PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 10 de maio de 2017

POEMA SANGUE

Flor branca em sua lua cristalina
sorve os pendores do cálice
aos brumosos atavios
que me sobram no arrulho.

Cora a face o esgar
dos teares,

e vem com lucilante
primor o poema
em estela mais
polar que a galáxia
que eu sonhei
nos templos de carnac.

Vem, botânica bruxa
com seu riso espantalho
que cobre os versos
com sangue e cal.

Vem negror e face acre
que sucumbe como um patife
em seu teatro sociopata
que inaugura no paço
dos idólatras como uma
nova praça de suplício
na idade moderna.

Verte teu sangue, doce carrasco
que vira o mundo furibundo
com sua foice seminal.

10/05/2017 Gustavo Bastos

LÍNGUA FERINA

Masco um tabaco na minha boca
úmida de chuva,
os vates me acariciam
a face ambígua,
os olhos de poeta
logo lacrimejam
na fumaça irritada
dos carrões,
os pólos frios
me apetecem
ao sossego.

Firmes estes poemas de estrela
na cor âmbar do sândalo fluido,
negra a mirra e seu estupor,
cândida a luzidia poetisa
nos encantos mais longínquos
das fadas brotadas
da seiva selvagem.

Ó mortos, rogai às planícies
e delirai nas esplanadas!
Fere este teu valente
com elmos perfurados
pelos alfanjes mais
que o coração insano
deste poema
que me cai
da língua.

10/05/2017 Gustavo Bastos

ESTÓRIA PUERIL

José estava feliz com seu novo emprego,
tem agora a carteira assinada,
terá um patrão paranoide
rasgando seus sonhos
desde agora também.

José, que antes
se debulhava em lágrimas
com seu frio clamor por
trabalho e comida,
por sua filha que ainda
balbuciava sílabas soltas,
por sua mulher tão miserável
e perdida quanto ele.
O pobre e indizível
José!

Agora ele fazia planos,
e logo teria sua vitalidade
roubada pela enorme engrenagem
que é o sistema glutão,
uma cadeia alimentar
em que o capital é dos
predadores financistas
que lhe batem na face,
oh pobre José,
este zé das lutas ínfimas
por um naco de pão,
por um pouco do mel
de que se lambuzam
os palácios.

10/05/2017 Gustavo Bastos

DIVISÃO DO MUNDO

No telhado das casas estão os gatos
da noite burilada no caos.
Senhores das sutilezas
marcam seus próprios passos,
vestem seus trajes de gala
com sorrisos bem demarcados,
com frases de efeito
como filósofos de para-choque.

Do outro lado os pobres
mastigam os fungos
das roupas rotas,
o espanto que lhe sulca
as faces são a fome mais
alimentada do desamparo.

Esfarrapados eles cantam,
e o fraque dos ídolos
ali passam impassíveis,
os mundos enormes
dos abismos,
a glória fatal e o ostracismo
mais mortal.

Entre todos estes seres
a morte ronda com sua foice
gratuita entre os fartos
de tudo e os famintos
do nada.

10/05/2017 Gustavo Bastos

PELÍCULA

O bafo e a fumaça da vitrola
apagam o meu cigarro
quando uma menina na
película de godard delirava
um "kiss me baby"
em karaokê.

Setas de fogo na alma da música
sussurravam nota dez
aos quesitos de cinédia,
como um bon vivant
que descobre a pólvora,
tal o encantamento
das poções mágicas
de um antanho obnubilado.

O frio das caças socorrem
os fardos de feno nas pinturas
que olhavam os fantasmas
do pincel, os assombros
de aquarela e de óleo,
um pigmento áurico,
verde e roxo,

destes sentimentos de origem
me acusavam tais eríneas
que elencavam o meu deleite
nesta peça de brecht
ou de panfleto de esquerda
romântica.

10/05/2017 Gustavo Bastos

PASSOS DO AUTOCONHECIMENTO

Não confio nas noites absolutas,
não creio nos dias totais.
Uma parte de mim quer abarcar
as partes ínfimas do todo,
este que sou, uma parte quase nada
de tudo o que é.

