"
Se as portas da percepção se desvelassem, cada coisa apareceria ao homem como é, infinita."
(William Blake)
I
Da Coluna principal o princípio de tudo:
Fez-se Universo, dores lancinantes do parto
e a esférica lembrança
de gritos e perdões,
de gritos e gerações,
tudo ondulando o giro dos mundos,
tudo conspirando no céu sempre eterno
que olhava a terra na qual nós passamos
como rios sinuosos e ignorantes do Absoluto.
Velava a vida o karma, a luta espiritual
com os ferros do presídio
que um dia foi a loucura do sábio.
E que, com a sua memória,
trazia de si o Universo pondo-se
como o indizível Espírito.
O karma era o inferno
das dores lancinantes
da Criação,
a geração da existência
que não é uma simulação demoníaca,
mas uma manifestação de Deus
em sua pureza ocultada
para não nos cegar
com a sua luz também
indizível e impensável.
Da Coluna principal era Deus
o grande mestre do livro da vida.
Na sua onipotência sentenciou
os erros ao seu perdão,
e não se ofendeu
com os sacrifícios
em seu nome.
A Coluna principal
era a nuvem pacata
de um portal
para todas as dimensões,
criações e tempos infinitos
de um labirinto
em que as sete chaves
dos sete céus
são a sua onisciência
de Deus Todo Poderoso.
A Coluna principal nos leva
à compreensão de que
o mundo é perfeição.
O perfeito motor que
sabe nos guiar
ao que é perfeito,
e que na sua transcendência
nos convida
a viver como amantes
do grande Sol universal
que é a chama da vida eterna
na sua onipresença.
II
Caiu do céu a vida eterna,
caiu o Espírito Imortal.
Chega então a nova era.
Novilho no campo, desfez-se em lobo,
devorou o topázio, o diamante,
a pedra-sabão, e devorou
o pátio tomado pelo fogo da paixão
e pelo ódio à Inveja.
Já era então o seu tempo impreciso:
O tempo é impassível, é uma mola de ironia
e perfeito ataque.
Chega então a nova era.
O plano era este:
Contemplar as estações,
contemplar as mutações,
se vingar da morte prematura
e alimentar o porco
de seu próprio feitiço.
O bruxo era Deus,
a bruxaria da Criação dos mundos,
o delírio da carne
e a redenção do Espírito.
Um só foi quem fez isto no que dançamos,
e a peste pela qual passei
foi a vontade eterna
de Deus, e seu silêncio fez
silenciar os azares da sorte.
Caiu do céu o humano,
o imortal virou barro,
e fez-se então a morte.
III
Desde sempre gira o mundo,
o eterno faz tudo girar.
Se apresenta o perfil do aniquilador,
se faz de um tempo possesso
e misterioso,
representando a sua fúria
no teatro bestial dos entes disformes
e nanicos da plateia.
Desde sempre o fogo nasceu,
e a primavera é certa,
o amor é certo,
a glória é certa,
a fumaça se entrega
e o cadáver vira outro capítulo
de uma estória fatal.
A Coluna principal é o tempo,
o quanta da luz em seu arrepio
de terremoto e premonição,
o eixo das visões
de céu, terra e inferno.
O tempo é a delícia da vida,
o tempo é a sabedoria
do plano divino em sua escrita total.
Desde sempre gira o mundo,
quem sabe é a montanha,
sabe o que a terra em sua insânia
ignora, e que, mesmo assim,
deseja como a sua morada
e o seu destino.
IV
Com um globo de fogo fornicava
ávida a serpente,
com a garganta profunda do abismo
e que guardava a sete chaves
o bebê do mestre dândi e dantesco,
bebia o seu sangue nobre
uma dama das águas de sal do mar eterno.
E qual miserável dama teria tal coragem?
Com um sol enorme nas ventas
a enormidade se metamorfoseava
na praia com uma trombeta
retirada do pântano do passado imemorial.
Batia a hora do deleite,
e os cavalos corriam com suas pétalas de égua.
Com um globo de fogo na enormidade da praia,
a querida onda batia no meu dorso
e me triturava os ossos me jogando na areia
de volta ao vivo ardor da sutil eternidade.
