PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

MILÍCIAS ARMADAS NOS ESTADOS UNIDOS

“Os Proud Boys enfrentaram antifas em muitos protestos violentos nestes últimos dois anos.”

Nos EUA, o movimento paramilitar é avalizado pela Segunda Emenda da Constituição. Ratificado em 1791, o texto diz : “Sendo necessária uma milícia bem ordenada para a segurança de um Estado livre, o direito do povo a possuir e portar armas não poderá ser violado.”

WOLVERINE WATCHERS

Este grupo foi o que fez o fracassado plano de sequestrar e derrubar a governadora democrata do Estado de Michigan, nos Estados Unidos, Gretchen Whitmer, que foi impedido e desbaratado pelo FBI (polícia federal americana), em que esta milícia buscava nisto um movimento civil maior, uma guerra civil.

O FBI relata que seis homens dos treze detidos planejavam realizar um julgamento por traição contra Whitmer, que virou alvo dos negacionistas do coronavírus, pois a governadora tinha estabelecido medidas rigorosas de controle e mitigação da pandemia, medidas estas que acabaram sendo derrubadas por decisão de um juiz.

Segundo o FBI, o Wolverine Watchers discutia a derrubada de governos estaduais que, segundo eles, violavam a Constituição dos Estados Unidos. De acordo com o FBI, a milícia queria reunir 200 homens para invadir o prédio do Capitólio local e fazer reféns, incluindo a governadora, e tal plano se daria antes das eleições presidenciais norte-americanas. A milícia também tinha planejado ataques com coquetéis molotov contra policiais, e compraram uma arma de choque, também levantando fundos para obter explosivos e equipamento tático.

Os acusados do plano contra a governadora de Michigan tinham realizado treinamento em vários Estados, usando armas, e tentando criar bombas. A procuradora-geral de Michigan, Dana Nessel, disse que, eles não são acusados apenas de sequestro, mas também de afiliação a gangues e que davam apoio material a terroristas. A expectativa principal destes milicianos, por fim, era estabelecer uma guerra civil.

PROUD BOYS

A milícia Proud Boys foi fundada em 2016 pelo militante de extrema-direita canadense-britânico Gavin McInnes, como um grupo de extrema direita, contra os imigrantes e com integrantes exclusivamente masculinos, realizando um histórico de violência contra grupos de esquerda, ganhando fama em confrontos políticos, usando de violência, sobretudo, contra ativistas negros. Os Proud Boys enfrentaram antifas em muitos protestos violentos nestes últimos dois anos.

O nome Proud Boys se refere a uma citação que aparece no musical Aladdin, da Disney. Eles usavam as camisas polo Fred Perry e bonés vermelhos com a inscrição "Make America Great Again", slogan da primeira campanha de Trump à presidência dos Estados Unidos.

Os Proud Boys elaboraram uma plataforma que inclui propostas como fechar fronteiras, armar a população norte-americana, acabar com as políticas de bem-estar social. Depois de diversos incidentes, o Facebook, Instagram, Twitter e YouTube baniram o grupo de suas plataformas, com o grupo migrando para redes sociais menores.

A Fred Perry, marca inglesa, por sua vez, anunciou que decidiu eliminar a peça mais conhecida de seu catálogo após vendê-la por mais de 50 anos. A icônica camisa polo preta com duplas de faixas amarelas na gola e nas mangas se tornou desde 2016 uma espécie de uniforme informal dos Proud Boys.

REDNECK REVOLT

O Redneck Revolt é um grupo político norte-americano de extrema esquerda, e que é composto por membros que vêm sobretudo da classe trabalhadora branca, que defende o porte de armas, e seus membros usam armas ostensivamente, com posições contra o capitalismo, e são também antirracistas. O grupo foi fundado no Kansas em 2009, como um desdobramento do John Brown Gun Club, um projeto de treinamento de armas de fogo e defesa da comunidade que foi fundada em Lawrence, Kansas em 2004. O membro fundador é Dave Strano.

O site do grupo inclui declarações contra o capitalismo, o Estado-nação e a supremacia branca. O site também defende a necessidade de revolução. O grupo inclui anarquistas, comunistas, libertários e republicanos. Não há uma declaração do grupo nem como liberal e nem como parte da esquerda, a definição dada é a da prática de um socialismo libertário, não se considerando um grupo antifa.  

NOT FUCKING AROUND COALITION

Not Fucking Around Coalition (NFAC) é uma organização paramilitar dos Estados Unidos, uma milícia supremacista negra, e o grupo nega a sua associação tanto com os Panteras Negras, como com o movimento Black Lives Matter. O grupo tem a liderança reivindicada por John Jay Fitzgerald Johnson, conhecido como Grand Master Jay.

