,

com um metro

das sensações 

bem claro,

e o pleno

domínio 

emocional

que o credencia 

ao passo além,



isto é, o poeta

não sucumbe,

seu coração

é seu amigo

solícito,

e suas escolhas

legitimam

o seu

caminho,

a trajetória

que louvou

a própria

coerência,

por vezes,

impassível. 


15/07/2022 Gustavo Bastos

TOUR DE FORCE

 O vate conversou com o bardo,

um trovador da cítara

trouxe um aedo,

o rapsodo elencou

a épica antiga,

o poetaço 

nada entendeu.


Vulgar, o poema-piada

desceu a escada,

um soneto feneceu,

uma balada bateu

e caiu junto com 

uma elegia, 

o rondó

deu galimatias

com suas 

sextilhas,


fato consumado,

o ditirambo

falou de sua 

febre, a ode

comemorou,

o hino chorou,

uma écloga

se escreveu,

brindou

o epitalâmio,

e uma sátira

sorriu,


uma trova palaciana

deambulou com um 

vilancete,

a parlenda deu-se 

com uma lira

em seu madrigal,

o haicai balançou

com a barcarola

em seu acróstico,


um acalanto

ninou o eu-lírico,

por fim,

e o verso branco

e livre

aqui

se findou.


15/07/2022 Gustavo Bastos 


O TUAREG

 O tuareg junta seus badulaques,

a noite fria do deserto 

e acima a lua cheia

iluminando a areia,

parecia um tapete azulado

e os pés descalços enquanto

um dromedário sentava 

sobre as próprias pernas

exaustas, uma tenda

de beduínos logo ali

estampava em meio

ao nada o quente 

saara que viria 

da aurora,

deste raio de sol

o tuareg derrama

água salobra

na garganta,

e seu cancioneiro

o acompanhava,

uma ladainha 

que era um eterno

melisma que ecoava

neste infindo

vão de areia

e vento.


15/07/2022 Gustavo Bastos 


OS SENTIDOS DE GAIA

 Os seus desejos e a inflexão

da natureza, o campo firme

em que meus olhos veem.


Nesta Terra de messe e vindima,

os meus poemas são alvíssaras

e os versos voam qual dança.


Nem mistério e nem sabedoria plena,

o caminho árduo e a dura pena,

o sacrifício e a recompensa,

a ordem da natureza 

em sua lei claríssima.


Cava fundo, e descubra

o próprio tesouro,

escrito num papiro

antigo dizendo que aqui

deuses repousaram 

e guerrearam,


o amor, deste vinho louco,

também abençoa esta Terra,

de Gaia a deusa mestra

e o todo de mar e areia,

sob o céu e um páramo

infinito.


15/07/2022 Gustavo Bastos 


AURA IGNOTA

 Palmas ao vigário, de outro

modo, um monge caolho

e desdentado soçobra

entre os livros,


o bibliófilo que ali passara 

não sabia deste filósofo

que morava no porão,

ele lia e comia

sobras das refeições

dos monges,


na quaresma, as sementes

e os farelos, os grãos

e o pouco pão,

e um fundo albor

e os ossos lhe 

escapando 

da face,


o vigário compreendia

que aquele pensador

não poderia fazer

nada mais do que

ler e escrever,

numa vida pálida

e sofrida,


seu tratado

não finalizado,

seu ouro

imaginado

agora

falido,

sua discórdia

com o edito

papal em vão,


sua inanição 

o matara,

e o monge 

caolho,

destes 

com cara

de bruxo,

passava 

a língua

no céu da 

boca,

de seus dentes

que faltavam,

e um outro podre

caiu,


o vigário

mandou 

os monges

fazerem 

uma faxina

no porão,

o filósofo

foi enterrado

no jardim debaixo

da estátua de 

uma ninfa,

sem honras

e sem pompa.


15/07/2022 Gustavo Bastos 


POEMETO DERRAMADO

 Severa arte que decai em seu átomo,

o grande experimento e sua paralaxe

que canta a toada farsesca,

pontifica sua imagem e a pintura

solta seu fogo no ocre e no debrum,


plácido campo do riso e da fortuna,

tem um tesouro no fim do sonho,

langor de ópio pelos poros

e os sentidos oníricos

a voar na plenitude,


no copázio o vinho profundo,

a siesta sobreposta

no aconchego do lar,

não há ladrões de histórias

por perto, e um grande 

sorriso se abre 

na varanda.


15/07/2022 Gustavo Bastos


JOGO DO TEMPO

 Vejo o tempo e o sal vira o mar

como num sonho,


lá, ou me mato de nadar,

e o cais está longe,


aqui, e o jogo vira na borrasca,

com o vinho que bebo

e o carteado de boêmia,


viço que não cede à tempestade,

não sucumbe e determina

a própria sorte,

o poema fortuna

de seu estro,


o poeta, no azul cobalto

da canção, olha o céu

e sente no peito

um sol de verão,

um sol que ilumina

seu tempo de vida,

a sua messe

e a sua liberdade.


15/07/2022 Gustavo Bastos