PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 26 de março de 2020

GURUS E CURANDEIROS – PARTE XXII


“O fanatismo do Sebastianismo, em sua versão brasileira, era insuflado pela crença na ressurreição de Dom Sebastião”

O Rei Dom Sebastião (1554-1578), de Portugal, foi o monarca mais popular da História deste país, e teve reflexos diretos no Brasil, que culminou no movimento religioso-místico e messiânico chamado Sebastianismo, que também foi denominado de Mito Sebástico ou Mito do Encoberto, a partir do desaparecimento deste rei no século XVI.
O misticismo de caráter messiânico, em torno da figura de Dom Sebastião, operou um descolamento da realidade e também da própria figura real deste monarca, e um dos mitos defendidos pelo movimento sebastianista era o de que Dom Sebastião não havia morrido na batalha de Alcácer-Quibir, no norte da África, em 1578, na qual ele desaparecera.
O fato de não haver herdeiro para o trono português, após o desaparecimento de Dom Sebastião, pois seu tio, Dom Henrique, havia morrido, despertou o mito de que Dom Sebastião estava vivo e que esperava o momento propício para derrotar os espanhóis, pois eles haviam tomado o trono português com a União Ibérica, pelo Rei Filipe II, da Espanha.
A chamada batalha de Alcácer-Quibir foi uma disputa entre os portugueses, liderados por Dom Sebastião, aliados com o exército do sultão Mulay Mohammed, contra os marroquinos, estes liderados pelo sultão Mulei Moluco. Tal batalha resultou na derrota dos portugueses.
Com a ocupação do trono português pela Espanha, e o começo do Sebastianismo, surgiram vários impostores se dizendo ser o rei desaparecido, aproveitando o ímpeto nacionalista português, pela perda de sua independência, e com o fortalecimento da ideia de salvação e da vinda de um salvador. Neste caso, o mote era a expectativa depositada no retorno triunfal de Dom Sebastião, este que seria a encarnação da ideia messiânica de “salvador da pátria”. Contudo, em 1640, este mito sebastianista arrefeceu, pois houve um golpe de Estado, que restaurou a independência de Portugal.
Por sua vez, o Sebastianismo chegaria e seria revivido no Brasil, já no século XIX, sobretudo no nordeste do país, se misturando ao imaginário popular da região, e sendo uma nova versão do fenômeno português. Em Pernambuco, nesta nova versão messiânica sebastianista, o movimento adquire caráter violento e de intenso fanatismo, com líderes religiosos explorando a fé da população, em sua maioria humildes e flagelados pela seca, isolados geograficamente, e sem informação alguma.
O fanatismo do Sebastianismo, em sua versão brasileira, era insuflado pela crença na ressurreição de Dom Sebastião, como um salvador da população flagelada, com promessas mirabolantes como juventude eterna e uma vida abundante e plena. E foi em Pernambuco que se deu dois movimentos trágicos do fanatismo sebastianista : o da Serra do Rodeador, no município de Bonito, em 1819-1820, e o da Serra Formosa, em São José do Belmonte, no período de 1836 a 1838.
O primeiro movimento ficou conhecido como “A Tragédia do Rodeador”, e teve como líder religioso Silvestre José dos Santos, “Mestre Quiou”, e que tal tragédia também foi denominada de “massacre de Bonito”, matança que ocorreu no arraial fundado pelo líder religioso, denominado Sítio da Pedra, e que resultou em muitas mortes, comandadas pelo governador de Pernambuco, Luiz do Rego, em 1820.
O segundo movimento, A Tragédia da Pedra Bonita, ocorreu na Serra Formosa, no município de São José Belmonte, no sertão de Pernambuco, num lugar chamado Pedra Bonita, e que também ficou conhecida como Pedra do Reino. Nesta tragédia, o movimento foi inicialmente liderado por João Antônio dos Santos, que fundou um reino com regras próprias, um mundo paralelo, alheio ao resto do país, e tal líder pregava o retorno de Dom Sebastião, e dizia mistificações como ter tido contato com o próprio, e que ele retornaria para a salvação do povo.
Pessoas de pouca instrução estavam sendo exploradas em sua boa fé naquela região, com a manipulação de uma bebida feita à base de ópio e jurema, e seu número aumentava, o que chamou a atenção das autoridades do governo brasileiro, da Igreja Católica e de fazendeiros locais.
Um padre da Igreja convenceu João Antônio a parar com suas pregações, mas este deixou um novo líder em seu lugar, João Ferreira, que radicalizou o fanatismo do movimento, em que o retorno de Dom Sebastião dependeria de um banho de sangue em Pedra Bonita, e tal líder comandou um massacre em maio de 1838. No dia 18 de maio daquele ano, o arraial de Pedra Bonita foi destruído por forças comandadas pelo major Manoel Pereira da Silva, na tentativa de conter a chacina fanática de Pedra Bonita, que Ariano Suassuna, em seu romance, chamaria de Pedra do Reino.
Também foi mais um fenômeno do movimento sebastianista a chamada Guerra de Canudos, outra tragédia, esta que teve como líder religioso Antônio Conselheiro, massacre este que foi localizado na Bahia, entre os anos de 1893 e 1897. Mais um movimento que pregava o retorno triunfal e salvador de Dom Sebastião, neste caso, para restabelecer a monarquia e derrubar a República.
Em 1897, o arraial de Canudos foi destruído pelo Exército. Euclides da Cunha produziu o melhor documento histórico deste episódio com seu livro Os Sertões, um dos mais importantes da literatura brasileira, jornalista que passou três semanas no local da guerra como correspondente de O Estado de São Paulo.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.