Lance genial:
eu que tenho poesia em meu sangue,
desejo o avesso e o reverso,
detenho em mim uma centelha
do universo.

Com fulgor, com langor,
te és força ou fraqueza,
me és exangue ou potente.

Não confio nas manhãs delicadas,
não creio nas madrugadas frias.
Destarte, não absorvo as vinhas
e o tabaco da feira,
não posso crer e confiar
em nada.

Nota final:
sou um pedaço de açougue
com alma imortal?
Sou um palhaço e minha inteligência
é de origem animal.

10/05/2017 Gustavo Bastos

domingo, 7 de maio de 2017

PÚCHKIN – POESIAS ESCOLHIDAS – PARTE V

“o alicerce histórico principal da literatura russa, uma das maiores do mundo.”

OBRAS IMPORTANTES DE PÚCHKIN

Púchkin nos deixou diversas obras literárias de valor inestimável, e aqui segue um apanhado que pode ser uma boa demonstração do que foi seu trabalho em literatura, no que segue:
Poltava (1828-1829), uma narração da batalha entre as tropas russas comandadas por Pedro I contra os suecos, incluindo aí a traição de Mazepa, comandante ucraniano, dentre outros acontecimentos.
Borís Godunov (1825), que foi uma de suas maiores obras, drama histórico, o qual está dividido entre duas personagens: o Czar Borís Godunov, que era um político hábil e firme, e o falso Dmítri, o impostor, que intentava se tornar czar com a ajuda e intervenção de tropas estrangeiras.
Púchkin também se aventurou nos contos populares, no que nos deixou obras como o ensaio O Czar Saltán (1831), O Conto da Princesa Morta e dos Sete Cavaleiros (1833), Conto sobre o Galo Dourado (1834), e mais outros escritos.
Destacado como poeta, Púchkin também deu grande contribuição como prosador, com as suas Novelas de Bélkin (1830), no que temos O Tiro de Pistola e A Tempestade de Neve, que funcionam como ótimas paródias para os cânones da literatura romântica, nas quais o desfecho não se dá de forma trágica como no clichê romântico, mas com um fim auspicioso.
Por fim, também se destaca na sua obra escritos como A Dama de Espadas (1834) e A Filha do Capitão (1836), os quais são o anúncio do futuro romance realista russo, e que colocará o nome dos sucessores de Púchkin nesta senda nas alturas da literatura mundial, fazendo com que a importância de Púchkin para todo este cenário que vai se desenhar se dê como uma verdadeira fundação, o alicerce histórico principal da literatura russa, uma das maiores do mundo.  
Temos ainda, para encerrar, a influência de Púchkin nas outras artes, tais como a música e o cinema, pois o romance-poema Evgueni Onéguin, um dos mais célebres da obra de Púchkin, serve de motor para a inspiração de Piotr Tchaikovski. Por sua vez, Borís Godunov ganha uma adaptação para o palco com o compositor Modest Mússorgski sob a forma de ópera, e a novela A Dama de Espadas vira a base de confecção de um filme inglês de Thorold Dickinson; e o romance A Filha do Capitão é uma das fontes que vai guiar o grande Lev Tolstoi no seu romance monumental Guerra e Paz, além de grande parte de sua obra em poesia ter sido traduzida para o francês por Prosper Mérimée, escritor francês do séc. XIX.

POEMAS:

AO GÊNIO FAMILIAR : O poema começa com uma petição ao duende protetor, a sua casa, a família do poeta, está nesta declaração de proteção que anseia o poema e o poeta com seus versos: “Protetor desta calma herdade, a quem não vejo,/Ouve-me, duende bom, a petição:/Guarda o bosque, o jardim agreste, o lugarejo/E dos meus a modesta habitação!”. O clima de jardim e de bosque toma o ambiente, e o poeta clama a seu guardião, pois: “À porta de meus pais fica, oculto guardião;/Dá medo a quem forçá-la à noite acaso intente;/Dá, contra o olhar malevolente,/À feliz casa proteção!”. A malevolência e o ardil estão desde já impedidos de entrar no nobre poema, que segue: “Ama dos cerros o pendor/Verde, as várzeas por onde errei com indolência./Da tília a sombra e do ácer o rumor:/Deles meu estro tem ciência.”. O estro, enfim, se dá como esta ciência dadivosa de proteção espiritual contra os males que cercam o auspício e a inspiração poética.