A Coluna principal sorria em seu Eterno,
o tempo contemplava a dor futura e a felicidade futura.
Despiu-se a nobre dama
no seu deleite para a fornicação
de dois cadáveres destemidos,
e uma louca paixão a tomou
como o incensário
da certeza amorosa
do Eterno que nasce
e diz ser fogo,
e que pelo fogo se consumirá
até a hora de dizer adeus
e voltar ao céu,
sendo então a dama a dona do panteão
e a enviada pela tropa
para morder a isca
do velho poeta e sábio
que vivia num mar de lágrimas.
V
Vós sabeis a cor do drama,
em tudo girava sangue & fel,
potência & céu,
e noite e dia e tudo de uma vez só
na hora do deleite.
Diz ao Eterno:
Brinquemos de sermos irmãos e camaradas,
e a tua vitória será a minha vitória.
Eis a palavra honrosa: uma rosa de saudade
entre os cicerones incapazes de entendê-la.
Vós sabeis a cor do drama,
já eram noite e dia
irmãos do mundo que gira,
Deus sendo o visitante
das minhas horas de angústia,
pronto a anunciar
a hora do deleite,
do puro deleite
que nos chama à vida doce
de ser apenas humano,
mesmo sabendo-se imortal,
mesmo sabendo-se lenda,
mantendo-se humilde
pela vontade de Deus,
mantendo-se obediente
ao livro da vida,
amando até à plenitude
tudo o que tocar,
e evitando as ciladas
que se apresentam.
A Coluna principal é o recado:
Em direção ao panteão
tartamudeava o breve anão do poço,
e a dama risonha
se deliciava com seus
olhos de amêndoa,
tão esbelta como a flor delirante
que o tempo jogava aos animais
de pouca inteligência e de pouco tato.
Vós sabeis a cor do drama.
A Coluna principal bendiz
o meu destino
de brutal caveira.
Vós sabeis a cor do drama:
escarlate até à morte!
VI
Do penhasco caíram as sete chaves,
eis o holocausto do revólver
que era a armadilha do bobo.
A Coluna principal sorria outra vez,
e a sede do panteão já teria
a sua eleita,
sem bem saber que a vidência
era certa como o livro da vida.
No retorno da fria escalada,
o poeta regurgitava
os seus lobos e os seus pombos,
e os urubus passaram por ele
reverenciando-o.
Do penhasco dizia que era mortal
e capaz de se cortar com várias
unhas e tridentes.
Mas, eis que o mortal era outro,
e que fenecia na tumba de fumaça
e enxofre,
puro holocausto!
A Coluna principal sorria mais uma vez.
Era o labor do inferno
e o remédio para os males
da língua.
Eis o retorno:
A dama era de uma beleza estonteante!
Pude refazer o tempo em que
eu estive com ela,
e se fez então a vidência
do presente tempo,
revisitando o futuro.
A Coluna principal sorria mais uma vez.
VII
Da Coluna principal o princípio de tudo:
A escalada era o tempo em seu frutífero espaço.
Desvelando o mistério se fez
chama verídica e pontilhada de sóis.
Desde sempre gira o mundo,
e o futuro será puro deleite.
Na prece a servir o futuro:
E o futuro será puro deleite.
A Coluna principal sorria mais uma vez.
O princípio e o fim e o meio de tudo
se encontram na fornicação das estrelas.
Preparava-se a viagem interestelar,
preparava-se o campo
para o pranto do reencontro
das almas jovens e fugazes.
A Coluna principal sorria mais uma vez.
E o tempo é isto!
Saberá Deus a hora de retirar o inferno
e refazer o céu no livro da vida,
e dizer que a vida é o gerador do tempo
que nos trará a bênção e a glória e a graça
de tudo ser eterno
com o coração salvo
da angústia abissal,
e pleno de felicidade!
A Coluna principal alcança
finalmente o seu desígnio,
fecham-se as cortinas do palco
e a partir de então
reinará a paz de espírito
que a poesia sonhara,
paz tão buscada
e que o livro da vida
servirá na hora
do puro deleite.
Está escrito.
Gustavo Bastos 29/07/2008