Ricardo era um cara
irascível, não tinha muitos limites quando se tratava de mulher e de ciúmes,
desde os 15 anos se envolveu de corpo e alma com o álcool e a cocaína. Certo de
que poderia fazer tudo o que quisesse, de pai rico, ganhou uma Harley-Davidson
ao fazer 18 anos, já com a soberba de um verdadeiro campeão de infâmias.
Ele não teve
paradeiro por um ano inteiro durante os seus 18 anos, pois decidiu que adiaria
a faculdade de Economia (ideia do pai, que o queria ver ganhando dinheiro, e
muito) para cair na estrada, e levou consigo uma namoradinha de um
relacionamento aberto e bem recente, pois fidelidade não era seu forte, e até
aí nenhum problema, se ele não fosse um cara intratável, muitas vezes, e então
foi à estrada.
Portanto, sua ideia
era fazer Economia no ano seguinte, e convenceu o pai de que ele merecia um ano
sabático depois de ter passado numa boa faculdade. Então, já com a sua sonhada
Harley e uma mochila que tinha, dentre outras coisas, ácido, cocaína e duas
garrafas blue label de uísque, coisa que ele certamente compraria mais, depois,
na estrada, e sua namoradinha, patética, que não entendia o que ele faria
depois da viagem toda, pois Ricardo era dissimulado e não dava sinais evidentes
de tudo o que dizia, sendo um cara até paradoxal, pois poderia ser muito calmo
quando queria, mas em grande parte se achava o máximo.
A viagem seria pelo
Nordeste do Brasil, ele até pensou na transamericana, mas preferiu as praias do
Brasil. Sua namoradinha se chamava Antônia, e tinha só 17 anos, bem burrinha,
mas bem bonita. E foram os dois pela estrada, sem pensar no amanhã, Ricardo
acelerando sua Harley perigosamente pela BR-101. Já na Bahia, perto de Prado,
Ricardo decidiu que iria levar Antônia, com ele, a um puteiro, pois queria
fazer uma ménage à trois, e Antônia, como dependia dele para tudo,
materialmente e emocionalmente, não teve escapatória, a aventura começava já de
maneira bizarra, Ricardo bebeu uma garrafa de blue label inteira, e deixou a
cocaína para depois do sexo para não broxar.
Ele se portou como
um animal, falando impropérios para a puta e para Antônia. A cena era um pouco
ridícula, duas mulheres assistindo àquele espetáculo de ego inflado que elas
não entendiam muito bem. O sexo foi bom para Ricardo, mas extenuante para a
puta e para Antônia. Logo depois, Ricardo levou suas duas mulheres para o bar
do lado do puteiro e pediu cervejas, o que durou até a tarde do dia seguinte,
com Ricardo indo ao banheiro para renovar o seu delírio do pó. Depois disso,
ele se despediu da puta respeitosamente, o que era algo surpreendente para
alguém como ele, e disse para Antônia se arrumar que a viagem para Porto Seguro
tinha que ser rápida, ele queria correr ao máximo, sua adrenalina era passar na
contramão na dupla faixa dando risadas bizarras.
Em Porto Seguro,
Antônia e Ricardo passaram dois dias inteiros, muita praia, até Ricardo decidir
que eles iriam para Trancoso tomar os ácidos que ele levara. Lá, passaram uma
noite numa rave, Antônia passou mal com o ácido, e Ricardo não deu a menor
bola, a deixou num canto e pegou outras duas mulheres, aonde tudo foi regado a
muito uísque e cocaína.
Um cara local ficou
um pouco bravo com Ricardo, pois ele se exibia muito, parecia um pavão, e este
local chamou outros dois locais para conversar “calmamente” com ele (isto é, com
aquela abordagem sutil de quem diz vou te porrar, mas com elegância), no que
Ricardo os dissuadiu com ácido a rodo para os locais, o que foi o bastante para
ele ficar livre para seu ego inflado. Na rave, lá pelas oito da manhã, foi
quando Ricardo se lembrou de Antônia, que dormia com uma baba pendurada na boca
num canto escuro, ele a acordou aos gritos e disse para ela se arrumar e “tomar
vergonha na cara”, que eles tinham que partir para Sergipe imediatamente, e que
preguiça não dava dinheiro.
Ricardo queria ir
para Japaratuba, para tomar o tal Banho de Prata, ou melhor, onde era uma
nascente de águas cristalinas, e ele decidiu que a viagem teria que ser cada
vez mais rápida, pois seu dinheiro era muito, mas não infinito, enquanto
Antônia não tinha um puto. Logo foram para Aracaju, e passaram voando pelo
Parque da Sementeira e o Parque dos Cajueiros, lá dançaram, foi um dos poucos
momentos de romance entre Ricardo e Antônia durante toda a road trip, pois
Ricardo estava sempre preocupado em chifrar Antônia, e isso gratuitamente, o
tempo todo.
