“O suicídio provoca estranheza e perplexidade, incômodo, desconforto”
O suicídio, no seio familiar, pode muitas vezes provocar um
silêncio, causar um secretismo despertado por tabus e estigmas, o que concorre
para reforçar a aura negativa da ideia sobre o suicídio e a relação social
tensa que existe com o ato em si, com o suicídio enquanto fenômeno, tendo
dentro de um núcleo familiar possíveis reflexos destes interditos sociais que
colocam este véu de segredo sobre este acontecimento, quando este ocorre em
nosso meio de convivência.
O suicídio provoca estranheza e perplexidade, incômodo,
desconforto, é uma situação indesejada, como a visita de uma penúria
mitológica, ou ainda a carga de exclusão de uma espécie de lepra espiritual,
uma vez que os suicidas não tinham os ritos sagrados para seu sepultamento, num
lugar espiritual de anátema e proscrito da existência.
O pacto de silêncio familiar sobre um parente suicida reflete
toda esta aura sinistra com intensa carga histórica e religiosa. O suicídio
pode, muitas vezes, no seio familiar, se tornar uma espécie de memória
proibida. O esquecimento da censura é o que pode aguardar o suicida.
Fatores neurobiológicos sobre o suicídio, por sua vez, passam
a ser estudados e conhecidos, fatores que podem envolver o hipocampo, a
amígdala e o córtex pré-frontal, e são estudados, dentro deste espectro, também
os fenômenos da agressividade e da impulsividade, que começam a se desenvolver
na década de 1960.
Mas, a história clínica do suicídio sempre levará o seio
familiar como fator de proteção ou seu oposto, como fator de risco para um
potencial suicida, e é levantado também hipóteses como o chamado instinto de
plateia, usando o exemplo da ilha deserta como um meio de que um certo tipo de
suicida não teria motivos para o ato, nem como meio de chantagem, manipulação, ou
até de espetáculo para mostrar o seu próprio sofrimento, exemplo relevante e
que faz todo o sentido.
A experiência clínica pode apontar, diversas vezes, na
análise do suicídio, para a existência de famílias-problema ou disfuncionais,
com designações de famílias que podem ser classificadas como : rígidas,
obstinadas, conflituosas, desagregadas, distantes, frias, etc.
Segundo os modelos biológicos da explicação do fenômeno
suicida, por sua vez, temos a disfunção da serotonina (5-HT), que ganhou a
atenção nos estudos que envolviam o modelo neurobiológico desde a década de
1960, e estes estudos envolveram análises biológicas post mortem e depois por
métodos em pessoas vivas que tinham cometido uma tentativa violenta de
suicídio.
Outro foco de estudo que se desenvolveu foi o da hiperatividade
do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenais (HPA), que já há tempo é considerada
como estando ligada às condutas suicidas. O colesterol é um precursor da
síntese do cortisol, sendo encontrada uma relação entre hipocolesterolemia e um
aumento do risco de condutas violentas ou agressivas, e temos então alterações
do metabolismo do colesterol que podem levar a uma deficiência de 5-HT no
cérebro.
Com o avanço tecnológico, temos novas aplicações técnicas que
vão incidir sobre o conhecimento e análise das funções cerebrais, como a tomografia
por emissão de positrões (PET), em associação a doseamentos do líquor, sangue e
urina de neurotransmissores ou seus metabolitos. Temos ainda os estudos
realizados sobre as neurotrofinas, que envolvem as áreas mais afetadas pela
conduta suicida, como o núcleo dorsal do rafe (tronco cerebral), hipotálamo,
amígdala, hipocampo e o córtex pré-frontal.
Com a sequência do genoma em 2003, temos uma ampliação do
estudo do espectro suicida para além dos escaninhos psiquiátricos da
esquizofrenia, da depressão e do alcoolismo, com a visão incidindo sobre genes
específicos que podem despertar a conduta suicida, podendo ser, por exemplo, o
gene da enzima triptofano hidroxilase (TPH), o gene do transportador da
serotonina (5-HTT) e o gene da catecol-o-metiltransferase (COMT). E o estudo sobre o suicídio no seu aspecto genético continua avançando.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/o-suicidio-nas-familias-e-seu-estudo-genetico
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