PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

FRUTA MORDIDA

Da fruteira brilha a maçã
em sua juventude,
um passeio de laranjas
e tangerinas,
o vigor da melancia,
um lambuzar de manga
e toda a esperteza
da goiaba,

lembro das mangueiras
e das goiabeiras,
sabor de infância
que tem este viço
de felicidade simples,

meu amor pela tarde calma,
meu sentido maior
com as memórias
de família,

meu privilégio é saber
que a vida continua,
e não estamos sós.

07/02/2019 Gustavo Bastos

O POEMA DA SABEDORIA

Funda-se o poema como um monólito,
estrutura críptica,
esfinge esbelta,
flor de lis.

Poema água, mineral pétreo
da fonte lodosa,
canto supremo
e máquina
de sonhar,
poema.

Poema que sorri como um devaneio,
que diz sol terroso e vira
a noite sob a flauta doce,
que diz a essência
que habita a beleza,
que revela
o abscôndito
coração,

poema feliz dos mistérios
e das coisas prosaicas,
que bebe licor
e tem no tempo
sua razão
de sabedoria.

07/02/2019 Gustavo Bastos

PARAÍSO ARTIFICIAL

Que prata nos olhos
e que alegria no coração!
Vai-te ronda suprema
com o galardão
dos eleitos,

sobre a terra indomável
um sopro de luz
que invade meu recinto,
meus heróis,
meus ídolos,
todos vivem
em coração
forte!

Que ouro atávico em minhas
pupilas dilatadas!
Venho de viagem psicodélica
lhes dizer que o
paraíso existe,
e vive n`alma
das coisas
como um clarão
que nos rodeia.

07/02/2019 Gustavo Bastos

O MILAGRE DO VENTO

Ao monte que lhe chora
tens um topázio
em teu peito,
órfão do tempo
e do socorro,

eu, menino azul, que da
queda me tenho incólume,
passo à praça, valente
hei de estar, qual uma
flecha varando o ar,

lhe choro meu sangue,
lhe tenho família,
o que mais devo
ver? porfia dos dias
dos astutos,
um caos iminente,
a trovejar.

Ao monte em que choro
uma rosa brota
de minha mão
direita, um mel
se derrama de minha
mão esquerda,
era o milagre
que o vento
me revelava.

07/02/2019 Gustavo Bastos

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

GURUS E CURANDEIROS – PARTE I

“temos a indefinível origem até mítica do Hinduísmo, sendo nesta fonte que surgirá a figura do guru”