Ricardo ficou
admirado com o Banho de Prata, pensava em voltar lá, mas sem Antônia, que, por
sua vez, também sabia ser muito desagradável quando queria, pois vivia
paranoica de que Ricardo a abandonaria na estrada (o que poderia acontecer a
qualquer momento). Ricardo, numa correria maníaca e doentia, do tamanho de seu
ego, queria tirar onda com a Harley, quanto mais rápido na estrada, poderia se
satisfazer de sua sede de aventura, de forma desordenada e imatura, e Antônia
não era nada mais que uma vítima, que estava refém de um amor tóxico. Ricardo
tinha o plano de margear o Nordeste até o Ceará e depois voltar pelo mesmo
caminho.
Ricardo morava no
Rio de Janeiro, e ganhou um apartamento ao passar no vestibular de Economia, em
plena Ipanema, na Visconde de Pirajá, tinha três quartos e uma suíte, seu pai
até pensou em não lhe dar nada, mas viu que ele tinha se esforçado no ano do
vestibular, coisa que ele nunca fizera na vida, sempre passou na recuperação
final até o segundo ano do ensino médio, e lhe deu não só um apartamento, como
uma BMW e a sua sonhada Harley-Davidson. Ricardo não pedira nada, mas sempre
dava indiretas ao pai de que faria uma viagem de um ano, e convenceu o pai
disso depois de ir na maciota, pois seu pai era rico, mas era durão, não dava
nada de primeira. Na verdade, o pai de Ricardo pensava que finalmente seu filho
levaria os estudos a sério, o que não passava de uma doce ou amarga ilusão, o
que os fatos comprovariam.
Agora Ricardo e
Antônia estavam em Maceió, lugar em que as discussões do casal ficaram bem
duras, e Ricardo ameaçou de a deixar para trás, mas Antônia se agarrou em suas
pernas e pediu pelo amor de Deus para ela seguir com ele, no que ele, com um
ardil, aquiesceu, mas estava crescendo em sua mente algo sinistro, digno de uma
novela ou filme. Ricardo, de súbito, ficou doce com Antônia, e ela caiu na rede
meio que sabendo que seria deixada para trás, que aquilo tudo era ceninha de
Ricardo para depois ela levar uma bordoada daquelas. Os dois decidiram que
ficariam em Maceió por uma semana inteira para descansar, e depois tomariam a
estrada na velocidade da luz. A semana foi calma para os dois, mas sem romance,
a doçura dissimulada de Ricardo não convencia Antônia, que se enganava de
propósito para não ter problemas futuros.
Ricardo, no último
dia de estadia em Maceió, levou duas putas para o hotel em que estava com
Antônia, depois de uma calmaria rara, lá estava ele com os olhos esbugalhados e
delirando que queria matar alguém. Resultado: no meio da tarde, depois de
quebrar o quarto, ele, Antônia e as duas putas foram expulsos do hotel, e
Ricardo só não foi preso, pois subornou o dono do hotel para ele ficar de bico
calado. Naquele dia acabara a doçura pré-fabricada de Ricardo e ele estava que
nem um monstro indócil, pronto para morder o primeiro que aparecesse. Sua
cocaína estava acabando, ele saiu por Maceió para encontrar uma boca de fumo
imediatamente, pois morria de medo de faltar o seu pó, abstinência, que ele
sabia, o fazia cagar sem parar.
Ricardo conseguiu
uma cocaína boliviana, depois de conversar com uns malandros que encontrara na
rua, foi ao melhor traficante da região, e dentro da boca experimentou o pó,
quase tendo uma síncope de tanto prazer. Voltou para falar com Antônia transtornado
pelo pó boliviano, ela não se assustou, pois já sabia como era aquilo. Ele
então foi a um banheiro de um bar, onde cheirou cinco carreiras, e saiu urrando
e com os dentes trincados. Suas narinas estavam com o gosto de sabão do pó, sua
garganta exalava aquele cheiro de ego que possui a cocaína. Ali se finalizava o
descanso do casal em Maceió, com Antônia resignada e certa de que seria
abandonada na estrada. Os miasmas, a esta altura, eram febris e perigosos.
