Jamais se abolirá o campo do conhecimento
a tese se sustenta sempre
o devenir irrompe qual música
o poema tonto se encontra
a vida tonta se encontra
a filosofia tonta se encontra
os encontros são o fim das lamúrias
não há tempo a deplorar
quem sou eu quem somos nós
não há tempo a comemorar
o que não foi ou não é
ou chorar em si mesmo
o que não foi ou não é
tudo o que se sabe é o vazio
da alma e suas religiões
a seita quer deglutir a verdade
o cosmos é inserido
na fome humana
de verdade
o mistério no entanto nos humilha
o mistério no entanto nos ensina
jamais se abolirá o campo do conhecimento
19/03/2016 Gustavo Bastos
sábado, 19 de março de 2016
ENREDO DAS FORMAS MENTAIS
Ficção-realidade ... (?!)
outros tempos de
outrora?
real lúcido, louco poeta
o que está entre o lúcido e o louco?
loucura: ponto de vista em todos
os lugares
(o não-lugar)
ficção: o tempo suspenso narrativo
realidade: o tempo intenso imprevisto
lucidez: a ficção tentada a fazer
as coisas como são,
pretensão do autor?
loucura: a narrativa espatifada
no mundo dos símbolos,
intenção do autor?
eu penso e não existo,
a fantasia se instala
qual vírus (loucura)
o hacker emocional
que atua no palco
como uma bomba
silêncio sepulcral: a estória-história,
elenco dos astutos e da festa,
a loucura diamantada
da glória divina,
da iluminação,
do êxtase ...
a narrativa de realidade
não estoura os tímpanos,
a estrela dançante
da loucura
rompe o paradigma
(entre as verdades
a mentira)
o verdadeiro e o falso?
o método e o mérito
o amor incondicional
das formas felizes,
ser feliz é paz interior,
a realidade é autoconhecimento,
o que (dentro d`alma) irrompe?
o fazer-simbólico de sincronia junguiana,
o livro do sentido absoluto
de harmonias celestes,
o big-bang da inteligência.
quem faz a ficção não tem mais loucura,
tem a folia do carnaval,
tua carne indócil
é espírito,
teu canto do sol
é noite iluminada
qual farol,
outrora agora?
o porvir
advento devenir
qual é o símbolo
fundamental?
o olho
inconsciente,
a flor de lótus,
mandala telepática,
o visionário-futurista
da tecnologia
de sons eletrônicos
com o prisma d`alma
qual esbórnia
e grande saúde!
ficção ou realidade? (...) (continua)
19/03/2016 Gustavo Bastos
outros tempos de
outrora?
real lúcido, louco poeta
o que está entre o lúcido e o louco?
loucura: ponto de vista em todos
os lugares
(o não-lugar)
ficção: o tempo suspenso narrativo
realidade: o tempo intenso imprevisto
lucidez: a ficção tentada a fazer
as coisas como são,
pretensão do autor?
loucura: a narrativa espatifada
no mundo dos símbolos,
intenção do autor?
eu penso e não existo,
a fantasia se instala
qual vírus (loucura)
o hacker emocional
que atua no palco
como uma bomba
silêncio sepulcral: a estória-história,
elenco dos astutos e da festa,
a loucura diamantada
da glória divina,
da iluminação,
do êxtase ...
a narrativa de realidade
não estoura os tímpanos,
a estrela dançante
da loucura
rompe o paradigma
(entre as verdades
a mentira)
o verdadeiro e o falso?
o método e o mérito
o amor incondicional
das formas felizes,
ser feliz é paz interior,
a realidade é autoconhecimento,
o que (dentro d`alma) irrompe?
o fazer-simbólico de sincronia junguiana,
o livro do sentido absoluto
de harmonias celestes,
o big-bang da inteligência.
quem faz a ficção não tem mais loucura,
tem a folia do carnaval,
tua carne indócil
é espírito,
teu canto do sol
é noite iluminada
qual farol,
outrora agora?
