PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

ATRÁS DOS PÉS DELICADOS

Entra aí, my dear. Perguntei por você no Arpoador, seja dor o que a harpa toca, tinha febre de você em Ipanema, procurei suas sandálias pelo Leblon. Nada, tinha música quando te deixei lá sozinha, foi de maldade, a praia estava vazia, beijei um cadáver, ele sorria como quem vivia. Saudade sisuda, respect and fullmoon. Tenho cartas de verão de amores de inverno, tenho inferno em tudo que me bate nos dentes, nódulos de cachaça em minhas mãos, torturas de rum e sevícias de whisky, tenho pavor de vodka, amo limão azedo, amo queijo e vinho pinot noir, uma vida encantada nos aguarda no champs elysée, cada debrum de suas nádegas é uma dose minha de ilusão, e que certa poesia está bem em tua juba de pantera selvagem, como nos tempos em que não se tinha ouro, mas se roubava um bocado, se tinha um tanto de prata sem trabalhar, só com juras aos livros ao recorde do pressentimento. Jogava adoidado sinuca em casas de tolerância, sorvia absinto em toda a rua de miragem, atrás dos pés delicados cheirava as sandálias vermelhas, também tinha as mãos delicadas, mesmas mãos de carícia e de porrada, quando me vi já me encontrava na central, cinquenta centavos, foi o que um barbudo me pediu, eu não tinha nada e ele me xingou e me mandou para o inferno, fui parar na Lapa, um travesti esfregou a bunda em mim, achei que tinha sido roubado, não, ainda tinha dinheiro para uma sinuca, procurei no jardim das delícias as curvas de Vênus num pedaço de revista masculina carcomida pela umidade, bati uma punheta numa esquina suja sem ninguém perceber, voltei e pedi uma dose de conhaque na ladeira perdida, estava todo sujo, mas tinham me lavado as partes depois que tomei o conhaque, fui embora, com as sandálias vermelhas ainda nas minhas mãos, foi em algum lugar que tinha deixado aqueles pés ligeiros, teria que passar uns anos para não mais perder os pés e as sandálias.


18/12/2013 (Gustavo Bastos)

MODUS OPERANDI

Que discurso está no púlpito? Ademanes entre a retórica e o balbucio. Finda está a oração, um tom acima do ideal, o suprassumo indolor que está na letra morta do orador. Calo e olho em volta, um deserto no plenário, se derrama o café no paletó, temos auxiliares por todos os lados, a verba do gabinete é gorda, a mulher garbosa passa com espalhafatos, um espantalho observa na amurada, dorme o senador na sacada, lá fora tem protesto, fogueira e malhação de judas (dentro da burocracia se espatifa o regimento com uma canetada).

18/12/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

SANGUE E PORRADA

Nada que sobra da minha estampa,
só os óculos escuros.
Mordi a maçã,
pulei o muro.
Dei murros, murros,
murros.
Dei socos na janela,
cortei os pulsos,
soçobrei.

Só sobra o velho, a veia, a vela, a velha.
Manjo as minhas belas cicatrizes,
são olhos no tempo
da memória,
lembro do sangue na parede
da universidade,
e os vidros espalhados
da porrada
que tinha dado
sem pestanejar.

18/12/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

SOBRE O MISTÉRIO SELVAGEM

Busquei o selvagem dentro do corpo,
encontrei duzentas almas de fogo,
quinhentos cartuchos de artilharia,
doze leões e quinze tigres,
busquei o selvagem do coração
como o corte da espada
na noite que grita,
como o sangue que ferve
no meio do orgasmo,
saltei o violento oceano,
morri como um dia santo,
e todo o rio que canto
cai azul sobre o corpo
no caos da história,
vingança, assassinato, loucura,
insônia, morte e vida,
todos os silêncios
explodem de poesia
quando a pena
acorda a dor
numa literatura selvagem
de coração
que quer morrer viver
dentro do tremor
que sai do verso
numa noite dia
de manhã na lua.

08/12/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

ESPELHO VIDRADO

A estrada sob a chuva
me leva ao caos da noite,
passo entre os potes de ouro,
vejo uma tumba nesta tempestade
de olhos na morte que espreita.

Os olhos se perdem na noite azul,
qual o corpo em fundo vermelho
que se esvai no mar do tempo
como uma flor que dança
com a maior dor do mundo.

Vai o vento ao norte de meu coração,
fala ao silêncio o estrondo de uma visão.
Cai o silêncio dentro d`alma na areia,
o trovão sobre a noite densa
braveja toda a raiva
do poema que derrama
como a tormenta
que se perde no mar,
meus ossos doem
de tanta água,
meus braços querem se soltar
e as pernas correm,
e meus olhos vidrados
se voltam
aos espelhos
quebrados.

08/12/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

TRÊMULO

Chamo a voz interior
na capa de chuva
do amor derramado.
Deságua tanta água,
mais rio do delta
ao sorriso
em festa,
calmo danço
com o horror,
flor viçosa
ao caudal ao templo
de teu corpo,
flor dança amor
horrorizada,
pausa florida
ao peito
desarma,
qual nada
de tudo foge,
qual sândalo
ao mais frio da bruma
e do escândalo,
minha pátria
é o teu corpo
nas minhas mãos
que tremem.

04/12/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

SALADA

Sete passos ao flerte,
nada instante
para o meu instante.

Claro a se esclarecer:
alvo alva flor,
morte crava a dor.

Eis a mancha
sob o tédio
que é indolor,
furta-cor
de cobre cobre
o rosto
de um vermelho ácido
de tomate,
de um caos anímico
de cebola,
de uma salada rota
de fetiches.

04/12/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)