“Um ardiloso e implacável matador, Cláudio Guerra foi para a
linha de frente dos executores da ditadura militar”
O livro “Memórias de
uma Guerra Suja”, publicado em 2012, é resultado do trabalho de dois
jornalistas, Marcelo Netto e Rogério Medeiros, que, ao colherem o depoimento do
matador da ditadura militar, Cláudio Guerra, fez-se um dos documentos mais
eletrizantes dos acontecimentos que cercaram a guerra clandestina entre a
repressão militar e as organizações de esquerda. Tal trabalho veio concomitante
aos trabalhos realizados pela Comissão Nacional da Verdade, o que é mais uma
referência deste período que tem alguns de seus esclarecimentos colocados
agora, no período mais longevo de democracia da História do Brasil, que vem
desde 1985, e das eleições presidenciais de 1989.
Um ardiloso e
implacável matador, Cláudio Guerra foi para a linha de frente dos executores da
ditadura militar, tornando-se autor de grande parte dos assassinatos do regime
de exceção. Rogério Medeiros, então, coloca como a origem das revelações do
livro um episódio de 30 anos antes deste relato, que foi uma reportagem feita
por Rogério no Jornal do Brasil, que acabou com a aura de Guerra de implacável
combatente da criminalidade do Espírito Santo, que, ao mostrar 35 execuções
sequenciadas de queima de arquivo, transformou a imagem de Guerra de justiceiro
a chefe do crime organizado. Com isso, desapareceram as reverências que lhe
tributavam as elites capixabas e os seus políticos.
Rogério, então, numa
dessas conjunções inexplicáveis, recebe um recado de Guerra. Segundo Rogério :
“No final de 2009, eu receberia a visita de uma advogada, portadora de um
convite seu para encontrá-lo num hospital. Estranhei, mas fui ao local na
certeza de que o assunto seria a antiga reportagem que implicara sua prisão.
Não era, ao chegar ao quarto do hospital, onde Guerra aguardava no leito, este
incumbiu-se logo de fazer a atraente oferta de me confiar sua longa jornada de
crimes, como uma espécie de transposição de seu passado em favor da dedicação a
uma vida religiosa que havia iniciado na cadeia.”
Guerra, embora
prejudicado pelas reportagem de Rogério, reconheceu sua honestidade como
repórter, daí a confiança de Guerra em entregar a Rogério sua trajetória de
crimes, especialmente os praticados a serviço do regime militar. O fato é que,
após uma fidelidade aos militares e sua formação anticomunista, as quais
impediam que isso viesse a público, Guerra evangelizou-se e virou pastor, o que
o levou a quebrar o silêncio, também atribuindo tal decisão pela influência do
então subsecretário dos Direitos Humanos do período Lula, Perly Cipriano, ainda
com Guerra no presídio, o que incluiu divagações sobre os direitos essenciais
do homem, em que Perly tentava mudar a visão de mundo de Guerra.
No período de
atuação de Guerra na ditadura militar, o mesmo, quando começou as suas matanças
em nome do regime, demonstrou competência em matéria de execuções e estratégia,
o que o levou logo à condição de principal lugar-tenente do coronel Freddie
Perdigão, cérebro e ideólogo do sistema de repressão da comunidade de
informações.
Com êxito em suas
ações, Guerra alcançaria o lugar de estrategista do escritório do SNI no Rio de
Janeiro. Guerra sobressaiu-se, ao lado do delegado paulista Sérgio Fleury, nas
execuções de adversários do regime militar. Guerra e Fleury foram recrutados pelos
desempenhos à frente dos esquadrões da morte do Espírito Santo e de São Paulo
nos anos 1970. Guerra, não constando na lista de torturadores, pois realmente
nunca torturou, era simplesmente matador, já que o seu trabalho era basicamente
com execuções, começou a eliminar esquerdistas em 1973.
Guerra foi homem de
total confiança do coronel Perdigão e do comandante Vieira, um do SNI e outro
do Cenimar, dois expoentes do que houve de mais violento na guerra clandestina
vivida no Brasil. Guerra matava sem saber os motivos e sem conhecer a vítima,
cumprindo com determinação ideológica as ordens superiores. Esse trio -
Perdigão, Vieira e Guerra - numa relação criminosa de mais de 15 anos, fez um
grande estrago na esquerda armada e não armada do período de exceção.
