Quantas horas perco escrevendo poemas?
Neste tempo poderia trabalhar na vala,
colher os meus livros,
pintar os meus labirintos.
Quantas horas de reflexão são necessárias
para se ter a certeza de que a razão é certa e funciona,
de que a filosofia e a ciência se complementam mutuamente,
de que o nosso país será uma grande potência,
de que os jornais dirão que a crise financeira passou,
de que os meus poemas serão publicados
e esquecidos nas livrarias?
Quantas horas perco buscando soluções
ao enigma da vida, e na verdade entendo
que não há soluções nem mesmo para as mazelas
cotidianas?
Eis que o fato crucial da vida é mesmo viver
o que ela tem de pulsação nas horas
de trabalho e nas outras horas de ócio.
Quantas vezes busquei nos meus poemas
possíveis saídas para o indizível,
e só pude dizer que o que não é dito
simplesmente nunca existiu?
Quantas horas perco escrevendo poemas?
Ao menos tenho uma profissão,
não sou poeta o tempo todo,
não sou temeroso das horas de trabalho.
Ontem diziam que o aquecimento global
não tem solução rápida,
que as indústrias continuarão poluindo
com carvão na China,
que o homem chegou à Lua
e não acabou com os mortos de fome
e a desolação na África,
e que Angelina Jolie adotou mais um
pequeno filho da miséria.
Anteontem diziam que a corrupção
é algo inerente à cultura política,
que os jogos de futebol
servem como manifestação
de paixões irracionais,
e que tudo o que está na internet
pode ser útil se soubermos o que queremos,
conhecimento, música ou pedofilia.
As mazelas e as glórias do que é humano.
Eis o trabalho do poeta,
ele, o poeta,
o que perde horas escrevendo ladainhas
sem fim e que sabe ver o mundo
com os olhos de uma criança curiosa
que começa a tatear o mundo.
Quantas horas, afinal?
Uma eternidade.
23/04/2009 Gustavo Bastos