PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 29 de março de 2013

OLHO MAIOR QUE A BARRIGA

"É a Literatura, estúpido!"

  O cenário literário brasileiro está ganhando tonalidades alarmantes, hoje qualquer projeto literário (a não ser que você pertença à alta sociedade) está inviablizado. É uma profusão de concursos literários caça-níqueis, com exigências absurdas como não publicação impressa ou eletrônica, no caso das publicações eletrônicas um sinal de ignorância preocupante, em plena era dos blogs e das redes sociais literárias.
   De outro lado, editoras que veem o escritor como uma fonte de renda incalculável, não para a venda de livros, por óbvio, mas pelo preço que o infortunado tem que pagar para ter míseros cem exemplares rodando nas livrarias e feiras literárias.
   O que vislumbro, com muito pesar, é um cenário literário de cisão, de um lado os burguesinhos com seus livros de poesia de oitenta páginas, e de outro lado um mundo de gente na internet com blogs e divulgações marginais pelas redes sociais literárias.
   A cisão será a consequência desta visão anacrônica e, ao mesmo tempo, exploratória sobre os escritores deste país. Anacrônica por ignorar ou fingir que não há uma nova realidade: os blogs de literatura, onde o objetivo é divulgar os trabalhos escritos para, depois, tentar vender seu peixe com uma publicação que seja. O que acontece? Concursos literários exigindo exclusividade sobre direitos e divulgações, um monopólio absurdo da lavra alheia que resulta em fracasso coletivo para a maioria dos escritores deste país.
   A visão de que o mercado é que manda é uma visão ultrapassada, quem manda é o escritor, quem manda é quem trabalha e não quem vende. O caminho para os que fazem blogs literários terá de ser o caminho da independência e da autopublicação, senão terão que se submeter aos ritos de um mercado que exige exclusividade sob uma coisa que não deveria lhes pertencer, o trabalho feito é do escritor, se ele quiser divulgar seu trabalho em um blog e, posteriormente, vender seu livro, não vejo problema nenhum. Entendo que o leitor que se interessar por um determinado blog comprará o livro, não vejo o blog como um impeditivo para venda de publicações, embora possa haver leitores que ao ver o trabalho no blog não comprem o livro, o que é uma visão pessimista e utilitária, pois quem gosta de literatura terá vontade de comprar um livro publicado pelo escritor-blogueiro.
   O cenário dos blogs literários é uma realidade, e, como toda realidade, não pode ser ignorada e defenestrada por uma visão pragmática e econômica de que não há como divulgar um trabalho na web sem prejuízos às publicações futuras. Esta é uma visão anacrônica que não tem mais pé com a realidade, que não é a realidade de mercado, mas a realidade de um cenário novo que veio para ficar.
   O caminho da cisão será inevitável, novos escritores independentes correrão por fora desta canalha de editoras e concursos literários que só veem a literatura como produto e não como trabalho, em que a visão de produto ignora a visão laborativa da escrita que deveria estar em primeiro plano.
   Certos estarão os que vendem seu tempo para o mercado, e errados os que correrem por fora sem abrir mão de suas convicções e conscientes de que a realidade é outra, totalmente diferente, onde o download e a autopublicação, os blogs e redes sociais literárias serão uma voz dissonante dos chupadores de sangue da velha visão de mercado e de que tudo que é literário tem que se pagar um alto preço para ser divulgado. Não vou aderir à exigências de um mercado literário que não respeita o trabalho escrito e restringe este crescimento com a propriedade de um produto, como se literatura fosse comida e não ideias.
   Ignorando o cenário da literatura da web teremos esta cisão de que falo, onde só haverá uma patota bem nutrida em suplementos literários de jornais, enquanto uma massa crítica se forma por fora do mercado no mundo vasto da internet.
   Se não há escapatória ao mercado, azar do mercado.


29/03/2013 Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
  
  
   

quinta-feira, 28 de março de 2013

O TEMPO DA MÁQUINA

Terás sido morto sob uma noite ao luar?
Pobre poeta, em tua senda rodriguiana
terás tragédia e a mais pura felicidade.

Quando navegas, aonde vais?
Da flor do rancor terás matado
o licor, e a vinha do álcool,
feroz e assassina,
não te terá causado dor.

Mais pura que a água benta,
tua esposa morderá os teus sapatos
com fome de melodias,
em tua caverna corromperá o cadáver,
prorrompendo em sangue e viço
nos olhos sonhadores
de teus filhos,
uma mesma casa de pensão
terá em teus livros
só para o labor infinito
da pena que exulta
em glória de paz infinita.