O NFAC tem a sua primeira aparição documentada num protesto em 12 de maio de 2020, perto de Brunswick, Geórgia, sobre o assassinato em fevereiro de Ahmaud Arbery, mesmo que tenham confundido o grupo com os Panteras Negras. Em 4 de julho de 2020, a mídia local informou que cerca de 100 a 200 membros da NFAC, em sua maioria armados, marcharam pelo Stone Mountain Park perto de Atlanta, Geórgia, pedindo a remoção de um monumento confederado. Em 25 de julho de 2020, por sua vez, foi informado que mais de 300 membros do grupo estavam reunidos em Louisville, Kentucky, para protestar contra a falta de ação contra os oficiais responsáveis pelo tiroteio de março de Breonna Taylor.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/milicias-armadas-nos-estados-unidos

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

MARÍLIA GARCIA EM SEU DESLOCAMENTO POÉTICO

“A complexidade poética opera através de colagens, sobreposições, reiterações, criando este looping que dá voltas em si mesmo, num leitmotiv vertiginoso”

O trabalho poético de Marília Garcia tem um caráter híbrido de uma prática formal bem elaborada e um instinto experimental, um misto de domínio do código linguístico com um universo de colagens e transposições, como, por exemplo, colocar notícias reais em perspectiva poética e realizar um verdadeiro jogo com estes elementos tão objetivos.

Em Câmera Lenta, Marília retoma um acabamento estético presente em seu livro inaugural, e mantém a pesquisa ou caminho teórico e empírico de seus livros posteriores. Neste livro Câmera Lenta, agora, Marília estabelece um diálogo intenso com referências internacionais, e ainda com a escrita não criativa de Kenneth Goldsmith, e na poesia brasileira, seu diálogo evidente é com Ana Cristina César, como disse em textos anteriores, tendo também ecos de Manuel Bandeira.

Numa contemporaneidade que rompe com uma realidade constante e homogênea, agora num espaço fragmentado e em que reina a descontinuidade, o híbrido criado entre estas transições do mundo real e do mundo virtual, feita numa velocidade vertiginosa, opera uma nova percepção da realidade que, na poesia de Marília, aparece como a mediação dos dispositivos eletrônicos nesta modificação da percepção e da velocidade dos acontecimentos.

Os poemas de Marília Garcia, em seu livro Câmera Lenta, tem uma voz lírica que monta e remonta discursos próprios e de outros, operações de colagens, deslocamentos, transposições, fazem uma geografia acidentada e metódica, ao mesmo tempo, nesta construção poética deste livro, uma usina que parece o mecanismo de uma indústria, imagens duplicadas, uma percepção da realidade em modo vertiginoso e numa espécie de looping para ficar tonto.

Esta voz lírica de Câmera Lenta coloca repetições, formulações inéditas de estrutura, reiterando a liberdade de pesquisa da poesia atual, como nunca houve na História, e o mosaico criado em Câmera Lenta reverbera, como uma câmara de ecos, rebatendo palavras e situações, recursos heterogêneos de composição poética operando numa complexidade que tenta espelhar de modo metódico e fragmentado, ao mesmo tempo, a realidade contemporânea.

Nesta prática poética de Marília, portanto, além do tema das máquinas e da velocidade, aparecem pequenas imagens obsedantes, como a hélice, por exemplo. A complexidade poética opera através de colagens, sobreposições, reiterações, criando este looping que dá voltas em si mesmo, num leitmotiv vertiginoso. Um cenário particular ganha densidade de percepção, e as ideias de lugar e de deslocamento também são os caminhos da obsessão temática de Marília Garcia.

POEMAS :

EPÍLOGO

ESTRELAS DESCEM À TERRA (DO QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS DE UMA HÉLICE)

1. : Marília inicia este poema imenso, feito em várias partes, já colocando em evidência o tema e a obsessão particular que será demonstrada, a hélice, e tudo que isto implica, no que temos : “queria terminar falando de uma hélice/que eu vi na semana passada” (...) “era uma hélice grande demais/para o tamanho do avião e eu nunca/tinha visto na vida um avião de hélice”. Marília objetiva a sua curiosidade, no que vem : “uma hélice serve para deslocar/mas uma hélice pode paralisar” (...) “quando vi a hélice na semana passada/eu pensei nas nuvens de verdade/e num poema do carlos drummond de andrade”. A relação da hélice com a memória de Marília remete a um poema de Drummond, no que a poeta segue em sua reflexão poética : “naquele dia eu estava indo/para um festival em juiz de fora/e eu ia ler um poema chamado/“malaysia airlines”. O poema que Marília irá ler remete a uma notícia, aí é que começam as suas colagens e transposições, que vão dar o caráter de sua dicção neste poema vertiginoso, no que temos : “ao chegar na pista do aeroporto/vi a hélice e na mesma hora pensei :/“não posso entrar nesse avião”/eu congelei e não podia mais/me deslocar” (...) “e eu queria essa hélice em movimento/cruzando o céu e levando a gente/para a frente/mas nem sempre” (...) “então começo com um trecho do poema/que eu ia apresentar em juiz de fora/chamado “malaysia airlines””.