o porvir
advento devenir
qual é o símbolo
fundamental?
o olho
inconsciente,
a flor de lótus,
mandala telepática,
o visionário-futurista
da tecnologia
de sons eletrônicos
com o prisma d`alma
qual esbórnia
e grande saúde!
ficção ou realidade? (...) (continua)
19/03/2016 Gustavo Bastos
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Poesia
segunda-feira, 14 de março de 2016
DUBLINENSES DE JAMES JOYCE
“Dublinenses é uma introdução à história da capital irlandesa”
Dublinenses é um livro que reúne quinze contos de James
Joyce, escritos a partir de 1904 e publicados em 1914. Tais contos, escritos
concomitantemente à produção do romance de Joyce, Retrato do Artista Quando
Jovem, são uma revelação de Dublin, de seu cotidiano, da vida irlandesa nos
seus aspectos mais concretos, é a vida vivida de que fala os contos de Joyce,
mais do que um exercício artístico per se. Junta-se, neste escopo, a infância,
relacionamentos conjugais, e uma ponte para algo mais metafísico, somente no
caso das epifanias, que são, neste caso, a descoberta de essências de situações
inicialmente ocultadas, o que não leva a uma dedução errônea de que haja algo místico
nisso, sendo puramente decorrência de uma trama calcada na realidade cotidiana
dos habitantes de Dublin, da vida irlandesa e seu sentido real.
O conto mais conhecido de Dublinenses é The Dead (Os mortos),
que é o último da sequência de 15 contos, e os outros são, na ordem: As Irmãs
(The Sisters), Um Encontro (An Encounter), Arábia (Araby), Eveline, Após a
corrida (After the Race), Dois galantes (Two Gallants), A pensão (The Boarding
House), Uma pequena nuvem (A Little Cloud), Contrapartida (Counterparts),
Argila (Clay), Um caso doloroso (A Painful Case), Dia de hera na lapela (Ivy
Day in the Committee Room), Mãe (A Mother), Graça (Grace).
Joyce, nas suas palavras, quanto a Dublinenses, dizia que
seus escritos tinham a intenção de ser: “um capítulo da história moral de meu
país”. O que leva, na leitura de tais contos, a entender que Joyce pretendia
produzir, para o habitante da Irlanda e de Dublin, uma visão de si mesmo, numa
espécie de espelho bem polido do cotidiano e das normas e dilemas morais destes
habitantes reais que moravam nestes contos. Portanto, o que se pode dizer, sem
dúvida, é que tais contos fazem parte de uma abordagem realista, pois não há
fantasia nestes contos, nem mesmo quando se trata das citadas epifanias que são
o desvelo da trama e não pensamento mágico.
O estilo de narrativa nos contos contidos em Dublinenses é o
de apresentar um narrador neutro, de realismo também neutro, não colocando o
narrador em contato com interpelações ao leitor ou tentando suscitar-lhe
opiniões ou o que deve pensar na trama, pois, dito isto, os contos se
apresentam, por fim, como estórias que não caem no apelo emocional. Ao mesmo
tempo que este realismo dos contos de Joyce primam pela verossimilhança, também
vemos, neles, contudo, alguns aspectos simbólicos, o que não se trata de uma
alegoria da fantasia, mas que tem no conteúdo destes contos um serviço de
prolongamento de seu sentido, o que se vê em Eveline e As irmãs, que são tramas
que têm chaves simbólicas sem se perder, no entanto, num puro simbolismo, com
estas chaves servindo à trama mais do que sendo alegorias de profundidades
abissais, o que deporia contra uma abordagem de realismo e verossimilhança que
são as características principais destes 15 contos de Dublinenses.
E o recurso principal que Joyce utiliza em Dublinenses é o do
discurso indireto livre, tendo como um dos efeitos curiosos o fato de, por
vezes, a fala do narrador se confundir com os pensamentos dos personagens, o
que leva estes contos ao ápice do que se chama de intenção interpretativa,
mantendo o realismo e a verossimilhança, independente de uma possível
onisciência ou onipotência do narrador, pois o comando da narrativa, como dito,
não faz propostas ao leitor, sendo isto o que coloca a narrativa a serviço de
si mesma, mais do que de uma trama possivelmente onisciente do ente que narra.