Vejo cada verso em páginas sólidas,
vejo a nau irromper
o teto marmóreo
dos pesadelos
de seus ritos
de poesia,
e a flor menina
em teus braços.

Nas febres do corpo,
o prazer do gozo.
Nas lutas da alma,
a liberdade de um sopro.

Os versos incendeiam
o pasto de tuas vacas,
os camponeses pedem
água e feijão,
os monges saem aos pulos
depois do êxtase divino,
as nereidas saem das águas
com seus rabos úmidos,
e os poetas do sarau
sonham novas vozes
para palavras inventadas.

Chorarão as ametistas
no mar diamantado
dos olhos de fogo
dos ventres que são
senhores de seus corpos,
e o poema, sorrindo,
viverá a flor tamanha do tempo
em sua grande máquina
de fazer escrita.

28/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

FEROZ E AMOROSO

Céus que choram nas nuvens azuis,
o corpo do morto jaz na flauta doce.
Céus, dos mais pueris, plúmbeos e róseos
registros da terra, cauda do cometa
na flor séria das ametistas.

Com o solo de violino,
com o chorar da rosa
explode ouro maciço!

Nas águas das flautas doces, ó morte!

Céus que zumbem nos topázios
com suas águias e falcões,
suadouro do trabalho das asas,
verde riso da terra suada,
dor hirta dos lenhadores.

Foge o poema? O poema foge?
Onde o caracol de tua hipnose?
Onde? Onde?

Faz de conta que tudo ruiu,
faz que tudo sabes
e diz isso na livraria,
os bibliotecários que nada sabem
de pássaros crerão
que tu és santo
e sublime poeta,
e pensador das razões
se saberá.

Depois, com os olhos na rubra flor
dos mundos ignotos e ignaros,
fará da filosofia o pensamento redondo
das teorias sobre as mazelas,
os olhos verão o sol na palma do céu
com todas as sonoridades do além.

Os dias te serão leves
no ar da bondade,
o girassol em teu corpo
fará do ritual poético
um susto e febre
de visionários.

Com a leveza em teu pensar
a lua ditará o ritmo
da pena no despontar
dos uivos da madrugada,
ó sublime canção,
ó tempo do ferro
no coração!

Tua veste azul turquesa
no silêncio do mar do vinho
eclodirá como tempestade
depois de um grito louco
de vermelho-paixão,
e todas as aves se aninharão
em teu peito explodido
de rosas vermelhas-paixão.

Com a aurora da poesia
o teu canto soará terrível
em praias desnudas
de delírio nos trópicos,
com os pólos em teus pés
de sonho congelado.

A vida, com o erro prosaico,
demudará em eternidade
com o girassol
em tuas têmporas,
poeta do sal e do sol
do mar mais alto
da ilusão!

Com o fermento da noite,
na faixa enluarada
de um romance sadio,
verás no estampido
de uma galáxia
os olhos fixos
sobre o corpo mesmerizado
de uma deusa
em tua boca,

versos cairão da mão
como banho em águas mansas
no átrio dos livros
que sacodem a penumbra
dos lares carcomidos,
e tua luta terá sido
a mesma da poesia
com os lampejos da dor
como fuga em toda santidade
que se tem em cruz
e temor,
na flauta doce
de um amor.

