Calcinado e ferro em brasa
trago os ouropéis de poeta antigo
qual longe o abismo e o sol
estou em todos os relógios
que perguntam
por suas horas
perdidas
Calcinado e ferro em brasa
dou-me de todo ao meu verso
caindo sem resposta e navegando
vou entrando nos versos súbitos
da pena que não tem pena de ninguém
volteando as ideias e as parcas do destino
qual cozido e holocausto
figuras sintonizam a minha arca e o meu vento
Calcinado e ferro em brasa
vou à Europa decifrar Paris
vou à China falar mandarim
e perco as estribeiras
no vão da epopeia de comidas típicas
um desfile de filosofias e dúvidas carnais
sou o tempo em meu hausto e desespero
sou o homicida do homem racional animal
Aristóteles é o grande e a compilação máxima
e Sócrates é o pensador sem escrita
a maldita escrita dos escritores
eu sou poeta e me refiro ao mundo
eu sou poeta e canto as dores e as vitórias
Calcinado e ferro em brasa
vou embora numa ambulância
sou resgatado depois de rasgar
as minhas vestes porque hei pecado
e me arrependo
do batismo que me ungiu
poeta devastado
Calcinado e ferro em brasa
sou a fogueira desejosa sequiosa
arma e pedra e paus para barricadas
enfermo
deserto
sem eiras
devoto das colinas
eu sou a coisa pensante
o que pensa
e o que se faz poema
Calcinado e ferro em brasa
não temerei a existência
não ouvirei a tristeza
darei vivas para toda felicidade que existe
e num momento qualquer
vou com minhas asas voar
vou viver planando volteando insurgindo
Calcinado e ferro em brasa
serei a marca de minha época
o poeta e seus segredos
o poeta e sua canção
o poeta simplesmente poeta
o que é simplesmente poeta
o poema que poetiza a poesia
o poeta da montanha
o poeta do vale
o poeta da curva
o poeta da pele
o poeta do osso
o poeta do corpo
o poeta da alma
o poeta da morte
o poeta da vida
o poeta poeta
calcinado e ferro em brasa
16/03/2009 Gustavo Bastos