PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

OS VIDENTES EGÍPCIOS

Enterrem o coração do poeta

no fundo do vale do Nilo,

cada cascata enumera

seus feitos, eu vi no lagar

uma flor nascer no Deserto

da Líbia, os mercenários

do Mali nada sabiam, 

pois em Bamako houve

uma invasão dos nigerianos

do Boko Haram, o dervixe,

no misticismo islâmico,

dava os nomes de Deus

mais que um hebreu enlouquecido

com seu aleph, sim,

os nomes sucessivos

de Jeaveh são impressionantes,

e o poeta lhes anunciava

antes de ter seu coração

enterrado, lá, no vale 

do Nilo, um cachorro bravo

cavou e viu a ossada

de um sarcófago, Amenóphis

ressuscitava qual Osíris,

e Anúbis esbravejava,

quando Bek desceu

aos ínferos no véu de Ísis

que delirava em seu oráculo,

desenterraram o coração

do poeta e serviram a iguaria

para a boca do cachorro.


30/10/2020 Gustavo Bastos  

O CANTO DA AMÉRICA

Por entre os dentes do

vulcão, a sua boca de

lava no Chile,

terreno pedregoso

de geologia pré-histórica,

eu estava em Cuzco

com os ritos incas,

sim, Mendoza vista

de cima, caí em mim

num parque em Buenos Aires,

a palavra reinava 

nos jornais da Argentina,

passei muito dos Andes,

desemboquei em Mar Del Plata,

como um poeta e pirata,

a comer meu ancho em Montevidéu,

sim, na Patagônia o gelo

me tremia, seu frio capitulava

depois de um dia calmo

que mirava o polo sul,

as dores da praça de maio,

meus sonhos baratos

em Assunción,

as alturas em Guayaquil,

La Paz e Quito,

arre, passeio pelo

fundo de Bogotá,

por Caracas, o fundo 

misterioso de Lima,

caras assustadas,

uma crise financeira,

jogo o meu luto

para o alto por

toda a panamericana,

com uma moto

do som veloz,

a entender

o Atacama

na noite,

sofrer por meu

Brasil ao voltar

ao porto, olhar

o vasto atlântico,

e depois me perder

na amazônia,

qual selvagem

da América.


30/10/2020 Gustavo Bastos 


A VISÃO DO SOL

Os dias das delícias

se experimentam

neste hino ateniense,


de pensar em seu corpus hermeticus

e toda a enciclopédia viajada

em que o leitmotiv

do saber é que

toda ideia

deve ser provada,


rente ao coração do mundo

está o perigo, o fundo

da alma na qual se perdem

os enigmas, o lugar

em que o onírico

afoga os olhos

em Morfeu,


meu ópio é o desarranjo

de minha razão, a loucura

pacífica que vibra

álacre como a mística

da poesia,


as delícias, deste vinho

possesso, derrama e transborda

a alma na floração, 

e o sol é a visão.


30/10/2020 Gustavo Bastos 

VIAGENS TERRENAS

As casas da cidade que vejo

em meu cartão de turista

são coloridas, são cores

vivas de um tempo que vivo,


o vivido, este canto evanescente,

rebate em meus olhos,

deles não há o pranto,

no entanto, e me pego

em nuvens como um par

de asas que se perde

nestas nuvens,


claro, os dias do enigma

me pegam em sonho,

e vejo deste sonho meu canto,

um tipo de trinado afinado

que não fica tonto,

clareia em seus tons

e melodia como

bel canto de vocalises,


ah, do tenor o vinho

está sempre posto,

um esgar de ópera bufa

como o mormaço do teatro

na madrugada dos aplausos,


já penso em fotografar

meus grandes feitos,

lá, nesta cidade da

fotografia e das

casas coloridas,


silente, os cartazes dos

shows estão em crisálida,

donde se tem da gravação

do estúdio a febre

de uma fita master,


rá! te peguei no pulo

da máquina impassível!

as cartas possuem os

karmas da escrita,

cada verso pensa

e sente, mas cada

verso canta,

ele vibra 

o coração,

este verso

de cores.


