“Paula cismava que demônios queriam matá-la e que havia um
fantasma no teto”
Paula era uma menina de 8 anos bastante fantasiosa. Sua mãe
lhe dava leite todas as manhãs e todas as noites quando não estava sumida, sua
mãe era alcoólatra, mas a tratava bem, não era daquelas que batiam nos filhos,
pois ela nunca ia para casa quando bebia.
O pai de Paula era um misterioso médium vidente que vivia de
biscates e de suas consultas, ele era cartomante de baralho cigano e jogava
búzios para seus clientes, além de incorporar espíritos para investigações
sobre algumas circunstâncias de mortes e assassinatos inconclusos, seu nome era
Martin, ele era um verdadeiro médium vidente, mas quando seu dom não
funcionava, ele pregava peças nos seus clientes, em sua maioria extremamente
crédulos e sugestionáveis.
Martin se aproveitava também de sua astúcia e talento para o
hipnotismo, sabia dar passes como ninguém, este era o ambiente em que Paula
vivia, um ambiente cercado de misticismo e patifaria. Será neste ambiente que a
loucura se insinuará e logo se instalará, a cabeça de uma criança tem mistérios
insondáveis, e se o mal era de família, logo uma suposta mediunidade poderia
aflorar nesta mente infantil.
Era janeiro, um certo dia de chuva, e a mãe de Paula,
Vitória, estava perdida nos bares fazia 5 dias, diziam os vizinhos que ela
dormia com um amante, mas nada provado, na verdade, ninguém sabia onde ela
estava e como vivia nesses seus sumiços frequentes. Martin era um homem
resignado, apesar de um pouco pilantra e de explorar um dom em troca de
dinheiro.
Mas, Martin era um homem bom, pois suportava todas as
desditas da vida com paciência, e ele sabia que Paula e Vitória precisavam dele
e de seu sustento, já que Vitória não trabalhava, e seu alcoolismo só piorava
com o passar do tempo. Martin precisava manter-se lúcido, mas a sua loucura
logo daria suas aparições, e Paula seria contaminada pelo misticismo terrível
de Martin.
A chuva era densa, Vitória aparece em casa depois de 5 dias,
toda arranhada, com a cara ralada e inchada, os olhos com equimoses em volta, a
roupa toda rasgada, sem noção de nada, totalmente desnorteada, parecia que
estava em surto, estava pálida e fraca, a morte certamente teria a cortejado
nessas suas peregrinações pelos bares.
Martin não ficou alterado, sua resignação para com Vitória
era deletéria, pois só piorava as coisas, pois na hora de um pulso forte o que
se via era um “é assim mesmo”, que ele costumava repetir, e iludia sua filha
Paula com eufemismos hipócritas e de que nada adiantava, pois Paula percebia a
perdição em que sua mãe estava se metendo, ela não compreendia, mas sentia uma
tristeza profunda, sentia que poderia perder a sua mãe a qualquer momento para
um fantasma que morava no teto. Esta era sua nova ideia fixa.
As sombras estavam cercando a vida de Paula, ela logo se
convenceu de que estava sendo perseguida por espíritos do mal por todos os
lugares em que passava, tinha pesadelos com demônios disformes e se sentia
ferida pelo medo de seus delírios. Ninguém ali falava em psiquiatra, pois a
crendice não permitia filosofias materialistas naquele recinto, aquela casa era
dominada pela obsessão mediúnica de Martin.
Na verdade, Martin era obsediado e estava passando isso para
a filha. Paula cismava que demônios queriam matá-la e que havia um fantasma no
teto de seu quarto, tudo o que era sombra ela percebia em seu delírio como
forças ocultas e sobrenaturais prontas para devorá-la numa alucinação sem
volta, e Martin não fazia nada, achava que era necessário apenas uma limpeza
com defumadores no ambiente que tudo se resolveria. Martin era escravo de sua
crendice e não sabia lidar com afirmações de vizinhos que diziam que ele era
louco.
Mas, as loucuras daquela casa logo fariam com que os vizinhos
chamassem a ambulância para internar Vitória, pois ela poderia sumir de novo e
nunca mais voltar, Paula chorou copiosamente quando os bombeiros levaram sua mãe
para uma clínica de viciados.
Paula gritava: “Ela é minha mãe! Eu amo ela!”. Mas de nada
adiantou, Vitória era um caso para a psiquiatria, assim como toda a família,
Paula já começava a delirar, e o misticismo de Martin estava levando ele para
caminhos tortuosos, o que sempre acontece com quem explora dons mediúnicos para
ganhar dinheiro, logo se tornou um farsante obsediado pelas trevas da loucura,
sua conduta piorava a cada dia e seu fim poderia ser trágico, e sim, a tragédia
do fantasma do teto pegaria todo mundo de surpresa.
Uma semana depois de ser internada, Vitória é encontrada
enforcada pelo lençol pendurado no ventilador de teto, suicídio, confirmou a
perícia. Vitória estava em surto e não aguentou ficar confinada, sua vida eram
a rua e os bares, o álcool a levou para uma escuridão que ninguém sabe se é
eterna, mas que é certamente profunda, pois a morte é o ato mais profundo da
vida, é a viagem para o desconhecido ou para o nada, depende de quem crê ou não
crê.
Martin fica sabendo da tragédia e não consegue falar para
Paula do fato terrível. Martin estava mais preocupado com sua crendice e disse
para os vizinhos que eles eram os culpados de terem matado a mulher dele.
Martin começaria a ficar bem louco a partir desse momento. Começou a delirar que
estava em contato com o espírito de um índio xamã em uma de suas sessões
mediúnicas, logo o tal xamã ordenou que ele expulsasse o fantasma do teto,
agora era o delírio da filha entrando no delírio do pai, Paula acreditava
piamente que havia um fantasma no teto de seu quarto, e, por sinal, Vitória,
sua mãe, havia morrido pendurada ao teto, que coincidência lamentável!
Paula entrou no meio da sessão mediúnica gritando
histericamente expulsando os clientes de Martin da casa. Ela estava com o
revólver de Martin na mão, o revólver ficava num fundo falso do armário da
cozinha, e Paula sempre soube da arma e onde estava. Martin, já delirando,
disse que ele e Paula teriam que matar o fantasma do teto do quarto de Paula.
Paula sem querer dispara a arma que atinge o peito de Martin, que agoniza no
chão da sala.
Paula corre para seu quarto e atira a esmo. Os vizinhos
entram e são alvejados por Paula. Logo os que escapam chamam a polícia e o
manicômio, Paula atira até acabar o cartucho do revólver, Paula é internada aos
8 anos no manicômio e entra nas trevas da loucura, o fantasma do teto vai a
assombrar pelo resto de seus dias.
A imaginação é um demônio ardiloso que devorará Paula, ela
ficará no manicômio até morrer, injeções psiquiátricas às vezes não têm poder
contra o misticismo, agora Vitória e Martin também são fantasmas que entrarão
na alucinação de Paula, o fantasma do teto realiza o seu intento, a tragédia
está feita!
(CONTO)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/39318/14/o-fantasma-do-teto
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