 2 . : Marília segue, e agora enuncia o poema que é uma notícia, no que temos : “no dia 16 de julho de 2014,/um boeing 777 da malaysia Airlines/saiu de amsterdam para kuala Lumpur/com 298 pessoas a bordo./ele estava em voo cruzeiro/quando caiu na vila de grabovo/no leste da ucrânia.”. Marília segue nesta notícia fria que irá se tornar uma ideia poética, no que vem : “os enormes pedaços do boeing 777/da malaysia Airlines/se espalharam por um campo de trigo.”. O acidente aéreo não é apenas uma notícia insular, aqui logo aparece o contexto político, e a complexidade natural de todo fato, no que temos : “o leste da ucrânia estava sob controle/de separatistas pró-rússia e desde março/o espaço aéreo sobre a ucrânia estava fechado.” (...) “suspeita-se que o boeing 777/tenha sido abatido por um míssil/quando atravessava em voo cruzeiro/o espaço aéreo ucraniano.”. E, como fato, tem consequências, no que temos : “a chanceler da alemanha disse/que era necessário um cessar-fogo/no leste da ucrânia.” . E aqui entra o concurso de sua memória, Marília finaliza a enunciação do que diz ser o começo de seu poema e se transporta para juiz de fora, e o tema da hélice que aparece neste influxo do acidente aéreo, no que vem : “esse era o começo do poema/que eu ia apresentar em juiz de fora/mas na hora em que vi a hélice do avião/na pista do aeroporto viracopos” (...) “lembrei do final do poema/que dizia assim :/“um dos comissários do voo MH 17/só estava trabalhando naquele dia/porque tinha trocado de voo com um colega./a esposa deste comissário/- também comissária da malaysia airlines –/tinha feito uma troca parecida/alguns meses antes e tinha folgado/num dia em que deveria estar voando/no voo MH370, desaparecido no oceano índico.” (...) “no momento da queda do voo MH17,/um avião levava o presidente putin/do brasil para a rússia.” (...) “a aeronave presidencial/fez uma rota semelhante/à do voo da malaysia airlines/e as duas aeronaves cruzaram/o mesmo ponto e o mesmo corredor/com menos de uma hora/de diferença.”. Os mistérios do acaso, e como ele evita uma tragédia e provoca outras, eis o enigma do acontecimento, os deslocamentos particulares de corpos e vidas neste mistério que envolve um acidente do qual uns escapam e outros morrem, o jogo real do poema.

3 . : O poema evoca a hélice, o diálogo com um amigo, e a ideia nevrálgica da impossibilidade de se deslocar, a angústia de Marília em seu poema, no que vem : “quando vi a hélice/na semana passada/me lembrei de uma pergunta/que um amigo tinha me feito/na véspera da viagem/ele se referia a um poema em que eu contava/que não tinha conseguido embarcar num voo/porque meu passaporte estava quase vencido/ele fez a seguinte pergunta :/será que eu não estaria falando na verdade/sobre a impossibilidade de deslocar?” (...) “ao escrever eu estava preocupada/com o deslocamento”. O deslocamento evoca uma geografia, no que temos : “ao escrever é possível pensar/em termos geográficos :/a gente constrói uma cartografia/e pouco a pouco/vai desenhando e/descrevendo linhas/formas curvas montanhas acidentes/caminhos e superfícies”. O deslocamento se faz na linguagem, poesia, no que temos : “o que era de fato/deslocar/na linguagem?/será que eu estava deslocando/ou só falando em deslocar?” (...) “nesse momento de superfícies abertas/como lidar com a impossibilidade/de sair do lugar?” (...) “seria mesmo o mundo/plano? ou em vez disso/uma superfície acidentada/cheia de barreiras/muros comportas fronteiras/e linhas demarcadas/que podem conter/o fluxo?”. A impossibilidade de se deslocar aqui se confronta com linhas de demarcação, fronteiras, a tentativa de movimento e suas contingências fazendo o objeto de angústia deste poema.

4 . : O poema opera novamente com deslocamentos e as obra do acaso, no que vem : “na semana passada/eu ia para um festival em juiz de fora/e tinha de me deslocar :/no aeroporto de congonhas/eu tomaria um ônibus rosa/da empresa azul/para ir até o aeroporto de campinas/em campinas eu tomaria um avião/para o aeroporto zona da/mata/que fica a uma hora de juiz de fora”. As constatações, no que segue : “antes de sair de casa olhei no mapa/para ver onde tomar o ônibus em são Paulo/cheguei lá em cima da hora/e o ônibus estava vazio/depois de dez minutos nada” (...) “fui ao guichê da empresa/dentro do aeroporto/e descobri que o lugar onde eu estava/não era o ponto de ônibus/e sim o estacionamento de ônibus/e que o ônibus que eu ia pegar já tinha/saído”. O lapso de Marília, que opera aqui como um tipo de gancho poético, no que segue : “disse para o funcionário da empresa/que o mapa do site estava/errado” (...) “o funcionário abriu o mapa no site/e me mostrou que não tinha/nada errado/eu me enganara ao ler o mapa/o ponto ficava no lugar oposto/ao que eu tinha imaginado”. A desorientação, produto de um erro de percepção cartográfica, eis o jogo de Marília e tudo o que isto implica na geografia intensa deste poema, no que vem : “ele me disse/que eu estava achando/que o leste era o oeste – ou o norte era o sul/já não fazia diferença/eu tinha perdido o ônibus” (...) “porque não soube ler o mapa” (...) “mas naquele momento/eu ainda não sabia que o avião tinha hélice”. E a pergunta obsedante sobre a hélice, como o leitmotiv deste poema imenso dividido em várias partes.