Já no período do
governo de Ernesto Geisel, Guerra participou de planejamentos e execuções de
atentados contra a então incipiente abertura política, sendo um dos mais ativos
executores de atentados no início dos anos 80, contra a redemocratização do
Brasil.
As execuções da
repressão eram associadas sempre a manobras para provocar confusão e despiste. Pois,
quando era para eliminar somente um guerrilheiro urbano, a ação era seguida de
conversas diversionistas, após a execução, com as testemunhas oculares. Estes,
com informações falsas, eram ludibriados e faziam, então, depoimentos
incoerentes, dificultando qualquer investigação. Uma segunda regra era usar
agentes de outras cidades, o que significava que São Paulo mandava uma equipe
para o Rio, que mandava outra para Belo Horizonte, e assim por diante.
Em pouco tempo,
Guerra ficou mais relevante para o regime militar praticando ações clandestinas
fora do Espírito Santo do que como o conhecido e temido policial do DOPS em
Vitória. A técnica de Guerra era simples e sempre a mesma: dois tiros diretos
no peito da vítima. Por não saber o porquê das ações e para quem era, Guerra
teve dificuldade de lembrar nomes, datas e locais no seu depoimento para o
livro.
No final de 1973, em
determinado momento da guerra clandestina, a discussão era o que fazer com os
corpos dos eliminados da esquerda. Foi então que surgiu a ideia que, devido às
transações de armas contrabandeadas pelo Trotte (agente da CIA), e Guerra, por
isso, tendo influência sobre alguns fazendeiros que precisavam de armas para
proteger as suas terras, era a de incinerar os corpos das vítimas na usina de
Cambahyba, localizada em Campos dos Goytacazes, fazenda que era propriedade de
uma família de extrema-direita, todos ligados à TFP – Tradição, Família e
Propriedade, uma vez que enterrar os corpos em cemitérios clandestinos ou
jogá-los ao mar (operação comandada pelo Cenimar) já eram técnicas manjadas.
Então, a Usina
Cambahyba foi muito usada para este fim nas décadas de 1970 e 1980. E foi assim
que Guerra levou dez corpos de presos políticos para a usina, todos mortos pela
tortura no DOI e na Casa da Morte, em Petrópolis, além dos cadáveres
provenientes do DOI da Barão de Mesquita e os que vinham de São Paulo, sendo
que a Casa da Morte era para onde iam as pessoas mais importantes.
Um dos nomes ligados
às execuções na casa era o do coronel Freddie Perdigão, que usava o codinome
doutor Nagib nesse aparelho. Guerra também ajudou a atirar corpos em um
penhasco da Floresta da Tijuca. Nesse local eram jogados corpos de presos
políticos apanhados no DOI-Codi da Barão de Mesquita, na Tijuca. Ali era feita
a desova de corpos de criminosos comuns, que a Scuderie Le Cocq usava com
frequência. Até que a nova estratégia da usina mudou o panorama para a
incineração dos corpos dos presos políticos.
Nessa época, começou
uma desavença entre Fleury, o Exército e o SNI (Serviço Nacional de
Informações). Fleury era municiado de informações pelo Cenimar, órgão da
Marinha ao qual Fleury era mais próximo. Na Chacina da Lapa, que foi o
assassinato de três militantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B), em 16
de dezembro de 1976, durante uma reunião da cúpula do partido em uma casa no
bairro da Lapa, em São Paulo, Fleury, muito vaidoso, queria ter os louros desta
execução, pois isso significava desmantelar a Guerrilha do Araguaia e executar
os líderes mais importantes do PC do B, dizimando o partido.
No dia estabelecido
para a invasão, todas as equipes do Rio e de São Paulo cercaram a casa, começando
o tiroteio. Todas as equipes presentes na operação passaram a disparar
ininterruptamente durante um bom tempo, sendo que o tiroteio foi de fora para
dentro da casa. Não havia armamento no interior da casa, e para sustentar a
versão da troca de tiros, a equipe de Fleury colocou armas nas mãos dos
cadáveres, técnica conhecida no jargão policial como “colocar vela na mão do
morto.”