Ou seja, o narrador “lê” os pensamentos dos personagens, mas não os “manda”
fazer nada, sendo até um narrador onisciente, mas mantendo sua onipotência nos
limites que a abordagem realista impõe.
Portanto, na devida preservação de verossimilhança, na
riqueza de detalhes que são a narrativa destes contos, podemos nos deparar,
sim, com o aspecto simbólico, pois em Eveline, por exemplo, a exploração
simbólica de imagens e palavras está presente, tal como quando a jovem Eveline
conhece o seu amante de pé, diante da porta de seu alojamento, o que é uma
intenção de fazer parecer tal imagem como uma espécie de portal para outro
lugar, uma nova vida, estando aí o fato de isso não ter ocorrido em qualquer
outro lugar de Dublin, mas sim numa entrada, sendo tal entrada uma via para
algo novo para Eveline. Outro simbolismo também está presente no conto As
Irmãs, que tem na data de morte do padre Flynn, por exemplo, o dia primeiro de
julho de 1895, e que não tem em mera coincidência ser este dia o da festa do
preciosíssimo sangue de nosso Senhor e também 1895 o centenário do mais
destacado seminário Católico da Irlanda.
Nos Dublinenses, também, quando se fala da epifania, que é a
súbita percepção ou revelação acerca da essência de algo, Joyce, seguindo seu
realismo e pautado nas regras de verossimilhança, tem como tema, diante da
epifania, seu contrapeso, que é a paralisia, pois dada a revelação, isto pode
libertar ou paralisar, e o que Joyce nos apresenta é quando, na trama, o ímpeto
de liberdade de um dado personagem se vê diante de uma situação paralisante, em
que tal ímpeto de liberdade se depara com a impossibilidade de sua consecução
ou realização, e isto se dando sempre numa hora crucial da trama, em que a importância
da liberdade se choca com o limite da própria realidade, o que coloca,
novamente, o conteúdo pretendido de realidade à baila na obediência às regras
de verossimilhança.
Nos Dublinenses, portanto, o cotidiano dos irlandeses é
tratado por um narrador invisível, ainda que onisciente, pois é produto, ainda,
do discurso indireto livre, e que faz com que tal invisibilidade tenha como
efeito a própria epifania, meio que numa maiêutica narrativa, na qual tal
cotidiano adquire um sentido de experimentar a realidade na sua essência, tal
como ela é e se dá em cada momento, ficando aqui o serviço de verossimilhança
mais do que preservado, pois quando isto se dá, o fenômeno da paralisia nos dá,
com efeito, o conhecimento inescusável de todos os estágios da vida e de suas
demandas específicas.
“Eis aqui a vida
verdadeiramente desfilando sob nossos próprios olhos.” - The Guardian. É o que
nos revela Dublinenses. Estes contos são a vida de Dublin na virada do Século
XX, do mundo que se depararia, logo adiante, com a eclosão da primeira guerra
mundial, uma realidade econômica e moral em conflito, em que as gradações
destes contos vão da infância, adolescência e vida adulta, sendo, então, tal
cronologia uma dose do realismo em seu sentido de estágios da vida, e isto nas
figuras dos habitantes de Dublin, da Irlanda, sendo Dublinenses uma ótima
iniciação do que viria a ser a obra de James Joyce para a literatura mundial, e
que resultaria em outros feitos como Retrato do Artista Quando Jovem, e os
monumentos Ulisses e Finnegans Wake.
