PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 4 de julho de 2018

O FANTASMA DO TETO


“Paula cismava que demônios queriam matá-la e que havia um fantasma no teto”

Paula era uma menina de 8 anos bastante fantasiosa. Sua mãe lhe dava leite todas as manhãs e todas as noites quando não estava sumida, sua mãe era alcoólatra, mas a tratava bem, não era daquelas que batiam nos filhos, pois ela nunca ia para casa quando bebia.
O pai de Paula era um misterioso médium vidente que vivia de biscates e de suas consultas, ele era cartomante de baralho cigano e jogava búzios para seus clientes, além de incorporar espíritos para investigações sobre algumas circunstâncias de mortes e assassinatos inconclusos, seu nome era Martin, ele era um verdadeiro médium vidente, mas quando seu dom não funcionava, ele pregava peças nos seus clientes, em sua maioria extremamente crédulos e sugestionáveis.
Martin se aproveitava também de sua astúcia e talento para o hipnotismo, sabia dar passes como ninguém, este era o ambiente em que Paula vivia, um ambiente cercado de misticismo e patifaria. Será neste ambiente que a loucura se insinuará e logo se instalará, a cabeça de uma criança tem mistérios insondáveis, e se o mal era de família, logo uma suposta mediunidade poderia aflorar nesta mente infantil.
Era janeiro, um certo dia de chuva, e a mãe de Paula, Vitória, estava perdida nos bares fazia 5 dias, diziam os vizinhos que ela dormia com um amante, mas nada provado, na verdade, ninguém sabia onde ela estava e como vivia nesses seus sumiços frequentes. Martin era um homem resignado, apesar de um pouco pilantra e de explorar um dom em troca de dinheiro.
Mas, Martin era um homem bom, pois suportava todas as desditas da vida com paciência, e ele sabia que Paula e Vitória precisavam dele e de seu sustento, já que Vitória não trabalhava, e seu alcoolismo só piorava com o passar do tempo. Martin precisava manter-se lúcido, mas a sua loucura logo daria suas aparições, e Paula seria contaminada pelo misticismo terrível de Martin.
A chuva era densa, Vitória aparece em casa depois de 5 dias, toda arranhada, com a cara ralada e inchada, os olhos com equimoses em volta, a roupa toda rasgada, sem noção de nada, totalmente desnorteada, parecia que estava em surto, estava pálida e fraca, a morte certamente teria a cortejado nessas suas peregrinações pelos bares.
Martin não ficou alterado, sua resignação para com Vitória era deletéria, pois só piorava as coisas, pois na hora de um pulso forte o que se via era um “é assim mesmo”, que ele costumava repetir, e iludia sua filha Paula com eufemismos hipócritas e de que nada adiantava, pois Paula percebia a perdição em que sua mãe estava se metendo, ela não compreendia, mas sentia uma tristeza profunda, sentia que poderia perder a sua mãe a qualquer momento para um fantasma que morava no teto. Esta era sua nova ideia fixa.
As sombras estavam cercando a vida de Paula, ela logo se convenceu de que estava sendo perseguida por espíritos do mal por todos os lugares em que passava, tinha pesadelos com demônios disformes e se sentia ferida pelo medo de seus delírios. Ninguém ali falava em psiquiatra, pois a crendice não permitia filosofias materialistas naquele recinto, aquela casa era dominada pela obsessão mediúnica de Martin.
Na verdade, Martin era obsediado e estava passando isso para a filha. Paula cismava que demônios queriam matá-la e que havia um fantasma no teto de seu quarto, tudo o que era sombra ela percebia em seu delírio como forças ocultas e sobrenaturais prontas para devorá-la numa alucinação sem volta, e Martin não fazia nada, achava que era necessário apenas uma limpeza com defumadores no ambiente que tudo se resolveria. Martin era escravo de sua crendice e não sabia lidar com afirmações de vizinhos que diziam que ele era louco.
Mas, as loucuras daquela casa logo fariam com que os vizinhos chamassem a ambulância para internar Vitória, pois ela poderia sumir de novo e nunca mais voltar, Paula chorou copiosamente quando os bombeiros levaram sua mãe para uma clínica de viciados.
Paula gritava: “Ela é minha mãe! Eu amo ela!”. Mas de nada adiantou, Vitória era um caso para a psiquiatria, assim como toda a família, Paula já começava a delirar, e o misticismo de Martin estava levando ele para caminhos tortuosos, o que sempre acontece com quem explora dons mediúnicos para ganhar dinheiro, logo se tornou um farsante obsediado pelas trevas da loucura, sua conduta piorava a cada dia e seu fim poderia ser trágico, e sim, a tragédia do fantasma do teto pegaria todo mundo de surpresa.
Uma semana depois de ser internada, Vitória é encontrada enforcada pelo lençol pendurado no ventilador de teto, suicídio, confirmou a perícia. Vitória estava em surto e não aguentou ficar confinada, sua vida eram a rua e os bares, o álcool a levou para uma escuridão que ninguém sabe se é eterna, mas que é certamente profunda, pois a morte é o ato mais profundo da vida, é a viagem para o desconhecido ou para o nada, depende de quem crê ou não crê.
Martin fica sabendo da tragédia e não consegue falar para Paula do fato terrível. Martin estava mais preocupado com sua crendice e disse para os vizinhos que eles eram os culpados de terem matado a mulher dele. Martin começaria a ficar bem louco a partir desse momento. Começou a delirar que estava em contato com o espírito de um índio xamã em uma de suas sessões mediúnicas, logo o tal xamã ordenou que ele expulsasse o fantasma do teto, agora era o delírio da filha entrando no delírio do pai, Paula acreditava piamente que havia um fantasma no teto de seu quarto, e, por sinal, Vitória, sua mãe, havia morrido pendurada ao teto, que coincidência lamentável!
Paula entrou no meio da sessão mediúnica gritando histericamente expulsando os clientes de Martin da casa. Ela estava com o revólver de Martin na mão, o revólver ficava num fundo falso do armário da cozinha, e Paula sempre soube da arma e onde estava. Martin, já delirando, disse que ele e Paula teriam que matar o fantasma do teto do quarto de Paula. Paula sem querer dispara a arma que atinge o peito de Martin, que agoniza no chão da sala.
Paula corre para seu quarto e atira a esmo. Os vizinhos entram e são alvejados por Paula. Logo os que escapam chamam a polícia e o manicômio, Paula atira até acabar o cartucho do revólver, Paula é internada aos 8 anos no manicômio e entra nas trevas da loucura, o fantasma do teto vai a assombrar pelo resto de seus dias.
A imaginação é um demônio ardiloso que devorará Paula, ela ficará no manicômio até morrer, injeções psiquiátricas às vezes não têm poder contra o misticismo, agora Vitória e Martin também são fantasmas que entrarão na alucinação de Paula, o fantasma do teto realiza o seu intento, a tragédia está feita!

(CONTO)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/39318/14/o-fantasma-do-teto