Por sua vez,
Perdigão era um dos lados mais sombrios da repressão. No processo de
redemocratização do país, iniciado pelo general Geisel e aprofundado pelo
general Figueiredo, sobretudo após a Lei da Anistia de 1979, houve uma reação
da linha-dura, na qual Perdigão era uma das principais lideranças. Habituados
ao poder e à impunidade, este grupo passou a organizar atentados para culpar a
esquerda. A ideia era provocar um clima de insegurança e incerteza à sociedade
que minasse a abertura política construída pelos generais Golbery e Geisel.
Foi nesse contexto
que Perdigão tramou uma diversidade de atentados, incluindo o maior deles: a
explosão de uma bomba durante show no Riocentro em 30 de abril de 1981. Um
erro, porém, fez com que o explosivo detonasse antes da hora prevista. O
acidente acabou matando um sargento e ferindo um capitão. Antônio Vieira também
esteve no comando do atentado ao Riocentro.
Dentre outros fatos
da ditadura militar teve a Oban, Operação Bandeirantes, em 1969, que era um
centro de informações e investigações montado pelo Exército para coordenar e
integrar as ações dos órgãos de combate às organizações armadas de esquerda
durante o regime militar. Começou como uma parceria entre Estado e empresários,
e foi absorvida pelo DOI-Codi do Exército.
Ao falar dos
principais personagens da repressão no submundo da ditadura, podemos citar
Cláudio Guerra, coronel Freddie Perdigão, comandante Antônio Vieira, Doutor
Ney, delegado Sérgio Fleury, e ainda mais dois, os coronéis Carlos Alberto
Brilhante Ustra e Paulo Manhães. Perdigão e Vieira eram chefes operacionais,
enquanto o Doutor Ney era o elo entre o SNI, o DOI-Codi e as outras áreas de
informação, em Brasília. O coronel Paulo Manhães chefiou a agência do SNI do
Rio de Janeiro e estava, hierarquicamente, acima do coronel Perdigão, que era,
por sua vez, chefe do escritório do SNI. Com o codinome Pablo, Manhães era
conhecido na comunidade de informações como responsável por um plano de
extermínio do Partido Comunista Brasileiro em todo o país, tendo sucesso, em
suas ações, no estado da Bahia.
O conjunto dos
órgãos estatais responsável pela segurança interna do país e pelo combate à
subversão ficou conhecido, no período militar, como comunidade de informações.
O eixo principal desta comunidade era o SNI, criado e organizado pelo general
Golbery do Couto e Silva. Golbery era um intelectual que acabou tendo imenso
poder nos dois governos militares em que foi chefe da poderosa Casa Civil. As
Forças Armadas contavam com órgãos de informação dentro da sua estrutura
formal: o Centro de Informações do Exército (CIE), com o famoso DOI-Codi; o
Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA) e o Centro de
Informações da Marinha (Cenimar). Essa estrutura foi incrementada em 1967 com a
criação do SNI (Serviço Nacional de Informações).
As polícias -
Federal, Civil e Militar – também tinham seus próprios órgãos de informação
dentro da estrutura organizacional, mas não tão bem definidos como nas Forças
Armadas. A Delegacia de Roubos e Furtos e o DOPS (Departamento de Ordem
Política e Social), da Polícia Civil, tinham as melhores equipes para atuar no
combate à esquerda, pelo conhecimento adquirido com investigação e espionagem
de crimes comuns. Embora não estivessem hierarquicamente submetidos aos
comandos militares, os dois organismos policiais acabaram sendo grandes
fornecedores de quadros para auxílio aos militares na repressão.
Institucionalmente, as polícias são força de reserva militar.
A Polícia Federal
também desenvolveu sua própria estrutura de informação e inteligência, e,
claro, foi também grande fornecedora de quadros e recursos para o combate à esquerda.
O contingente da Polícia Militar já servia naturalmente ao Exército, uma vez
que os comandantes das PMs, na época, eram coronéis do Exército.
Alguns escritórios das procuradorias federais
nos estados faziam parte da comunidade de informações. Esses gabinetes davam
suporte ao SNI quando a capital de um estado não tinha sede própria. Braços da
comunidade de informações, não oficiais, estenderam-se para além do aparelho do
Estado, se infiltrando nas associações particulares, como a maçonaria, e na organização
policial paralela Scuderie Le Cocq, cujos membros se denominavam “irmãozinhos”.