28/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

terça-feira, 26 de março de 2013

PIEDADE DIVINA

  A casa que pega fogo, entra pelo pátio, como sinal da vida em chama que nos derrota. As lutas por que passei não foram todas ainda, as que mais terei que lutar, as que mais terei que desafiar.
   As cores selvagens que buscam toda a nota fria dos símbolos, o estro fundamental que grita na vaga aberta dos mares de sonho, as asas que dissolvem o meu poema como soluço da febre matinal, como o sol que nunca se porá diante da luz divina!
   Eu, com os ares mais sombrios de minha juventude que se foi, não sei que cartas eu deveria ter escrito antes de morrer, mas tenho certo em todas as horas de morrer que não morri, pois do vento que enobrece a chuva, não sei que sonhos ficaram ao mar, de tanto sonhar com a nau primeira do poema inaugural.
   A luta maior que se trava no abismo é a vida entrando em toda poesia que não se resolve no abismo, a poesia voa em tanta clara nuvem, de tanto calar e tanto mais gritar, de tanto o sonho como o pesadelo, eu que não sei a hora mais forte de minha morte, como não sei a hora certa de minha vida.
   Gira o mundo como nervo espasmódico, como espasmo se derrama a prosa que não se vê, a máquina tonteia de tanto amor e ódio, as asas que não sonhei se abriram num véu de Ísis na praia de diamantes, como na História se sorri sem saber bem do quê.
   As praias que nunca cheguei a conhecer, praias desertas do vinho que foge quando penso em partir ao nada, e no nada desnudar-se como fugitivo da nau que nunca virá, ficam na vida que nunca foi mais que lamento e fogo, lamento e fogo que são rios em festa da dor mais profunda.
   Dilata a pupila no nervo mais fundo de meu corpo, com as sonhadas vezes que tinha na aurora do vil metal, como obséquio que não nos dá a pedra gelada da Filosofia, estando o dia como a noite, totalmente perdidos na flor da verdade, e as almas em limbo na marcha ao Hades, eu que as salvei dos lumes de Caronte, eu que peguei pesadelos na relva da perdição e naufraguei com os meus delírios irrisórios. A vida de sonho que não tem fim, a vida mortal que é eterna.
   No real dia do reinado tive o mais belo denodo, fastígio do martirológio da guerra, e as tropas fugiam da anarquia como covardes fogem do fogo, como doentes fogem da poesia! A luta mais furiosa se travou quando o poema acordou e disse seu poder, quando o tempo bravo da hora maldita matou o karma como um cadáver pálido do medo.
   Eu lembro do caos da anarquia, eu vou ao sinal da espada como guerra atômica por cada teor do desastre. Eu vi em meus olhos a flor do fogo que foi o dia do suspiro da feliz canção, nada mais importava naquele drama de queda e vigor.
   Veste-se vetusta sombra na paisagem que fulgura no arrebol, flor de tudo em vaso branco como no quarto do poeta onde se vê o seu fantasma, com todas as liberdades de um monturo de versos que se perdem no raio bruto do tempo.
   Fervura de William Blake, pintura do caos desfigurado, vinha volvendo a carne em cada desejo de virtude, manta sagrada que cobre a santidade na mais perfeita harmonia dos mares de sal em nuvem de terror. As virtudes do poema se perdem no azul escuro da liberdade fatal, as belezas são santas figuras no santuário da erva do diabo, as manchas da biografia são hematomas na alma da canção vitoriosa.
   Na calmaria de meu sonho azul escuro eu vi cada matilha no meio da mata onde morava um velho eremita, descia nas águas de fonte pura, e desaparecia como fumaça nas litanias que ali se celebrava. O velho era a minh`alma em outra era, e eu via como canto de rouxinol a flor de Brahma nascer no pé de Arjuna, na mais pacífica das orações do coração, as nuvens desciam ao coração da floresta e a magia branca do levitador urdia a esperança em tonalidade de música venerável, mais que o sangue, ali se derramava o cântico da aurora filosofal.
   Na cidade, ao longe, se ouvia o ruído mesmerizado que bufava como acorde dissonante, era a mancha das danças macabras na vingança noturna que delirava em absurdos como num teatro de vampiros decadentes, o sangue da virtude lhes era caro, e o preço pago pelo pecado era acre. Nossa campanha chegava ao alvo, loas dançavam no inferno das lembranças, o corpo intacto se condoía de doença e febre, a juventude em sangue vertido buscava uma paz e um sentido, o corpo lutando com a alma em dor de fundo prazer, um sonho mais que lindo no mar da esmeralda que sorria como no tempo dos pães ázimos de um deserto do Egito, a levedura não gerada, e o terrível pecado em labor de ressurreição, a liberdade massacrada com o veneno letal da danação.
   O resto é História, o absurdo levita com a hora do sangue vertido como sinfonia na calada da noite, a madrugada viceja na verdade de seus lemas, o corpo viaja em pele marcada de cicatrizes, mais violeta em seu peito, mais vermelho em seus olhos, mais dança em seu chão, toda a verdade gritada nos veios do tempo, todo o sonho no instante da visão. Um só vinho na flor de poesia que mora na alma arrebatada de um delírio eterno, o mar e a vingança, a tempestade e o silêncio, nada mais importa, nada mais fica, senão a paz de uma montanha no fim da existência.

26/03/2013 Libertação
(Gustavo Bastos) 

segunda-feira, 25 de março de 2013

FOGO RESSUSCITADO

Que traia a dor ao vil da filosofia,
a flor tépida emula a dança.

Faz o fogo, dor minha,
cair e levantar ao grito
da aurora,
faz do fogo,
meu vento de chama
ao ouvido
mais sublime.