5 . : O poema, a imagem da hélice, e novamente um poema de Drummond vem à memória da poeta Marília, no que vem : “quando vi a hélice/na semana passada/lembrei de um poema/do drummond chamado/“a morte no avião””. A ideia de movimento e sua relação direta com ação, a poeta Marília coloca a sua reflexão dentro do poema, no que vem : “eu queria falar/sobre movimento e ação :/queria pensar em como o deslocamento/da linguagem/caso da colagem e da citação/poderia nos levar a ver as coisas de forma diferente”. A colagem e a citação também como deslocamentos e transposições do poema, o movimento aqui numa operação de linguagem, no que temos :  “eu queria falar aqui/sobre movimento/mas só consigo pensar na hélice que paralisa” (...) “eu queria contar/de um sonho recorrente” (...) “que era assim :/eu estava voando numa/máquina voadora/e de repente ela caía/como no poema do drummond". A queda da máquina voadora e esta imagem evocando mais uma vez um poema de Drummond, no que temos :  (...) “despencava do alto/furando as nuvens/na vertical” (...) “ a cada sonho/era capaz de uma hora/furar o chão/e provocar uma catástrofe”. A catástrofe da queda, furando em vertical o ar, eis o encerramento desta parte do poema sobre a hélice.

6 . : Marília fala de seu poema sobre a empresa de aviação novamente, e a notícia aciona de novo o leitmotiv, o deslocamento todo do poema se dando pela hélice, tema obsedante deste poema imenso, e a colagem de uma notícia de acidente aéreo e suas inúmeras relações temporais e de lugares com todos os seus enigmas, no que temos : “o poema “malaysia airlines voo MH 17”/tinha sido escrito a partir de notícias/tiradas do site G1/assim recortei o texto do site/inseri quebras de verso/excluí informações/trocando algumas coisas de lugar” (...) “durante o processo/tentava entender o acidente/a partir do tom frio das notícias” (...) “também queria ver algo/que para mim/não estava claro/queria olhar de outro lugar/mudar o foco”. As colagens da notícia, feitas por Marília, agora a levam à reflexão do próprio poema e sobre a linguagem, no que vem : “seria possível deslocar as palavras/de modo a produzir alguma coisa/que eu não estava vendo?”. Este deslocamento da linguagem como um deslocamento da própria percepção, no que temos : “eu tentava reaprender a ver :/recortar e colar selecionar/uma palavra para colar em outro ponto/como numa ilha de edição”. E a poeta Marília se debruça sobre o poema, e se coloca a escrever, no que vem : “ao escrever o poema/tentava repetir os gestos que fazemos/ao escrever nas várias telas hoje :/deslocar com a mão” (...) “e eu fiquei tentando escrever um poema/com a mão                     e eu fiquei tentando pensar/no que vai acontecer” (...) “com esses deslocamentos            de agora/entre tantas telas”. O deslocamento aparecendo em seu caráter obsedante aqui para Marília, produto de toda a sua reflexão poética.

7 . : A poeta Marília evoca agora um livro sobre a poesia, e este coloca o tema da fala-aventura, aqui, para Marília, mais um mote dela para seu grande poema sobre o deslocamento, sobre a hélice e o movimento, encarado aqui no mundo real e no mundo da linguagem, isto é, como tema poético, no que temos : “lendo um livro da silvina rodrigues Lopes/anotei uma citação que dizia o seguinte : “para a poesia continuar/é preciso construir falas-aventuras/que abram caminho através do desconhecido”. Tais modos da fala-aventura serve para abrir caminhos, a respiração aqui se dá como poesia e ação, no que vem : “um dia fui falar este texto que vocês estão lendo/em um evento chamado/poesia e ação/depois fui falar este mesmo texto/em um evento chamado/cinema-ao-vivo/e depois em outro evento chamado/em obras”. Os eventos se sucedem e seus temas estão interligados numa mesma ideia, a ideia de Marília para o seu grande poema, no que segue : “e eu não sabia como desenvolver a tópica da aventura/esqueci de dizer que quando apresento/este texto ao vivo vou projetando/várias imagens enquanto leio” (...) “vocês podem pensar na imagem que quiserem/enquanto prosseguimos/mais ou menos assim :/cada pedaço de texto como este/deve ter uma ou mais imagens número/correspondentes”. E a notícia do acidente aéreo, aqui como proposta de tema para a poesia, ideia da poeta Marília, no que temos : “para o acidente/da malaysia Airlines/basta digitar no google o número do voo/e pegar alguma imagem” (...) “de todo modo/depois dessas apresentações/encontrei enfim o texto da silvina rodrigues Lopes/e voltarei a ele na parte 14”.

8 . : Marília reflete então se esta notícia sobre um acidente aéreo tinha produzido de fato um poema, no que temos : “quando enviei o poema da malaysia airlines/para uma revista que tinha me encomendado/um texto não consegui chamá-lo de “poema”/expliquei aos editores que era/uma “aventura”/o tema da revista era o amor fati/amor que se tem ao fado           ao destino/e a pergunta que eu queria fazer sobre o acidente era :/como aceitar na vida o imponderável?”. O poema era, na verdade, uma aventura, e o amor fati tem seu confronto com o imponderável, o senhor das situações, no que temos : “de um jeito ou de outro/eu estava tentando explicar e justificar/o que estava fazendo/sentia um desconforto duplo :/um pouco pelo texto            um pouco pela expectativa/que temos do que é um poema”. A expectativa de um poema nem sempre dá em um poema, e a pergunta que aparece, enfim, é do que se trata um poema : “afinal/do que falamos quando falamos de poesia?/ela me perguntou/e eu paralisei”.