A ONDINA : O poema se dá aqui no contexto de toda busca monástica, da vida ascética e seus desafios, no que logra diante do ente feminino, possuidor do encanto potente que desarma o jejum, a prece e a reza, e aqui o poema começa no refúgio de um lago meditativo: “Diante de um lago, entre carvalhos,/Um monge outrora se isolou,/E, sem pausa, a ásperos trabalhos,/Jejuns e preces se entregou.” (...) “E desejava, a orar, somente,/A morte dos que santos são./Rezava, um dia, o anacoreta,/Da choça caduca no umbral./Era no estio. De cor preta/Foi-se tornando o carvalhal./No lago a névoa se espessava;”. O espesso e úmido clima de névoa, o poema logo dá o ar que vai lhe dominar de fato, não os anseios do asceta, mas suas fraquezas diante da sedução: “O monge as águas pôs-se a olhar.” (...) “Dali mulher nua se eleva/E, muda, senta-se no areal./Penteando os úmidos cabelos,/Põe-se ela o ermitão a fitar./Dela os encantos, só com vê-los,/De pavor ei-lo a tiritar./Move a cabeça fugazmente/A moça, e o chama com a mão,”. A moça, sem subterfúgios, vai direto ao monge e lhe chama, com um súbito desejo de lhe tirar do refúgio de anacoreta renunciante: “O ancião passou a noite em claro e o/Inteiro dia não rezou:/Seu pensamento involuntário,/Sempre, ante si a moça achou.”. A moça, desde que lhe aparece e lhe convoca, lhe tira o foco em seus exercícios, e lhe perturba os pensamentos, no que o poema segue: “na praia/De novo a moça vem sentar./Fita-o, movendo a fronte o chama,/Beija-o de lá como quem ri;”. E enfim a moça lhe faz o apelo, com seu sopro feminino que agora reina no poema: “Convida-o e, a gemer, arrulha:/“Monge, vem cá! Monge, vem cá!”” (...) “o eremita/Na praia encantada sentou/À espera da moça bonita .../O carvalhal negro ficou,”. E ali ele esperou, o monge com sua visão do desejo e da boa vida.

TSÁRSKOIE SELÓ : O poema começa diante do guardião das memórias, e o poeta tenta colher uma sapiência na recordação, da infância à adolescência, nos bosques onde o poeta amou, onde lhe cresceu os sentimentos, e que no poema ele descreve que, enfim, nos domínios da imaginação, ele então descobre a poesia, que é seu instrumento precípuo dali em diante, e que lhe torna o grande Púchkin, aqui diluído na sua presença fluida junto com seus versos: “Guardião de cada doce abalo ou prazer ido,/Gênio que és do cantor do carvalho acolhido/Há muito, frente a mim pinta, recordação,/Os sítios magos onde está meu coração,/Os bosques onde amei, cresceu-me o sentimento,/A adolescência deu à infância seguimento,/E, nas mãos da natura e da imaginação,/Conheci a poesia, a paz e a exaltação.”. E segue o poema, agora com a viva visão dos prados, a paisagem se abre de modo magistral, com suma beleza poética: “Outra vez verei os prados tão/Densos, o vale claro e a arbórea moita antiga,” (...) “E do lago sem voz na fulgente ondeação/Do pacífico cisne a altiva habitação.”. E o poema enfim mergulha no lago em que mora o cisne, altiva habitação, destino da poesia, aqui como estro e contemplação.