E aqui é bom citar o fato de os contos de Joyce em
Dublinenses terem a exata medida da narrativa, pois nada falta ou sobra em suas
descrições, em seus detalhes, sendo Joyce aqui um realista por excelência, com
pleno domínio do que quer tratar, com a medida de régua em dia aos conselhos e
demandas da verossimilhança. Joyce, em Dublinenses, consegue realizar a
aventura de seus contos tanto na cronologia de idade de seus personagens como
na exata noção do domínio narrativo, pois ele é crível neste dois aspectos, e
que resulta no cotidiano dublinense com seu retrato real em mãos. O narrador
vai pelo discurso indireto livre sim, mas tem em sua exatidão o que o realismo,
nas faculdades descritivas, tem de melhor. O detalhamento, neste caso, não é
precioso, é preciso.
A Irlanda vive nas almas dos personagens que percorrem as
ruas de Dublin. Vidas comuns que personificam o declínio econômico, e sobretudo
moral, com o qual o país se debate naquele momento da História, pois se trata
de quinze contos, nos quais James Joyce aborda com realismo a dureza da vida dos
habitantes de Dublin na sua ordem cronológica, sendo a abordagem fiel dos
estágios da vida: a perda da inocência na infância, a angústia e as
situações-limite da adolescência e a desilusão final dos adultos no fenômeno da
epifania, único momento metafísico em que a verdadeira natureza de algo se dá a
conhecer, mas que é de uma metafísica apenas na forma, pois o que se dá,
sempre, nos contos de Joyce, é a realidade como ela é, sem mais. Escrito quando
o autor tinha 25 anos, publicado pela primeira vez em 1914, Dublinenses é uma
introdução à história da capital irlandesa, e uma abertura fundamental à
própria obra de Joyce.
As narrativas curtas destes contos seguem uma escola que vem
do século XIX, que tinham em Tchekhov e Flaubert grandes expoentes, mas que em
Joyce, em seu trabalho contínuo, que ganharia sentido vasto no work in progress
de Finnegans Wake, tema uma abertura em que a forma dos contos servem a um novo
realismo, muito mais extremo, que é o do século XX, e a cronologia, que vai da
infância até a epifania da vida adulta, é um elenco de ilusões, dilemas, e isto
com a narrativa dominada de uma medida concentrada.
O tiro curto dos contos depõe, portanto, a importância da
exatidão, uma nova demanda que Joyce consegue realizar, pois na
verossimilhança, nos quinze contos, o autor mantém o distanciamento de um
narrador não influente na vida dos personagens, mas autoconsciente de seus recursos
como narrador, pois ele não dá os solavancos do pensamento mágico, ele mede
cada situação e a coloca de acordo com a ideia condutora de Dublinenses, que
são os estágios da vida na sua nudez, sem a ambição desmedida de uma narrativa
que tenta comandar tudo, o que em narrativas fantasiosas é bem possível, mas
que no compromisso de Joyce pela Dublin real, tem na contenção, embora com domínio
dos recursos, a forma realista e o conteúdo cotidiano a serviço da forma
narrativa escolhida pelo autor.
O fato dos contos se darem como narrativas curtas é passar ao
largo do excesso, pois o pleno domínio dos recursos realistas, sobretudo na
faculdade descritiva, não se excede, vencendo a tentação da ambientação
extrema, no que muitos realistas podem pecar, e a contenção do narrador, que
não interpela e nem coloca o personagem como massa de manobra da narrativa, tem
pelo domínio de recursos e intenções, um conjunto de contos em que o realismo e
a verossimilhança são sim, certamente, como leis da natureza em que tais contos
podem e devem ser narrados, sem excessos.
