X – CONFLITO DO TEMPO E DA IDADE
Como no tempo de inverno, escorou-se no alto cimo um velho,
Eu me via neste velho como um orgulho
De ter visto a vida inteira,
Profanando a ignorância vadia
E alcançando a cabeça o teto
(Do céu sem muro)
Como um mambembe,
Sem destino pronto,
Sem afago e princípios morais,
Destituído de crença,
Rubro, acre e estúpido,
Ignorante por ver tudo,
E ignorá-lo por sabê-lo.
Rastreando no poço dos elementos:
À terra (esta é a imaginada teoria)
Que me indago, se esta sim se mancha
De azulados tempos,
Ou sentimos nela a Fé ou a tempestade,
Ou a cólera ou a ingenuidade,
Os corais das raízes,
Que brotam os genes do ócio.
A temperatura caindo, e o meu calor indo embora.
Por ser então a água, na qual moldamos
Os líquidos (os venenos e os antídotos),
Água bem pura ou totalmente suja,
O rio e o mar e o lago, no fim a ilha
Cercada de águas.
E me falta, porém, o Ar.
Este é para as narinas o bálsamo,
Para os pulmões a vida,
E paira como deve pairar.
Sendo o fogo, último e primeiro elemento,
O fundo do mundo sinistro
Que não come terra,
Que não bebe água,
E que não sopra o ar.
Do fogo eu me visto,
O extremo extermínio
Que me doura a pele
E que me faz cegar,
O extermínio extremo
Que é do fogo,
Este valioso ser de todas as loucuras,
Como se assim nos desse a mão do inferno
O queimado, e o fim dos dias,
E o começo da aurora
Um ritmo crepuscular.
Que faz tudo até o coração perder-se.
Nós todos, que morreríamos,
Vamos nos dar o ciclo empedocliano,
Ou seria um fogo pentecostal?
Não se dará um tempo sem extremos.
Um século sem armas.
O tempo do extermínio é a glória humana.
Peste dos anos e das épocas,
Chãos sem chão,
Carga da vida que se crê viver,
Os mais longos invernos
Dos fundos mundanos,
Dos sinistros bombardeios,
Das escadas sem o que subir ou descer,
Espantam o fogo (a vida própria),
Que eu, velho, estaria jovem.
O tempo, qual um abismo,
Nos elementos se faz.
Antípoda do delírio jovem,
Se faz a velhice em mim encarnada,
Que eu não entendo por não querê-lo.
A fertilidade, a virilidade,
No panteísmo é o solo.
Que ao qual encontramo-nos distantes.
Como se um Deus fosse nosso,
Ou como se a terra fosse nossa,
E não nós da terra.
Como se água, ar e fogo, após
A conquista do mundo,
Não fossem a alma de nós perdida.
A terra que se perdeu,
É a raiz da divina luz
Que não é mais a iluminada noite.
Adélia Prado Lá em Casa: Gísila Couto
Há 2 semanas