E Ricardo agora só
pensava em se esbaldar em Pernambuco, sua Harley foi voando como um cometa em
direção de Olinda. Antônia tinha medo de que tudo acabasse em Pernambuco, pois
Ricardo era obcecado por aquela região, e uma das poucas coisas que lembrava
das aulas de História, era de Maurício de Nassau. Portanto, a coisa começaria a
degringolar exatamente no paraíso de Ricardo, Olinda, aonde ele já estivera
duas vezes no carnaval, e sempre em meio de muita loucura. Já em Olinda, nas
ruas antigas, Ricardo começou a cheirar sua cocaína boliviana na rua mesmo,
quando foi abordado por um policial à paisana, no que, como sempre fez, Ricardo
subornou o policial, este que até deu umas dicas de onde encontrar mais pó para
Ricardo, quando ele arrumou uma cocaína poderosa da Colômbia.
A droga colombiana
descontrolou Ricardo, que apanhou numa briga de bar, e decidiu arrumar um
revólver para matar o primeiro que o desafiasse, pois ele era fodão e valentão,
mas na verdade era um títere de seu próprio ego, não tinha muita base de
reflexão no que fazia, era impulsivo, sabia que sua faculdade de Economia seria
uma constante enganação, que seu pai estava realmente iludido de que ele tomara
jeito, de que deixaria de ser o playboy que sempre foi, desde que despirocou
aos 15 anos. Logo, a droga colombiana resultara em um nariz quebrado e um
revólver Magnum. Seu tesão pelo álcool, sobretudo o uísque, agravara a
situação, ele estava a ponto de agredir Antônia fisicamente, depois de tanto
fazer isto verbalmente e com ardis e ironias de uma malícia covarde.
Antônia estava a
ponto de se revoltar e ela mesma ficar na estrada por vontade própria, mas
sabia que teria de voltar de carona ao Rio de Janeiro, no que declinou da
ideia. Ricardo realmente ficara num estado de fascinação com a droga colombiana,
só não tinha um piripaque porque a adrenalina não permitia. Sua viagem por
Olinda o deixara muito feliz, mas ele já estava, àquela altura, com gestos
corporais rígidos, alternando com súbitas ondas de expressionismo afetado. Parecia
um ator de circo numa chanchada que viraria uma tragédia.
De Olinda, ele
partiu com Antônia para o Recife, e Ricardo já se sentia o próprio Maurício de Nassau,
o conquistador holandês, com sua rigidez pulando para um expressionismo de
cargas kármicas indescritíveis. Ricardo queria pirar por três noites em Recife,
e disse para Antônia ficar no hotel, que não a queria perto dele naquelas três
noites, e Antônia, num dilema abissal, alimentou novamente a ideia de fugir de
Ricardo de carona mesmo até o Rio de Janeiro, no que declinou novamente, meio
que abúlica por toda a situação.
Em Recife, Ricardo
sumiu, arrumou mais uma briga num bar, mas desta vez levou a melhor, um nocaute
com um único soco, se sentiu o máximo e depois foi contar vantagem com uns
malandros que encontrou na esquina, e que não era para ninguém mexer com ele,
pois tinha uma Magnum na cintura. Sua mão fervia para usar a arma a qualquer
momento, e a droga colombiana o incentivava, como a voz interna de um duende: “Do
It! Do It!” Ele delirava sem saber, o estranhíssimo miasma de lucidez aparente
da coca tinha o ardil de contra-atacá-lo quando Ricardo menos esperasse. E a
Magnum explodiria inesperadamente para Ricardo, eis o ardil.
Já de saída do Recife,
quando ele voltou para o hotel, encontrou Antônia com uma faca, ela dizia que
iria cortar os pulsos se ele a abandonasse. Ricardo riu, mas depois pulou em
direção de Antônia e atirou a faca pela janela. Antônia começava a entrar num
quadro de depressão e paranoia, Ricardo era uma verdadeira dor alucinante para
ela, que, apesar de tudo, se via apaixonada e enredada numa história que só
Deus sabia onde iria parar, mas ela tinha esperanças bobas de que na volta do
Rio de Janeiro, com a faculdade de Economia de Ricardo, e a vigília do pai do
mesmo, tudo ficaria, finalmente, no lugar, e os dois se casariam.
A próxima parada era
a Paraíba, onde Ricardo queria fazer que nem na música do Raimundos, uma orgia
num puteiro em João Pessoa, ele era rockeiro, ouvia rock nacional, não conhecia
muita coisa, mas sempre gostou de Raimundos, da fase do debut e do Lavô tá
novo. Ricardo tinha se saciado insanamente no Recife, com a sorte, para ele, de
ter convencido Antônia a ficar no hotel. Neste ponto, João Pessoa só agravaria
as coisas para Antônia, pois a ideia de orgia de Ricardo parecia uma das ondas
de Charlie Sheen ou Dominique Strauss-Khan, numa síndrome de Michael Douglas
escravizante.