9 . : Marília apresenta publicamente o poema sobre o acidente aéreo, e uma pessoa presente no público confunde seu nome por duas vezes, no que temos : “apresentei este texto pela primeira vez/em 2014 depois que terminei a leitura/uma pessoa levantou da plateia e veio me fazer/uma pergunta” (...) “ele foi até o microfone/que ficava em frente ao palco/e perguntou :/qual é o seu nome?/e eu disse/marília/e ele disse como?/e eu repeti/e ele falou/maria” (...) “mas                   voltando à pergunta/mesmo sem poder se dirigir a mim pelo nome/ele seguiu no microfone/e falou :”. O questionamento se dá então em torno da hélice, no que vem : ““você disse que quando vê uma hélice/sente medo/queria saber o que você sente/quando vê uma turbina””. O poema de Drummond aparece, e segue : “eu olhei para ele e fiquei sem ar/eu pensei na hélice do drummond e paralisei” (...) “depois me contaram/que aquele era o ernesto neto um artista plástico/do rio que gosta de pendurar bolas de chumbo/em tules de lycra” (...) “na saída/encontrei a veronica stigger/e ela me disse :/mas a turbina é uma hélice coberta” (...) “e eu fiquei me perguntando/se não ver a hélice fazia alguma diferença”. O que era uma hélice, afinal, encerra o questionamento desta parte do poema.

10 . : O poema segue agora um périplo histórico e o que isto implica na ideia motora do poema de Marília, no que segue : “Em 1912 o artista francês/marcel duchamp foi ao salão de tecnologia aeronáutica/na frança e ficou deslumbrado/quando viu uma hélice contam que ele chegou no salão/olhou para o objeto e disse :” (...) ““a pintura acabou/quem poderia fazer uma hélice assim com mais perfeição?”” (...) “no ano seguinte ele fez o seu/primeiro ready made roda de bicicleta”. O ready made e seu mote, de novo, que se volta para a hélice, no que vem : “e eu fiquei imaginando/como deveria ser a hélice que o marcel duchamp/viu no salão de aeronáutica” (...) “e então eu mesma fui ao salão de aeronáutica/de paris que existe até hoje/e passei um dia andando/entre hélices e drones e máquinas voadoras/e enquanto olhava para os dispositivos de/deslocamento fiquei tentando imaginar/como seria a hélice do duchamp/teria sido uma hélice como aquelas do salão?/uma hélice natural como a da wikipedia?/ou uma estrutura helicoidal como a dos dnas?”. O salão de aeronáutica e a especulação insana em torno da hélice de Duchamp encerram esta parte do poema.

11 . : Segue Marília em suas descrições históricas, agora com o clássico helicóptero do renascentista Leonardo Da Vinci, no que segue : “Em 1480 leonardo da vinci/começou a fazer uma série de desenhos/para máquinas voadoras/uma delas era um protótipo de helicóptero/feito de madeira e tela/ele tinha uma hélice que deveria ser impulsionada/por duas pessoas pedalando juntas”. O questionamento em torno da hélice ganha uma proporção épica, este grande poema é um percurso imenso, e aqui se torna uma vertigem histórica, no que temos : “os helicópteros não têm hélice/o que gira neles se chama rotor/mas a máquina voadora de da vinci/era um helicóptero de hélice/e se chamava “la hélice””. Marília segue, aqui, agora como uma espécie de poeta-historiadora, no que segue : “os helicópteros ainda levariam séculos/para sair do papel e só nos anos 1940/alcançariam a estabilidade/com fins militares” (...) “de todo modo/o primeiro voo de helicóptero bem-sucedido/ocorreu nos anos 1910 na frança/e foi na mesma época/em que marcel duchamp/viu aquela outra hélice/no salão da aeronáutica”. E a coda desta parte faz um arremate histórico retomando Duchamp e o salão de aeronáutica.

12 . : Aqui, nesta parte do poema, Marília opera com o acaso um mistério cheio de significado, uma lógica desconhecida que provoca e evita desastres, dividindo a fronteira entre a vida e a morte, e a poeta Marília se torna, aqui, uma agente deste deslocamento de corpos, e de conservação da vida, no que vem : “Em 2009 eu estava na frança/e minha mãe foi me visitar/meu padrasto comprou a passagem para ela ir/no voo 447 da air france” (...) “ele me ligou/para confirmar os dados do voo :/minha mãe sairia do rio de janeiro/no domingo 31 de maio/e chegaria em paris na segunda-feira 1° de junho”. Eis uma ação pontual, aparentemente banal, mas que opera um deslocamento de sobrevivência e de salvamento, no que segue : “mas eu preferia que ela chegasse/no domingo e não segunda/para ir ao aeroporto buscá-la/então perguntei ao meu padrasto/se ele poderia trocar a passagem por outra/que saísse na véspera” (...) “meu padrasto trocou a passagem/que tinha comprado pra ela no voo 447 da air france/por uma passagem pela TAM saindo do/rio de janeiro na véspera” (...) “minha mãe saiu do rio de janeiro no sábado 30 de maio/e chegou no aeroporto charles de gaulle/no domingo 31 de maio” (...) “o voo 447 da air france/saiu do rio de janeiro como previsto/no domingo 31 de maio/e caiu no meio do oceano atlântico/na madrugada do dia 1° de junho”. O acidente aéreo acontece, e um pequeno milagre do deslocamento coloca o acaso de uma ação na sua misteriosa confluência com forças desconhecidas, a imagem poética aqui coloca o deslocamento, também, como agente de ações milagrosas, no que segue : “dia 1° de junho era feriado na frança/e eu não tive compromissos de trabalho/como imaginei que teria quando pedi/ao meu padrasto para trocar a passagem/da minha mãe”. Uma ação simples da poeta Marília operando na linha demarcatória entre a vida e a morte.