(Milton le Cocq – detetive da Polícia do Rio de Janeiro que chegou a integrar a
guarda do presidente Getúlio Vargas. Foi assassinado em 1964 por Manoel
Moreira, o bandido conhecido como Cara de Cavalo. O episódio deu origem a um
dos mais famosos grupos paramilitares que já atuaram no Brasil, a Scuderie Le
Cocq). A comunidade de informações, no acirramento da guerra contra a guerrilha
urbana e rural, estendeu seus braços também à contravenção, o jogo do bicho.
Por seu turno,
Sérgio Fleury teve um fim melancólico: ele, que foi delegado do DOPS em São
Paulo, assumiu por um longo período da repressão militar a sua face mais
sangrenta. Por esse motivo, passou a ter um poder exagerado, liderou um grupo
de torturadores e assassinos de presos políticos até cair em desgraça e ter
decretada a sua morte numa votação na qual Cláudio Guerra participou.
Segundo Guerra, após
a morte de Fleury, o clima de paranoia se instalou, pois os membros da
irmandade da comunidade de informações achavam que qualquer um deles poderia
ser o próximo a morrer. Esta dúvida se fez comum entre os civis que trabalhavam
nas operações clandestinas comandadas pelo SNI. O medo se justificava, a morte
de Fleury representou uma queima de arquivo, a primeira de uma série. Morreram
muitos, alguns em acidentes forjados.
A origem do
DOI-Codi, por sua vez, foi produto do trabalho de Perdigão, que construiu
organogramas, gráficos, e que tornou esta a última fronteira institucional, com
sede, orçamento, hierarquia e pessoal. A partir da criação do DOI-Codi, começou
a improvisação e a guerra suja, com a Casa da Morte, os cemitérios
clandestinos, as execuções, a usina Cambahyba e os financiamentos ilegais da prática
de repressão.
Ao Codi cabia o
controle e a condução das medidas de defesa interna, sua finalidade era a de
garantir a necessária coordenação do planejamento e da execução, nos diversos
escalões de comando. O Codi deveria possibilitar a conjugação de esforços do
Exército, da Marinha, da Aeronáutica, do SNI, do DPF e das secretarias de
Segurança Pública. O DOI, por sua vez, era o órgão operacional do Codi,
destinado ao combate direto às organizações subversivo-terroristas, na
descrição dada por Perdigão.
O Angu do Gomes, na
área da tradicional Praça Mauá, foi um dos lugares em que foram tramados os
planos de assassinatos comuns e com motivações políticas e os atentados a bomba
do período de redemocratização do país. Foi ali que o grupo de Perdigão
conspirou contra Geisel, Golbery e Figueiredo. Ao lado do Angu do Gomes havia
uma casa de massagens aonde também havia conspirações, e as ações violentas eram planejadas ali. Os
dois imóveis, o restaurante e a casa de massagens com garotas de programa,
pertenciam à Irmandade da Santa Cruz dos Militares. Todos os coronéis da
linha-dura faziam parte dela. A Tradição, Família e Propriedade (TFP) era um
braço dessa irmandade. TFP que tinha, segundo Perdigão, forte ligação com o
SNI. (TFP – Movimento católico conservador fundado em 1960 pelo então deputado
federal Plínio Correia de Oliveira, e que apoiava firmemente o regime militar).
Referente aos
financiadores da repressão se incluíam os bancos Mercantil de São Paulo (muito
forte durante o regime militar) e o Sudameris. Os recursos que viabilizavam o
pagamento da equipe de operações clandestinas vinham dos empresários que, em
troca, eram beneficiados pelo regime militar. Nunca faltou dinheiro para as
operações no regime. Um dos empresários que apoiaram as ações clandestinas foi
o deputado capixaba Camilo Cola, dono da Viação Itapemirim. Cola, que era muito
próximo de Perdigão, arrecadava recursos entre grandes empresas como a Gasbrás
e a White Martins, e os donos do Mappin também sempre ajudaram a combater a
esquerda em São Paulo.
Entre o final da
década de 1970 e início da década de 1980, toda a estrutura montada para
combater a esquerda começou a ser desmantelada. Dentro do governo militar
emergiu uma corrente contra a linha-dura, esta última que tinha granjeado muito
poder desde o AI-5. A divergência entre os grupos e a percepção, em Brasília,
de que não havia mais enfrentamento armado contra o regime aceleraram a
abertura política.