Mas, Ricardo queria
bater todos os recordes em João Pessoa, e não tinha tempo para ouvir ladainhas
de caretas, só não tinha pegado AIDS ainda por pura sorte. Na estrada para João
Pessoa ele foi cantando a música dos Raimundos achando que era um ás da estrada
e do sexo, como se fosse um infante querendo provar para si mesmo que poderia
gozar quatro ou cinco vezes numa noite e dizer que foi dez, o que ele já fizera,
mas num esforço patético de puro esfolamento.
Em João Pessoa a
noite no puteiro foi trágica, Ricardo, ainda possuído como um demônio pela
droga colombiana, deu uma broxada na terceira rodada e começou a esbravejar,
saindo quebrando o puteiro e quando chegou um local, dono de um bar ao lado
para tirar satisfações com uma peixeira, Ricardo mostrou sua Magnum prateada na
cintura, no que tudo se fez silêncio, e Ricardo e Antônia saíram voando da
Paraíba, e no meio da estrada, na alta velocidade, numa noite de neblina, a
Harley de Ricardo derrapou na pista e desceu num barranco, arremessando Antônia
e Ricardo numa poça de lama, os dois ficaram com escoriações e arranhões, mas
nada muito sério, no mesmo momento Ricardo ordenou para Antônia para os dois
subirem e voltarem para o acostamento que foi onde a motocicleta fora parar,
com um dos retrovisores torto, mas Ricardo cheirou mais uma carreira da droga
colombiana e gritou estridentemente um grande “Foda-se!” no meio de uma neblina
numa estrada deserta só com ele e Antônia por lá.
A viagem seguiu para
o Rio Grande do Norte, onde Ricardo queria se perder nas dunas, talvez para
tomar um ácido e mergulhar no mar, ou certamente ele faria isso, e disse que
Antônia também teria que tomar um ácido, para ninguém ficar em desarmonia um
com o outro, Ricardo tinha, às vezes, umas ideias místicas bem bobas, sem
embasamento e conhecimento nenhum, fruto de sua cabeça alarmada pela cocaína.
As dunas eram a nova
obsessão de Ricardo, depois de seus delírios holandeses em Olinda. Nas dunas,
Ricardo e Antônia tomaram um ácido fortíssimo, era o tal do gel, que pirou
muita gente por aí, e a viagem de ácido durou da manhã até a noite, com Ricardo
e Antônia gritando palavrões e imitando animais por toda a duna, até ficar
noite, e os dois transarem em moitas esparsas, com Ricardo depois correndo
pelado em direção do mar em plena madrugada, mergulhando e nadando maniacamente
por toda a enseada, não se cansou, o estado de surto do ácido lhe tirara a
noção de cansaço físico, e ele então voltou esbaforido para a praia, e viu
Antônia delirando que havia caranguejos subindo em seu corpo, no que Ricardo
riu e jogou água no rosto de Antônia, e ela começou a chorar com um efeito
tosco de bebê, e então Ricardo a pegou no colo e os dois voltaram para a
Harley, e tomaram a estrada novamente, para chegar ao ponto final da viagem em
Fortaleza no Ceará.
A aventura ficaria
quente e pegaria fogo em Fortaleza. Antônia sonhava que dali para o Rio de Janeiro,
na volta pela estrada, as coisas ficariam normais, ledo engano. A Magnum
fritava na cintura de Ricardo e pedia encarecidamente, como uma voz interior de
Ricardo, para cuspir balinhas pelo vento, sua droga colombiana o deixava cada
vez mais com esta convicção sinistra.
Em Fortaleza,
Ricardo decidiu esbanjar, ele e Antônia foram para um hotel cinco estrelas, na suíte
presidencial, uma fortuna, e foi uma imprudência, pois Ricardo gastara muito
dinheiro com o pó boliviano e o colombiano, mas ele tinha feito as contas e
disse para Antônia que na volta para o Rio de Janeiro o caminho seria de
Fortaleza para o Rio de Janeiro, direto, sem paradas, pois todo o dinheiro
acabaria na esbórnia que Ricardo planejara na suíte cinco estrelas.