13 . : Marília coloca em dúvida, de novo, o estatuto de poema, este que foi escrito sobre o acidente aéreo, no que vem : “quando enviei para uma revista o poema/sobre o acidente da malaysia airlines/senti um desconforto/porque havia um desencontro entre o que era o texto/e a ideia que a gente tem do que é um poema”. Ela descreve como fez este poema, dá detalhes, no que temos : “durante a escrita/tinha tentado justapor as cenas/de acaso e engano/me fazendo algumas perguntas : engano/será que o avião tinha sido mesmo abatido/por engano? como lidar com o/acaso/como nesta história do comissário que decide voar/num dia em que deveria folgar?/seria possível escrever sobre isso?”. A questão do acaso como uma questão filosófica nevrálgica aparece aqui no poema como um marcador de toda a sua reflexão, junto com esta ideia obsedante sobre o deslocamento, e o fetiche deste grande poema, a hélice, no que temos : “ao ver a hélice no avião que ia para juiz de fora/não podia deixar de pensar/na explosão do avião da malaysia airlines/e no acidente da air france/do qual minha mãe tinha escapado”. Marília propaga suas ideias fixas, e as coloca numa oficina, dando isto ao mundo, no que temos :  “dois meses depois de fazer esse poema/dei uma oficina em salvador e pedi como exercício/um poema feito a partir do recorte/das mesmas notícias tiradas do site do G1”. O exemplo do poema de um aluno de sua oficina literária opera aqui mais um looping, o deslocamento se aprofunda aqui, criando uma nova camada, aqui, em um poema dentro de outro poema, no que temos : “o saulo moreira fez um poema/misturando essas notícias com a morte da carol/prima dele que tinha sofrido um acidente/de carro na semana anterior :/para carol”. Este poema, contudo, é sobre o mesmo tema dominante, mas opera dentro de seu próprio entorno, misturando fatos, no que temos : “carol caiu na ucrânia perto da fronteira com a Rússia/carol ficou sozinha durante quase 17 horas quase 24 horas/numa estrada próxima da casa da minha mãe/minha mãe mora em Itapetinga” (...) “carol amava minha mãe/carol voava normalmente,/sem registros de problemas, até desaparecer do radar/carol não morava em Itapetinga/minha mãe mora em Itapetinga”. A descrição se torna chocante, ao fim : “carol quebrou/o pescoço/ninguém ouviu o barulho dos ossos” (...) “há fatos difíceis de analisar/154 holandeses 43 malaios incluindo tripulantes e 2/Crianças 27 australianos 12 indonésios incluindo uma/Criança 9 britânicos 4 belgas 3 filipinos 1 canadense e/carol”.

14 . : Marília retorna a seu habitat e evoca a hélice em toda a sua intensidade, que é o tema do poema, para além da ideia de deslocamento, no que temos : “apresentei este texto uma vez/em guarulhos cidade ao lado de são paulo/onde fica o maior aeroporto do país” (...) “deve ser um dos lugares com mais hélices e turbinas/do continente essas hélices todas/servem para fazer a gente se deslocar/e esse lugar serve para receber/as pessoas que se deslocam”. O aeroporto de Guarulhos e sua profusão de hélices, lugar que opera deslocamentos brutos e intensos, tanto dos grandes aviões como do som ensurdecedor de suas turbinas, no que temos : “estou querendo falar de guarulhos/para lembrar que há cinco anos eu mesma/cheguei naquele aeroporto para morar/em são paulo e nessa época nunca tinha visto/um avião de hélice”. O enigma do fio invisível que conduz todas as coisas e o deslocamento feito pelas hélices, tudo interligado, e temos : “eu queria falar da hélice quando gira/e produz ação e eu queria falar do caminhão/se deslocando com a mudança/e eu queria falar do poema/caminhando junto com esse fio invisível/que faz mover as coisas”. A ação faz mover as coisas, atuar neste deslocamento é a participação e a ação direta da poeta e de sua poesia, de sua vida, a poeta Marília avança, se movimenta, e reflete sobre estes movimentos brutais de um aeroporto, no que vem : “e do céu repleto de zepelins/em movimento                  e das ondas sonoras/que atravessam o ar”. E retoma a ideia poética da fala-aventura, no que temos : “buscando diferenciar as falas-aventuras/das outras falas/a silvina rodrigues lopes escreve :” (...) ““se aceitarmos que há na vida das pessoas/e na cultura dos povos/aquilo de que não se pode falar/e aceitando que o poemático é uma das manifestações disso/devemos admitir que há uma fala que não fala de” (...) “eu queria que fosse uma fala que fala com/talvez uma fala de aproximação e de encontro”. A fala-aventura encontra e se encontra, o poema se faz como uma coda final deste deslocamento que chega ao seu destino, feito de ação, movimento e hélice.