ESTÂNCIAS A TOLSTOI : O poema entra em choque com a renúncia ainda jovem dos prazeres do mundo, e desafia esta distância do instinto a resgatar seus pendores mais viscerais, no que o poeta convoca o prudente, já tão cedo longe do mundo: “Prudente precoce, os festins/E os gozos mundanos recusas;/Recreios de jovens e afins,/Calado e impassível, acusas./Os jogos de estância e palácio/Trocaste por tédio e aflição,/E a taça dourada de Horácio/Por Epitecto e seu lampião.”. Eis que o poeta tenta lhe influenciar, lhe dar o verdadeiro sopro da vida, que é o mundo concreto, o pulso da vivência em toda a sua potência e atividade mundana: “Convoca, pois, a ociosidade/E as asas ligeiras do amor/E as asas leves da ebriedade!/Sorve o prazer té o final!/Vive tranquilo e indiferente!/Sê dócil à vida corrente,/Sê jovem, se és moço, afinal!”. Enfim, é uma chamada ao jovem renunciante a viver sua juventude como é, a flor da idade em toda a sua vivência sui generis de descobertas e aventuras sem fim, sorvendo o prazer, sendo jovem de verdade.

SEM TÍTULO : O poema abre com o que será seu verso de estribilho, como o talismã que traz a ideia de proteção, e que é escudo contra os males do mundo e da vida: “Protege-me, meu talismã,/Protege-me quando do acosso,/Ou do remorso,”. E o poema segue: “Quando o oceano, em seu afã,/Cobrir-me com ondas uivantes;/De chuva e trovão nos instantes;/Protege-me, meu talismã./No exterior, sem alma irmã;/Na inércia, que a vida entedia;/Na luta acesa, que a angustia;/Protege-me, meu talismã./A sacra e doce crença vã,/Desta alma a estrela encantadora/Fugiu,”. E aqui finda o poema, na sua canção protetora com seu talismã: “Não me arda de novo amanhã/Da dor no imo a atra lembrança./Adeus, sonho, anseio, esperança./Protege-me, meu talismã.”. O poeta dá adeus, mas tem em seu talismã sua fiança de que está bem.

POEMAS:

AO GÊNIO FAMILIAR

Protetor desta calma herdade, a quem não vejo,
Ouve-me, duende bom, a petição:
Guarda o bosque, o jardim agreste, o lugarejo
E dos meus a modesta habitação!
O frio ameaçador das chuvas e a outonal
Rajada do tardio vento os campos poupem;
As neves salubres enroupem,
No tempo, o aquoso húmus campal!
À porta de meus pais fica, oculto guardião;
Dá medo a quem forçá-la à noite acaso intente;
Dá, contra o olhar malevolente,
À feliz casa proteção!
Em torno dela faz inspeção rematada;
Ama meu jardinzinho e a ria em que a água jaz
E aquela horta lá por trás
Com portinha caduca e cerca desabada!
Ama dos cerros o pendor
Verde, as várzeas por onde errei com indolência.
Da tília a sombra e do ácer o rumor:
Deles meu estro tem ciência.
(1819)

A ONDINA

Diante de um lago, entre carvalhos,
Um monge outrora se isolou,
E, sem pausa, a ásperos trabalhos,
Jejuns e preces se entregou.
Graças a pá obediente,
A própria cova abriu no chão,
E desejava, a orar, somente,
A morte dos que santos são.

Rezava, um dia, o anacoreta,
Da choça caduca no umbral.
Era no estio. De cor preta
Foi-se tornando o carvalhal.
No lago a névoa se espessava;
No céu o disco ígneo lunar
Morosamente deslizava.
O monge as águas pôs-se a olhar.

Temor involuntário o pilha;
Não pode em si acreditar ...
Mas vê que o líquido fervilha
E logo volta a se aquietar ...
E logo, leve e branca – treva
Noturna e neve matinal -,
Dali mulher nua se eleva
E, muda, senta-se no areal.