A desarticulação
começou pela peça-chave do sistema, o Destacamento de Operações de Informações
– Centro de Operações de Defesa Interna (DOI – Codi) nos estados. A abertura
política lenta, gradual e segura, defendida pelo general Ernesto Geisel,
enfrentou forte resistência da linha-dura. Acostumados ao poder, grupos de
oficiais das Forças Armadas, de policiais federais e civis resolveram agir por
conta própria, fora da cadeia oficial de comando. Forças da linha-dura que
acreditavam que, por meio de atentados, conseguiriam deter a redemocratização.
Desses grupos
contrários à abertura política partiram ações de atentados terroristas a bancas
de jornal, veículos de comunicação, eventos e shows. O atentado ao Riocentro, a
carta-bomba na OAB, as explosões em redações de jornais, dentre outras ações,
foram obra da linha-dura resistente à redemocratização. No caso do atentado ao
Riocentro, este foi o mais importante, pois foi um divisor de águas, e que
caiu, literalmente como uma bomba, no colo da linha-dura, que foi fulminada por
esta ação desastrosa.
A bomba, que poderia
ter provocado a maior tragédia e o grande golpe contra o projeto de abertura
democrática, foi parte de um atentado que deu errado. No comando estavam
Perdigão, Vieira, e Brilhante Ustra. A ideia era causar enorme repercussão
naquele dia, pois naquele show poderia morrer muita gente, inclusive do meio
artístico. O intuito era responsabilizar grupos de esquerda pelo atentado. O
destino da bomba era o palco dos shows. Mas, quando a bomba explodiu no carro
fechado, um Puma, o corpo do sargento que estava no carro absorveu todo o
impacto e o efeito destruidor da bomba não se propagou. E esta era uma das três
bombas que deveriam explodir no show.
O capitão Wilson
estacionou o veículo embaixo de um fio de alta tensão e a carga elétrica desse
fio, a energia que passava em cima do Puma, fechou o circuito da bomba,
provocando a explosão. O erro foi do capitão. Essa falha frustrou um atentado
que tinha sido meticulosamente planejado pela inteligência do DOI-Codi. E a
revista Veja de maio de 1981 apurou que painéis de propaganda do Riocentro
foram pichados com a sigla VPR, na tentativa de atribuir o atentado à extinta
Vanguarda Popular Revolucionária, organização de esquerda liquidada em 1973
pelos órgãos de segurança. (A Vanguarda Armada Revolucionária Palmares –
VAR-Palmares – surgiu em julho de 1969 como resultado da fusão do Comando de
Libertação Nacional – Colina – com a Vanguarda Popular Revolucionária – VPR –
de Carlos Lamarca.)
O objetivo das
bombas no Riocentro era provocar uma tragédia e responsabilizar os comunistas.
Os militares da linha-dura acreditavam que, assim, a sociedade se revoltaria
contra a esquerda e a abertura política perderia o apoio da população. A equipe
do atentado do Riocentro foi escolhida pelo coronel Perdigão, companheiros de
Guerra, que depois se envolveriam numa ação policial famosa e polêmica com a
Falange Vermelha. Como policiais do então DGIE, após investigações, entraram no
Conjunto dos Bancários, na Ilha do Governador, no Rio, provocando um tiroteio
de mais de dez horas. A Falange, a primeira organização criminosa do Rio, que
se transformou depois no Comando Vermelho, aprendeu sobre luta armada urbana
com os presos políticos, na Ilha Grande.
Aqui está um dos
pontos principais do depoimento de Cláudio Guerra que, num desencargo de
consciência, espera na salvação cristã, refrear um pouco de sua biografia
pesadíssima. Não se tece aqui juízos de valor, o que se tem atenção é como o
sangue frio circulou nas mãos de homens como Guerra pelos atos da repressão, e
que, no alvorecer de um pastor de igreja, não apagam as pegadas deixadas pelo
mesmo, pegadas e marcas que o próprio registrou neste livro tão relevante para
saber tanto sobre uma história particular de um matador, como da História do
Brasil recente.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://www.seculodiario.com.br/21373/14/imemorias-de-uma-guerra-sujai