30/10/2020 Gustavo Bastos  

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

O SUICÍDIO NAS FAMÍLIAS E O ESTUDO GENÉTICO DOS CASOS SUICIDAS

“O suicídio provoca estranheza e perplexidade, incômodo, desconforto”

O suicídio, no seio familiar, pode muitas vezes provocar um silêncio, causar um secretismo despertado por tabus e estigmas, o que concorre para reforçar a aura negativa da ideia sobre o suicídio e a relação social tensa que existe com o ato em si, com o suicídio enquanto fenômeno, tendo dentro de um núcleo familiar possíveis reflexos destes interditos sociais que colocam este véu de segredo sobre este acontecimento, quando este ocorre em nosso meio de convivência.

O suicídio provoca estranheza e perplexidade, incômodo, desconforto, é uma situação indesejada, como a visita de uma penúria mitológica, ou ainda a carga de exclusão de uma espécie de lepra espiritual, uma vez que os suicidas não tinham os ritos sagrados para seu sepultamento, num lugar espiritual de anátema e proscrito da existência.

O pacto de silêncio familiar sobre um parente suicida reflete toda esta aura sinistra com intensa carga histórica e religiosa. O suicídio pode, muitas vezes, no seio familiar, se tornar uma espécie de memória proibida. O esquecimento da censura é o que pode aguardar o suicida.

Fatores neurobiológicos sobre o suicídio, por sua vez, passam a ser estudados e conhecidos, fatores que podem envolver o hipocampo, a amígdala e o córtex pré-frontal, e são estudados, dentro deste espectro, também os fenômenos da agressividade e da impulsividade, que começam a se desenvolver na década de 1960.

Mas, a história clínica do suicídio sempre levará o seio familiar como fator de proteção ou seu oposto, como fator de risco para um potencial suicida, e é levantado também hipóteses como o chamado instinto de plateia, usando o exemplo da ilha deserta como um meio de que um certo tipo de suicida não teria motivos para o ato, nem como meio de chantagem, manipulação, ou até de espetáculo para mostrar o seu próprio sofrimento, exemplo relevante e que faz todo o sentido.

A experiência clínica pode apontar, diversas vezes, na análise do suicídio, para a existência de famílias-problema ou disfuncionais, com designações de famílias que podem ser classificadas como : rígidas, obstinadas, conflituosas, desagregadas, distantes, frias, etc.

Segundo os modelos biológicos da explicação do fenômeno suicida, por sua vez, temos a disfunção da serotonina (5-HT), que ganhou a atenção nos estudos que envolviam o modelo neurobiológico desde a década de 1960, e estes estudos envolveram análises biológicas post mortem e depois por métodos em pessoas vivas que tinham cometido uma tentativa violenta de suicídio.

Outro foco de estudo que se desenvolveu foi o da hiperatividade do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenais (HPA), que já há tempo é considerada como estando ligada às condutas suicidas. O colesterol é um precursor da síntese do cortisol, sendo encontrada uma relação entre hipocolesterolemia e um aumento do risco de condutas violentas ou agressivas, e temos então alterações do metabolismo do colesterol que podem levar a uma deficiência de 5-HT no cérebro.

Com o avanço tecnológico, temos novas aplicações técnicas que vão incidir sobre o conhecimento e análise das funções cerebrais, como a tomografia por emissão de positrões (PET), em associação a doseamentos do líquor, sangue e urina de neurotransmissores ou seus metabolitos. Temos ainda os estudos realizados sobre as neurotrofinas, que envolvem as áreas mais afetadas pela conduta suicida, como o núcleo dorsal do rafe (tronco cerebral), hipotálamo, amígdala, hipocampo e o córtex pré-frontal.

Com a sequência do genoma em 2003, temos uma ampliação do estudo do espectro suicida para além dos escaninhos psiquiátricos da esquizofrenia, da depressão e do alcoolismo, com a visão incidindo sobre genes específicos que podem despertar a conduta suicida, podendo ser, por exemplo, o gene da enzima triptofano hidroxilase (TPH), o gene do transportador da serotonina (5-HTT) e o gene da catecol-o-metiltransferase (COMT). E o estudo sobre o suicídio no seu aspecto genético continua avançando. 

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/o-suicidio-nas-familias-e-seu-estudo-genetico