No hotel cinco
estrelas, Ricardo desta vez não chamou putas nem aventureiras, ficaria só ele e
Antônia, e ele tinha uma ideia vaga de fazer uma roleta russa, mas decidiu que
ele e Antônia desceriam para o mezanino para comerem até se fartar. Depois
foram para rua, na porta de um bar, onde Ricardo se intrometeu numa briga de
bar e levou porrada de um terceiro que apareceu do nada dando uma voadora na
sua cara. No que Ricardo, irascível incurável, sacou, finalmente, a sua Magnum,
deu tiros a esmo, não acertou ninguém e foi fugindo direto para o hotel,
levando Antônia a tira-colo. Chegaram na suíte presidencial, Ricardo disse que
iria ao banheiro cheirar a droga colombiana, e que depois os dois fugiriam do
Ceará e pegariam a estrada novamente.
O ledo engano de
Antônia se concluiria de súbito, Ricardo sai do banheiro transtornado, com os
olhos cintilantes de fogo, esbugalhados, ele saca a Magnum, faz que vai atirar
pela janela nos passantes da rua, se volta de frente para Antônia e lhe disfere
três tiros no peito, ela morre na hora. Ricardo começa a chorar copiosamente, a
cocaína acabara de transformá-lo num assassino, ele decide que tinha que ser
rápido, em três horas esquarteja o corpo de Antônia e coloca numa mala, vai até
a praia, nada com a mala, e deixa a mala afundar no mar, a um quilômetro da
costa. Esbaforido a apavorado, Ricardo volta para a praia, pega a Harley, e vai
como um foguete, sem parada, em direção ao Rio de Janeiro. Quase bate
fatalmente doze vezes na estrada, chega ao Rio de Janeiro, vai ao seu
apartamento em Ipanema, e começa a rezar desesperado para não ser descoberto.
Uma semana depois,
um mergulhador encontra a mala, ele estava ali para caçar peixes, mas acha
estranho uma mala no fundo do mar, e ainda com o garrafão, abre a mala, saem
pedaços de um corpo que sobem à superfície do mar e começam a boiar numa cena
trágica. Ao mesmo tempo, um funcionário do hotel vai à suíte presidencial
limpar o quarto e encontra um anel. Resolve avisar o gerente de que alguém
esquecera um anel na suíte presidencial, o gerente descobre que foram os
hóspedes da semana anterior, e nisso o mergulhador leva as partes de um corpo
para o IML, chocado. O anel e o corpo tinham o mesmo endereço? Ricardo fica um
dia inteiro em seu apartamento cheirando o resto da droga colombiana, com delírios
persecutórios de que seria preso, de que tudo iria por água abaixo,
apartamento, BMW, Harley, e a faculdade de Economia.
O anel, o gerente
descobre, eram de duas assinaturas, ele liga para o celular, que era o de
Ricardo, ele atende, mas gaguega, o que o gerente acha estranhíssimo, Ricardo
não fala coisa com coisa, o gerente pergunta se ele esquecera um anel no hotel,
se tinha dado falta dele, Ricardo começa a chorar, e desliga o telefone na cara
do gerente. O exame do IML descobre que o corpo era de um esquartejamento, a
polícia civil entra na investigação, um delegado de Fortaleza manda fazer uma
varredura por Fortaleza para achar o assassino. Nisso, outro funcionário do
hotel acha um dedo mindinho no banheiro da suíte presidencial, a coisa ficaria
feia totalmente para Ricardo.
O anel, um dedo
mindinho, e um delegado de Fortaleza obcecado por encontrar mais um assassino,
a somatória era óbvia e ululante, Ricardo rodaria. Descobrem que as duas
pessoas que foram ao hotel são, além de Ricardo, uma moça de nome Antônia,
começa-se a ligar os pontos, como na matemática, uma geometria que daria no Rio
de Janeiro. É tirada a digital do dedo mindinho, na mão do corpo o anel entra
perfeitamente, as digitais, zás, são as mesmas, era Antônia, identificada, e
com digitais de outra pessoa nos pedaços do corpo, e com três balas de uma Magnum
para o exame de balística.
Ricardo pensa em se
matar, mas lembra da Magnum, vai à praia de Ipanema, no posto dez, nada para bem
longe, e deixa a Magnum afundar, desta vez nenhum mergulhador encontraria a
arma, mas o estrago já estava feito, os pontos se ligariam de súbito, a
investigação conclui por A mais B de que o assassino era Ricardo, um mandado
vai à sua captura no Rio de Janeiro, o delegado de Fortaleza contata um
delegado do Rio de Janeiro para buscá-lo e pegar as suas digitais. Chegam no
apartamento de Ipanema, estava vazio, e com vestígios de cocaína por todos os
lados. Ricardo, a esta altura, tinha pegado a estrada da Via Dutra em direção a
São Paulo, seu objetivo era chegar no Uruguai e comprar uma identidade falsa,
mas bate com sua Harley na Dutra a mil por hora, é arremessado, e morre na
hora.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.