Penteando os úmidos cabelos,
Põe-se ela o ermitão a fitar.
Dela os encantos, só com vê-los,
De pavor ei-lo a tiritar.
Move a cabeça fugazmente
A moça, e o chama com a mão,
E súbito – estrela cadente -,
Sob a água calma vai-se então.

O ancião passou a noite em claro e o
Inteiro dia não rezou:
Seu pensamento involuntário,
Sempre, ante si a moça achou.
De novo o carvalhal desmaia
E a lua sai a passear,
E fascinante e alva, na praia
De novo a moça vem sentar.

Fita-o, movendo a fronte o chama,
Beija-o de lá como quem ri;
Brincando, em si água esparrama,
Gargalha e grita qual guri,
Convida-o e, a gemer, arrulha:
“Monge, vem cá! Monge, vem cá!”
E na água clara então mergulha;
E tudo é só silêncio já.

No dia terceiro, o eremita
Na praia encantada sentou
À espera da moça bonita ...
O carvalhal negro ficou,
A alba da noite o preto espanca:
E apenas sua barba branca
Na água um guri que outro avistou.
(1819)

TSÁRSKOIE SELÓ*

Guardião de cada doce abalo ou prazer ido,
Gênio que és do cantor do carvalho acolhido
Há muito, frente a mim pinta, recordação,
Os sítios magos onde está meu coração,
Os bosques onde amei, cresceu-me o sentimento,
A adolescência deu à infância seguimento,
E, nas mãos da natura e da imaginação,
Conheci a poesia, a paz e a exaltação.
Conduz-me agora sob as tílias em fileira,
Sempre caras à minha livre pasmaceira,
À margem da lagoa e à calma inclinação
Dos morros! ... Outra vez verei os prados tão
Densos, o vale claro e a arbórea moita antiga,
Das paisagens cor de ouro a estampa minha amiga,
E do lago sem voz na fulgente ondeação
Do pacífico cisne a altiva habitação.
(1819)
*Literalmente “A aldeia do czar”. Trata-se de topônimo, por isto apenas transliterado. A denominação foi mudada, em 1937, para Púchkin, ou, como se diz mais comumente, “Cidade de Púchkin”.

ESTÂNCIAS A TOLSTOI*

Prudente precoce, os festins
E os gozos mundanos recusas;
Recreios de jovens e afins,
Calado e impassível, acusas.

Os jogos de estância e palácio
Trocaste por tédio e aflição,
E a taça dourada de Horácio
Por Epitecto e seu lampião.

Amigo, crê: das compunções
Há de chegar o tempo triste,
Das cismas vãs e inquietações
Sobre a frialdade do que existe.

Aos mortais todos – são guris –
Jove corrompe com brinquedos:
Não soam para os já senis
Os guizos loucos dos folguedos.

Da vida não volta o verdor:
Convoca, pois, a ociosidade
E as asas ligeiras do amor
E as asas leves da ebriedade!

Sorve o prazer té o final!
Vive tranquilo e indiferente!
Sê dócil à vida corrente,
Sê jovem, se és moço, afinal!
(1819)
*Trata-se de Ia. N. Tolstoi , membro do círculo Lâmpada Verde, integrante da União da Prosperidade, grupo então existente, de objetivos progressistas.

SEM TÍTULO

Protege-me, meu talismã,
Protege-me quando do acosso,
Ou do remorso, ou do sobrosso.
Deu-te-me alguém na aflição grã.

Quando o oceano, em seu afã,
Cobrir-me com ondas uivantes;
De chuva e trovão nos instantes;
Protege-me, meu talismã.

No exterior, sem alma irmã;
Na inércia, que a vida entedia;
Na luta acesa, que a angustia;
Protege-me, meu talismã.

A sacra e doce crença vã,
Desta alma a estrela encantadora
Fugiu, mostrando-se traidora ...
Protege-me, meu talismã.

Não me arda de novo amanhã
Da dor no imo a atra lembrança.
Adeus, sonho, anseio, esperança.
Protege-me, meu talismã.
(1825)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/33952/17/puchkin-poesias-escolhidas-parte-5