A curta duração é a prova da economia necessária de um novo
realismo, com toques de naturalismo, mas que é um trabalho em progresso do
narrador, o que resultará, futuramente, na obra de James Joyce, na sua experiência
com a linguagem e o léxico de sua cultura dublinense e irlandesa.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário: http://seculodiario.com.br/27694/17/para-joyce-dublinenses-era-uma-especie-de-historia-moral-da-irlanda
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Coluna da Século Diário,
Resenha Século Diário
domingo, 13 de março de 2016
MAIAKÓVSKI, OS POEMAS DE SOM E FÚRIA – PARTE III
“sua veia de militante servia à poesia mais do que o inverso”
Na poesia russa moderna, que tem no mestre Khlébnikov um dos
desbravadores de novos caminhos, e nisto Maiakóvski se fiou, neste caminho
aberto, temos também outras contribuições importantes, mais para a tradição, como
o representante do imagismo russo, Iessiênin, expressando ainda a velha Rússia
patriarcal e camponesa, no choque inevitável desta com a nova civilização
industrial que florescia na nova Rússia socialista, e que, de outro lado, vemos
Boris Pasternak se utilizando da nova linguagem de vanguarda, incorporando
novas expressões ao verso tradicional russo, com momentos autênticos, também,
de alguns poetas como: Eduard Bagrítzki, Óssip Mandelstam, Nicolai Zabolótzki,
Iliá Selvínski, Ana Akhmátova e Marina Tzvietáieva.
Mas, foi com Maiakóvski, sobretudo, em que uma marca pessoal
eclode com firmeza e direção precisa, com um vigor de expressão que nunca
primou pela suavidade, os versos de Maiakóvski são algo totalmente novo no
cenário russo de poesia do século XX, e isto sendo um tipo de expressão que
conduz o leitor a um todo coerente e organizado, isto é, Maiakóvski sabia o que
queria e sabia exatamente o que estava fazendo, com uma poesia descomunal e
hiperbólica. Como diz Boris Schnaiderman: “áspero e revoltado, exigente consigo
e com os demais, é bem o representante típico daqueles que ‘pisavam a garganta
do seu canto’, conforme se expressou em ‘A Plenos Pulmões’”.
E ainda continua o tradutor Schnaiderman: “revolucionário nas
concepções sociais e na forma que utilizou, desabusado, amigo do palavrão e do
coloquial, poeta das ruas, dos comícios, das salas de conferências, Maiakóvski
aparece-nos como um dos artistas mais coerentes que jamais existiram.” Ou seja,
seu ímpeto expressivo em forma de estrépito conduz a um caminho que, junto com
o barulho hiperbólico, temos um artesananto minucioso e completamente
autoconsciente, o que se confirma nos apontamentos que deixou sobre a sua
própria poesia, artigos de jornal, por exemplo, que eram, às vezes, escritos de
poética, se destacando, então, o conhecido “Como Fazer Versos?”, e seu caminho
não foi apenas da poesia, pois Maiakóvski fez ainda peças de teatro, roteiros de
cinema, cartazes, sendo facetas de um mesmo ímpeto criador.
Nos poemas que elenquei aqui, fechando a série Maiakóvski,
temos dois poemas mais longos, os “Incompreensível Para as Massas” e o
emblemático “A Plenos Pulmões” (o seu canto do cisne, certamente), e que vêm
com o vigor conhecido de Maiakóvski, pois ele foi fiel a uma forma e a uma
coerência de intenções até o fim, isto é, a plenos pulmões é também a plenitude
de um poeta com o domínio do que faz, ou seja, autoconsciente, nada mecânico,
um poeta para poetas e para o povo, na sua coloquialidade de rua e que nunca se
traiu quanto ao que almejava, sua liberdade de expressão que ia além da
conferência, apesar de seu panfleto ou cartaz, pois Maiakóvski era poeta, e sua
veia de militante servia à poesia mais do que o inverso, seus versos tinham
comprometimento político, isto é inegável, mas sua forma manteve o material
próprio da poesia, fazer arte.
INCOMPREENSÍVEL PARA AS
MASSAS
Entre escritor
e
leitor
posta-se o intermediário,
e o gosto
do
intermediário
é bastante
intermédio.
Medíocre
mesnada
de medianeiros médios
pulula
na crítica
e
nos hebdomadários.
Aonde
galopando
chega teu pensamento,
um deles
considera
tudo
sonolento:
__ Sou homem
de outra têmpera! Perdão,
lembra-me agora
um verso
de
Nadson ...
O operário
não
tolera
linhas breves.