 

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :  https://www.seculodiario.com.br/cultura/marilia-garcia-em-seu-deslocamento-poetico-1

                       

  

 

 

  

 

  

       

 

 

     

 

domingo, 29 de novembro de 2020

REVOLUÇÃO AMERICANA – PARTE II

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Realizada no Dia : 29/11/2020 - domingo - 22 h

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Guerra e Paz

Os confrontos militares entre as tropas inglesas e os colonos britânicos tiveram início em abril de 1775, com a batalha de Lexington. Começa então a Guerra de Independência contra a Inglaterra que irá durar até 1782.

Em 1775, por sua vez, tivemos também a sessão contínua do segundo Congresso Continental, que em abril de 1776, portanto, tomou a decisão de abrir os portos norte-americanos ao mundo, e culminou na proclamação da independência dos Estados Unidos da América.

Na Guerra de Independência os Estados Unidos tiveram o apoio decisivo da França na política externa. Talvez, naquele momento, não tivesse sido possível a independência norte-americana sem este apoio francês. A França tinha interesses nesta aproximação das colônias britânicas, indo além de questões comerciais e econômicas, mas levantando a rivalidade histórica entre França e Inglaterra. Reforçado pela derrota francesa de 1763. E os Estados Unidos utilizou este contexto para conseguir dinheiro e armas para esta Guerra de Independência.

Em setembro de 1776, o segundo Congresso Continental nomeou uma comissão enviada à França para obter auxílio militar e financeiro dos franceses, tendo também os norte-americanos buscado apoio espanhol e holandês para reforçar a sua Guerra de Independência. Houve, por conseguinte, o reconhecimento desta independência norte-americana pelos franceses, o que implicou num estado de guerra imediato com a Inglaterra.

Temos a vitória militar norte-americana em Saratoga, em outubro de 1777, em que a Inglaterra negocia, pela primeira vez, com os insurgentes. O fato é que os franceses não queriam um acordo diplomático bilateral entre os norte-americanos e os ingleses. Os Estados Unidos e a França, por sua vez, assinam dois tratados, um de comércio e amizade, centrado em relações econômicas, e outro, que marca a entrada dos franceses na Guerra de Independência norte-americana.

No caso dos espanhóis, e apoio foi mais difícil, pois o rei Carlos III não tinha pressa em levantar armas contra os ingleses, pois a Espanha tinha interesse no domínio de Gibraltar. E o fato da Espanha possuir grandes extensões coloniais, certamente não pensava em provocar eclosões de revoluções, uma vez que era um país colonizador, com a independência norte-americana podendo ser um incentivo a novos movimentos libertadores.

Com o Tratado de Aranjuez, assinado em 12 de abril de 1779, a Espanha aceitou entrar em guerra com a Inglaterra e, contudo, esta aliança foi feita com os franceses e não diretamente com os norte-americanos. Esta aliança entre França e Espanha foi fundamental para a vitória norte-americana, que culminou na abertura de negociações diretas com os norte-americanos, e estes, por sua vez, desrespeitando uma cláusula com os franceses, negociaram separadamente com os ingleses. O Tratado de Paz foi assinado, por fim, em novembro de 1782.

A Inglaterra agora tinha como objetivo afastar os norte-americanos de sua aliança com os franceses, e estabelecer relações privilegiadas com a sua ex-colônia. As negociações de paz entre Estados Unidos, a Inglaterra, a França e a Espanha, contudo, demoraram vários meses. Só em 3 de setembro de 1783 foi assinado, em Paris, o tratado de paz final, e os Estados Unidos eram, agora, independentes.

A Construção de uma Nação

Cabia agora às colônias norte-americanas empreender a construção de uma nação, mas começou o conflito e debate em torno de uma unidade federativa, ou seja, da construção de um Estado único, ou manter a fórmula de 1781, que era uma confederação de estados independentes. Aqui começa o debate entre federalistas e antifederalistas.

Havia uma diferença de projetos políticos e econômicos entre as colônias após a independência, pois as colônias do Nordeste, junto ao Atlântico, voltadas ao exterior, queriam restabelecer o velho sistema de trocas com a Inglaterra, defendendo então a autonomia das colônias, ou seja, antifederalistas que pensavam numa confederação de estados independentes.

Por sua vez, as colônias do Sul e do Oeste queriam a expansão territorial para o Oeste, pois havia um interesse para avançar com suas plantações de algodão e tabaco, tendo a necessidade de um governo centralizado, tanto para fazer frente às tropas inglesas, que ainda se encontravam acantonadas no Canadá, como às tribos nativas, então havia o interesse e a necessidade de abrir caminhos e vias de comunicação com o Oeste.

Neste momento, as ex-colônias eram regulamentadas politicamente pelos Artigos da Confederação, aprovado em 1781, estes que estabeleciam a soberania de cada ex-colônia, em que os poderes, jurisdições e direitos não eram delegados aos “estados unidos” reunidos em Congresso. Portanto, para os habitantes dos diversos estados norte-americanos, a sua nação continuava a ser o respectivo estado.

