PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 19 de julho de 2013

NOTAS SOBRE O IMPOSSÍVEL

                             
   As rochas se espatifaram em todas as estâncias do sol que dormia exangue na bruma. Pensei em fagulhas do tempo quando declamei Beckett numa árvore com Estragon dentro de meus andrajos. Na luz violeta que descia do convés, o anfiteatro rumorejava a flauta de um fauno com dor nos chifres, a tragédia era a novela das horas perdidas no canto das sombras que gritavam pálidas de medo. No proscênio dormia o ator em sua roupa fétida de clown, um clóvis de fundo marcado na bunda, batendo ponto na reunião dos diretores com suas sacolas de lembrancinhas, o pastor do rebanho era o chefe e produtor das sessões que varavam a noite com fumaça de nicotina tomando toda a cena como num delírio de nuvem preta de tempestade onírica.
   Lá pelas altas horas da noite densa, atiravam-se trompetes e tubas no mar dos vinhos de Stanislávski, Meierhold cantarolava baladas brechtianas no caos de um novo teatro com Artaud vomitando sua febre num hospício de sanitaristas roucos com sua loucura. Lembrava Eurípedes em outra encarnação, quando Téspis teve a tal "iluminação".
   Vozes da bruma no campo, leões do sonho náutico, ronronava Marilyn em fotogramas, passei do outro lado da rua em que Amy Winehouse se perdia com fortes espasmos de heroína. Voltava pela praça e o trompete caído brigava com o sax alto de Charlie Parker de frente ao obelisco. Um cego Tirésias descia no corpo de uma madame vidente, as sessões com os médiuns estouravam de celebridades mortas. Em uma fuga de Bach se via todo o esplendor da praia. De noite reuniram-se Brecht e Piscator. Stálin estava como um cão no inferno tentando fazer uma revolução de putos no Berliner Ensemble. Os poemas de Brecht caíam nas luvas negras do exército soviético, Hitler já havia se suicidado, os lembretes de Lênin matavam Trótski de infarto no México. Stálin sorria com uma vodka vendo Arturo Ui como um demônio que ele matara de inverno como numa refeição de couve-flor com flores de cimento em sovietes e ligas de metal de Sputnik e Guerra Fria. A esta altura Artaud já era poeira e Brecht se tornara o didático da Berlim Oriental, todo o fogo ficava no Kremlin com dores de asno num ataque ao Dark Globe com Shakespeare de férias como no sonho de uma noite de verão.
   Preces eram feitas por Meierhold nas vanguardas dos séculos atrasados, os russos sonhavam novas máquinas de fazer luz e o teatro se elencava de notas de fantasia contra o tecnicismo stanislavskiano. Juntava-se o sonho então e tudo explodia em Jazz com overdoses de heroína com uísque. Bird já era um rebotalho, Miles jogava todos os lados para a fortuna. A rosa trágica de Billie Holiday era a boemia em forma poética noturna, todo o grito daria mesmo em Janis com San Francisco e a tropa de Jerry Garcia gravando Anthem of The Sun numa viagem de ácido com todos os jogos de morte possíveis. Na estrada ao lado corria Jim Morrison com febre de queda em Los Angeles e que veria o sol negro numa banheira em Paris anos mais tarde, e de Seattle, Hendrix foi pousar em Londres com máquinas elétricas de fazer loucos.

                                O sol do século é o vício do dia,
                                o tempo afugenta quem é louco,
                                fede o miasma da repressão,
                                surge o silêncio depois do desbunde,
                                vira novo século e todos continuam
                                 loucos loucos loucos loucos
                                 revoluções são feitas pela manhã
                                 e na noite as cidades são devastadas
                                 verás o novo século com os mesmos
                                 sonhos antigos
                                 a roda viva do eterno retorno
                                 sonham paz e guerra e tudo para nada
                                 caem os homens e as mulheres
                                fogem os velhos e as crianças
                                 o caos é o novo prazer
                                 a rede inextricável das revoluções
                                 se tornam uma única revolução
                                 de todas as possibilidades impossíveis
                                 o governo morde a coronha da polícia
                                 anarcos se vestem para a festa
                                 o novo teatro é a glória da briga
                                 a paz mundial é a farsa da utopia
                                 todos somos porcos sonhadores
                                 com vozes de nada em nossos
                                 corações convulsionados
                                 na barricada e no sangue do tempo
                                 morreram os gênios da vanguarda
                                 nasceram as utopias do caos
                                 por uma nova ordem mundial.

19/07/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)