Faz, fogo de fada,
minha vida mais astuta,
meu sol brilhar indômito,
o céu todo com todas
as suas estrelas
cair na minh`alma
como dança do eterno
numa paisagem de vinho.

Faz o fogo tornar a ser Rei!
E do poema faustoso,
labor intimorato
de toda espada
no coração
que levita!

25/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

POEMA-ADAGA

De longe, se mede a distância.
O corpo distante tinge a visão,
qual corpo-esfera de profunda precisão.

De perto, a proximidade se acalenta,
o corpo esquenta em outro corpo,
qual corpo-junção que dá e recebe
toda a face do encanto.

De longe, o poema se enevoa,
e de livre-pensar
se vai ao sem fim
de poemar.

De perto, o poema estala vivo,
pula e ressurge limpo,
qual adaga que voa,
mas que não some,
mata.

25/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

O RELÓGIO E O TEMPO

Relógio, momento da precisão,
em seu tempo se molda o tempo,
decide o universo em sua mecânica,
não pausa ao tempo que lhe cai,
só para por falta de pilhas ou bateria,
no entanto, o tempo em si que lhe foge,
da sua súbita interrupção,
retoma o tempo indômito,
corrigido de seu sono,
mais uma vez com o ponteiro
em dia com todo o trabalho
matinal, vespertino e noturno.

Relógio que não dança,
relógio que derrota
a metafísica,
numa física do tempo urge.

Relógio da hora exata,
reto e lúcido,
retidão e lucidez
de um tempo que
se move
no enigma,
mas que em sua realidade clara
ao convencional se doma,
tempo indômito em si,
que, por trágico que seja,
se doma na aptidão correta
do relógio inventado.

25/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

domingo, 24 de março de 2013

UNIVERSO DUPLO

Adorada, a musa sapiência.
Calmamente, ao sol teme o vento.
Diuturnamente, da lua
traz o rebento.

Fel mortiço da dor exaure,
doce mel das asas decola.
O retrato é fiel à marca,
a pele é o sinal do amor.

Lá do alto, anjo matinal
sorri sozinho,
cá embaixo o mar
braveja,
lá do alto não tem nuvem,
somente os deuses
na alcova,
cá embaixo a terra venta,
dores de sol e vento,
tambores ao relento,
via sacra e desalento,
cá embaixo as almas sofrem,
cá embaixo poucos veem,
tudo é névoa da visão,
na terra funda do drama,
no chão negro do desespero,
cá embaixo o socorro não vem,
lá do alto se vê tudo,
como eterno em si
que o universo refulge.

24/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

FLOR DE LITANIA

A litania que viva ora,
das calmas flamas
a nau vigora.

E o caos, este belo campo de nada,
da relva grita ao céu,
do fim serve ao sol,
da luta morre o farol.

Ao céu a dor profunda,
ao chão a vida imunda.
Ao céu o sonho exato,
ao chão o sofrimento vasto.

Das flores que contei
no campo verde,
tinha rosas e crisântemos,
begonias e lírios,
clarividente violeta
fincava a sua astúcia
como gerânio
extasiado.

Ao céu a flor eterna,
ao chão a palavra incerta.

Tua dor é o meu silêncio,
tua flor o meu delírio.
Tua dor é o meu vinho,
tua flor o meu destino.

24/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

PORVINDOURO

Até que chegue o campo risonho,
fiquemos no vão tristonho.
Até que tudo aconteça,
façamos versos que nos apeteça.

Longe, o mar e o vitral.
Perto, a noite mais o mal.

Até que a hora clara exploda
na nossa cara,
fiquemos com a desonra
do mais sujo drama.

Até que a pequenez morra,
façamos grandezas estupendas.

Mais sal que o mar liberto,
nos dá o frio do tempo.
Mais sabedoria que o sol exangue,
nos é dado o saber
a cada instante.

Até que eu navegue a xangrilá,
não nos zanguemos com estes
do mundo de cá.

24/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

PRIMEIRA FILOSOFIA

Quem, da verdade ao peito clama,
e desdoura no átrio do verso
com voz de alvorada?
A dor a tantos inflama,
e cada um é cadáver de si
e eterno de outro.

Pois, da pena ao sinal da honra,
tudo se vai ao plano que falta.

E da luz imorredoura,
tanto pranto derrama.
E da sombra mortiça,
um sorriso destoa.

Como o limo da pedra,
a cruz e o castelo,
a terra e o céu,
são odes e marchas,
são fontes de filosofia primeira,
uma de caos mantida,
outra de razão urdida.

24/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)