Para os anti-federalistas, o estabelecimento de um governo central poderia conduzir à tirania ou à monarquia, e tentavam preservar a diversidade dos interesses sociais e econômicos dos vários estados. Contudo, havia um avanço na unificação com estes Artigos da Confederação, mas, ao mesmo tempo, estes artigos tinham suas fraquezas em alguns pontos fundamentais.

Segundo estes artigos, não havia a figura de um Presidente, este que poderia implementar as decisões do Congresso nos vários estados que compunham a Nação. Também os artigos colocavam o Congresso como representando os Estados e não os próprios cidadãos diretamente.

O Congresso também tinha poderes limitados, pois não podia, por exemplo, regulamentar o comércio, tanto entre os diversos estados, como com os países estrangeiros. Portanto, tínhamos as atividades comerciais, mercantis e industriais dependendo dos governos estaduais e das imposições dos países estrangeiros. As resoluções do Congresso, por fim, eram recomendações cuja execução dependiam da decisão dos estados. Os Artigos da Confederação ainda se referiam aos Estados Unidos como “estados unidos”, ou seja, com letras minúsculas, enfatizando a soberania dos diversos estados.

Os federalistas, por sua vez, pretendiam a edificação de um estado federal, pois viam perigo de uma ditadura de órgãos legislativos locais, que poderiam ruir com a independência conquistada, então se começou a exigir uma profunda reforma dos Artigos da Confederação. Este processo de luta federalista foi liderado pelos setores da manufatura e da indústria, pois estes pretendiam impor taxas aduaneiras para produtos importados de países estrangeiros, sobretudo a Inglaterra, defendendo uma política protecionista, demandando um poder central para tal objetivo.

Problemas de endividamento das ex-colônias, devido ao avanço inglês sobre o comércio, tiveram consequências como uma profunda depressão econômica que teve seu ápice em 1784, e tivemos eventos como, por exemplo, quando alguns proprietários do estado de Massachusetts, liderados por Daniel Shays, iniciaram uma revolta em 1786 que quase derruba o governo estadual, o que levou os estados a uma nova Convenção para discutirem a reforma dos Artigos da Confederação.

A luta pela criação de uma federação e pela aprovação de uma nova constituição federal que substituísse os velhos Artigos da Confederação foi então liderada por James Madison, federalista convicto, George Washington, futuro primeiro presidente americano, e o ultra-federalista Alexander Hamilton. Tal luta resultaria na aprovação da Constituição Americana de 1787.

Os federalistas, por sua vez, não queriam uma reforma dos Artigos da Confederação, mas o estabelecimento de um sistema novo, de uma Federação por oposição a uma Confederação de repúblicas independentes. Tal seria o ato final da Revolução Americana, a Constituição representaria, no dizer do historiador Bernard Bailyn, "a expressão final e culminante da ideologia da Revolução Americana”.

 

James Madison tinha estudado as antigas e modernas confederações e federações, em modo intensivo, durante os anos de 1785 e 1786, tentando compreender o que ele chamou de “a ciência do governo federal”. Tais estudos foram, posteriormente, publicados no jornal The Federalist, em que Madison apontava a fraqueza de uma confederação de estados independentes, que poderia ser ameaçado constantemente por dentro e por fora. O objetivo de Madison era, então, a constituição de um estado federal cujo poder sobrepusesse o poder e a autoridade dos estados.

O debate culminou com a realização da chamada Convenção de Filadélfia, em 1787, e com a aprovação da Constituição federal americana nesse mesmo ano. Nesta Convenção, que durou de maio a setembro, houve intenso e profundo debate entre os defensores do novo sistema de governo e os que defendiam a continuidade da confederação.

Os anti-federalistas defendiam a simples revisão dos Artigos da Confederação, continuando com a existência de uma confederação de estados independentes, mas, a tendência federalista venceu o debate e acabou por ser feito um novo contrato social: a Constituição dos Estados Unidos da América. Os Estados Unidos tinham agora uma administração federal, que obedecia ao princípio da separação de poderes (executivo, legislativo e judicial). Havia um governo presidencialista, dirigido por um Presidente, um Congresso que legislava e um tribunal federal para a administração da justiça. Abaixo desta ordem federal existiam ordens estaduais, reguladas de maneira idêntica e dotadas ainda de poderes consideráveis.

Para conciliar os diversos interesses dos estados, o Congresso tinha mais poder do que os poderes do executivo, é no Congresso que os estados estavam diretamente representados. O Congresso foi dividido em duas Câmaras : a Câmara dos Representantes e o Senado. A Câmara dos Representantes tinha uma representação proporcional ao número de habitantes de cada estado, conferindo por isso mais poder aos estados mais numerosos e mais povoados. O Senado, ao invés, garantia um equilíbrio entre todos os Estados porque nele tinham assento dois representantes de cada Estado, o Senado era um meio de impedir a preponderância dos estados maiores nas decisões. Por fim, todas as leis tinham que ser aprovadas pelas duas câmaras.

A Constituição Americana estabelecia um pacto social que assegurava as liberdades individuais e defendia os interesses dos estados e da União em relação aos estrangeiros e aos outros países. Não haveria um poder absoluto do governo federal, pois, segundo Madison, com o sistema de "checks and balances" que a Constituição estabelecia, os estados mantinham a sua autoridade para se contrapor ao governo federal, e os três poderes deste governo federal se controlavam mutuamente, também se vigiando mutuamente as duas Câmaras do Congresso.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

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