(E como tal
mediador
ainda se entende
Assiéiev!)
Sinais de pontuação?
São marcas de
nascença!
O senhor
corta os
versos
toma
muitas licenças.
Továrich Maiakóvski,
por que não escreve iambos?
Vinte copeques
por linha
eu lhe
garanto, a mais.
E narra
não sei
quantas
lendas
medievais,
e fala quatro horas
longas como anos.
O mestre lamentável
repete
um
só refrão:
__ Camponês
e
operário
não o
compreenderão.
O peso da consciência
pulveriza
o autor.
Mas voltemos agora
ao conspícuo censor:
Camponeses só viu
há tempo
antes da guerra,
na datcha,
ao
comprar
mocotós de
vitela.
Operários?
Viu
menos.
Deu com dois
uma vez
por ocasião
da cheia,
dois pontos
numa
ponte
contemplando
o terreno,
vendo a água subir
e a fusão das geleiras.
Em muitos milhões
para servir de lastro
colheu dois exemplares
o nosso criticastro,
Isto não lhe faz mossa __
É tudo
a mesma massa ...
Gente – de carne e osso!
E à hora do chá
expende
sua
sentença:
__ A classe
operária?
Conheço-a
como a palma!
Por trás
do seu
silêncio,
posso ler-lhe
na alma __
Nem dor
nem
decadência.
Que autores
então
há de ler essa classe?
Só Gógol,
só os
clássicos.
Camponeses?
Também.
O quadro não
se altera.
Lembra-me agora __
a datcha, a
primavera ...
Este palrar
de
literatos
muitas vezes
passa
entre nós
por
convívio com a massa.
E impinge
modelos
pré-revolucionários
da arte do pincel,
do cinzel,
do
vocábulo.
E para a massa
flutuam
dádivas de
letrados __
lírios,
delírios,
trinos dulcificados.
Aos pávidos
poetas
aqui vai meu aparte:
Chega
de chuchotar
versos para os pobres.
A classe condutora,
também ela pode
compreender a arte.
Logo:
que se eleve
a cultura do povo!
Uma só,
para todos.
O livro bom
é
claro
e necessário
a mim,
a vocês,
ao
camponês
e ao
operário.
1927
(Tradução de Haroldo de Campos)
1 – Nadson: O poeta sentimental S.I. Nádson (1862–1887). A
mudança do acento é do próprio Maiakóvski.
2 – Assiéiev – O poeta russo N.N.Assiéiev (1889-1963), amigo
de Maiakóvski.
3 – Továrich – Camarada.
4 – Datcha – Casa de veraneio.
A PLENOS PULMÕES
Primeira Introdução ao
Poema
Caros
camaradas
futuros!
Revolvendo
a merda
fóssil
de
agora,
perscrutando
estes
dias escuros,
talvez
perguntareis
por mim. Ora,
começará
vosso
homem de ciência,
afogando os porquês
num banho de sabença,
conta-se
que
outrora
um férvido cantor
a água sem fervura
combateu com fervor.
Professor,
jogue
fora
as lentes-bicicleta!
A mim cabe falar
De mim
de minha
era.
Eu – incinerador,
eu – sanitarista,
a revolução
me
convoca e me alista.
Troco pelo front
a horticultura airosa
da poesia –
fêmea caprichosa.
Ela ajardina o jardim
virgem
vargem
sombra
alfombra.
“É assim o jardim de jasmim,
O jardim de jasmim do alfenim.”
Este verte versos feito regador,
aquele os baba,
boca em babador, __
bonifrates encapelados,
descabelados vates __
entendê-los,
ao
diabo!,
quem há-de ...
Quarentena é inútil contra eles __
mandolinam por detrás das paredes:
“Ta-ran-tin, ta-ran-tin,
Ta-ran-tem-n-n ...”
Triste honra,
se de
tais rosas
minha estátua se erigisse:
na praça
escarra a
tuberculose;
putas e rufiões
numa ronda de sífilis.
Também a mim
a propaganda
cansa,
é tão fácil
alinhavar
romanças, __
Mas eu
me dominava
entretanto
e pisava
a garganta
do meu canto.
Escutai,
camaradas
futuros,
o agitador,
o
cáustico caudilho,
o extintor
dos
melífluos enxurros:
por cima
dos
opúsculos líricos,
eu vos falo
como um
vivo aos vivos.
Chego a vós,
à
Comuna distante,
não como Iessiênin,
guitarriarcaico.
Mas através
dos
séculos em arco
sobre os poetas
e
sobre os governantes.
Meu verso chegará,
não como a seta
lírico-amável,
que
persegue a caça.
Nem como
ao
numismata
a moeda
gasta,
nem como a luz
das estrelas decrépitas.
Meu verso
com
labor
rompe a mole
dos anos,
e assoma
a olho
nu,
palpável,
bruto,
como a nossos dias
chega o aqueduto
levantado
por
escravos romanos.
No túmulo dos livros,
versos como
ossos,
se estas estrofes de aço
acaso descobrirdes,
vós a respeitareis,
como quem vê destroços
de um arsenal antigo,
mas terrível.
Ao ouvido
não diz
blandícias
minha
voz:
lóbulos de donzelas
de cachos e bandós
não faço enrubescer
com lascivos rondós.
Desdobro minhas páginas
__
tropas em parada,
e passo em revista
o front das palavras.
Estrofes estacam
chumbo-severas,
prontas para o triunfo
ou para a morte.
Poemas-canhões, rígida coorte,
apontando
as
maiúsculas
abertas.
Ei-la,
a cavalaria do
sarcasmo,
minha arma favorita,
alerta para a luta.
Rimas em riste,
sofreando o entusiasmo,
eriça
suas lanças
agudas.
E todo
este exército
aguerrido,
vinte anos de combates,
não
batido,
eu vos doo,
proletários do planeta,
cada folha
até a
última letra.
O inimigo
da
colossal
classe obreira,
é também
meu inimigo
fidagal.
Anos
de servidão e de
miséria
comandavam
nossa
bandeira vermelha.
Nós abríamos Marx
volume após volume,
janelas
de nossa casa
abertas amplamente,
mas ainda sem ler
saberíamos o rumo!
onde combater,
de que lado,
em
que frente.
Dialética,
Não
aprendemos com Hegel.
Invadiu-nos os versos
ao fragor das
batalhas,
quando,
sob nosso
projétil,
debandava o burguês
que antes nos
debandara.
Que essa viúva desolada,
-
glória –
se arraste
após os
gênios,
merencória.
Morre,
meu verso,
como um soldado
anônimo
na lufada
do assalto.
Cuspo
sobre o bronze
pesadíssimo,
cuspo
sobre o mármore
viscoso.
Partilhemos a glória, -
entre nós todos, -
o comum monumento:
o socialismo,
forjado
na refrega
e no fogo.
Vindouros,
varejai
vossos léxicos:
do Letes
brotam
letras como lixo –
“tuberculose”,
“bloqueio”,
“meretrício”.
Por vós,
geração de
saudáveis, -
um poeta,
com a
língua dos cartazes,
lambeu
os escarros
da tísis.
A cauda dos anos
faz-me agora
um monstro,
fossilcoleante.
Camarada vida,
vamos,
para diante,
galopemos
pelo
quinquênio afora.
Os versos
para mim
não deram rublos,
nem mobílias
de
madeiras caras.
Uma camisa
lavada e clara,
e basta, -
para mim
é tudo.
Ao Comitê Central
do futuro
ofuscante,
sobre a malta
dos
vates
velhacos e
falsários,
apresento
em lugar
do registro partidário
todos
os cem tomos
dos meus livros militantes.
Dezembro, 1929/janeiro,1930
(Tradução de Haroldo de Campos)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário: http://seculodiario.com.br/27691/17/maiakovski-os-poemas-de-som-e-furia-parte-iii
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