A História Antiga ou Antiguidade é o lugar no qual temos a revelação de figuras de vulto espiritual e religioso, de caráter messiânico ou de portador de uma revelação. No primeiro caso, do messianismo, um fenômeno espiritual e social que eu julgo próprio deste contexto do mundo antigo, era algo relativamente generalizado, podendo ser apontado como originário do profetismo hebreu do Velho Testamento, este que, por sua vez, um pouco antes, no Pentateuco, sobretudo no Gênesis e no Êxodo, nos dá uma revelação divina direta, os dez testamentos, por exemplo, sem ainda a figura de um Messias ou “O Messias”.
Isto vai se dar mais para a frente, com a figura histórica ou não de Jesus de Nazaré, que na encarnação do Cristo se tornou, além de Messias, a figura mais importante da História, mesmo não sendo comprovada materialmente (ou ainda, arqueologicamente) a sua existência real. No campo da revelação, temos a figura de Maomé, este que recebe instruções do Anjo Gabriel para a confecção do Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, fechando a trilogia das “religiões do Livro”, ou seja, a Torá e o Velho Testamento judaico, o Evangelho e o Novo Testamento cristão, e por fim o aqui lembrado Alcorão com suas suratas fundamentando a religião do Islã.
Por sua vez, indo ao Oriente, temos a indefinível origem até mítica do Hinduísmo, sendo nesta fonte que surgirá a figura do guru, palavra sânscrita dos Upanishads, hoje de uso corrente, para definir um guia espiritual ou iluminado, ou ainda, alguém que tem um conhecimento e sabedoria superiores, e que, com isto, ganha adeptos, os chamados discípulos. No caso do Oriente, portanto, temos a fonte imemorial do Hinduísmo, e um mestre espiritual, Buda, antes Sidharta Gautama, que terá a iluminação para o caminho óctuplo e as cinco nobres verdades que ecoarão em correntes do Budismo como o Theravada, o Mahayana e o Vajrayana.
A figura do guru, por sua vez, pode ser definida, em seu sentido espiritual principal, como um guia para a autorrealização, um dos diversos sentidos da iluminação, grande liberação, nirvana ou samadhi. Geralmente, tais gurus possuem um pensamento ou reflexão muito mais existenciais, ou seja, falam da vida e nada mais, do mundo da vida, claro que aqui numa elevação de princípios direcionada a uma vida superior e não banal, e que então, portanto, não serão entes intelectuais, haverá até, por parte deste grande movimento de gurus, um certo desligamento das questões do intelecto, tal saber espiritual não será, por conseguinte, exatamente metafísico, no sentido que podemos depreender da filosofia ocidental quando esta trata de abstrações as mais elevadas ou quando de seu período hipostasiado de inspiração escolástica.
Não, tal saber que os gurus nos trazem tem uma origem na vida, eventualmente ensinando técnicas mentais e corporais, como no saber yogue e da meditação, mas com um sabor cotidiano. É só vermos como atuam os mestres do zen budismo, por exemplo, como D.T.Suzuki, que nunca foram portadores de pretensos ou “grandes mistérios”, como temos, por exemplo, em outra áreas do saber espiritual como, por exemplo, no ocultismo, em seitas ou denominações de fraternidades espirituais em diversos graus como o rosacruz ou a maçonaria. Temos aqui, com os gurus de saber oriental, uma certa espiritualidade mais voltada a uma percepção natural do que a uma abstração teosófica ou cabalística, ou ainda de cunho astrológico, mesmo que haja certos simbolismos exagerados no budismo tibetano e suas deidades, por exemplo, sob a influência evidente do animismo Bön, o qual precedeu o florescimento do Budismo no Tibete.
Quando vemos a atuação do saber ensinado pelos gurus, temos esta espiritualidade mais imediata, mais real, menos metafísica, sem ânsias metafísicas como temos no Espiritismo ou no Espiritualismo geralmente de cunho reencarnacionista, mesmo que os ecos hindus nos tragam todos estes mistérios como as fontes de tais sabedorias. Temos, contudo, uma estruturação reflexiva construída pelos gurus modernos que tratam de questões mais simples, em geral, como felicidade ou bem-estar, por exemplo, e não do que nos reserva a vida após a morte ou de como podemos revelar os mistérios da alma ou algum segredo transcendental oculto. Não, pois o que temos são exercícios de meditação, de aprofundamento do autoconhecimento direcionado à autorrealização, o que confere ao conhecimento espiritual oriental na sua versão moderna uma faceta new age sedutora, e é disto que falaremos, a seguir.
Krishnamurti, por exemplo, foi um tipo de guia que, por sua vez, recusava a ser um guru, não queria discípulos, foi descoberto pela Sociedade Teosófica, cuja sabedoria espiritual é uma miscelânea de orientalismos e ocultismos, com a Madame Blavatsky sendo uma de suas figuras mais controversas. Portanto, Krishnamurti é um ponto fora da curva, não era e nunca quis ser um guru, e foi prolífico em sua produção escrita, com ensinamentos simples, intuitivos, nada intelectuais ou de sistema espiritual como tínhamos em Blavatsky, por exemplo, na qual tínhamos revelações de supostos mahatmas espirituais ou evanescentes que poderiam beirar ao charlatanismo ou em certa credulidade mistificadora. Krishnamurti, no seu caso, foi um destes que não se corrompeu. Este que foi, literalmente, o grande achado da Sociedade Teosófica, pelas mãos de Charles W. Leadbeater.
Temos outra figura importante neste cenário espiritual moderno, que é Paramahansa Yogananda, este que é um dos guias ou gurus que vêm do Oriente, no seu caso da Índia, e traz este conhecimento espiritual milenar ao Ocidente. Sua autobiografia, a “Autobiografia de um iogue”, vira um best-seller. O guru fundou a organização Self-Realization Fellowship (SRF), nos Estados Unidos, e começa a divulgar e difundir os conhecimentos e as técnicas da Kriya Yoga.
Yogananda era herdeiro espiritual de Sri Yukteswar, que fora seu mestre, e que o preparou, a pedido de Babaji, para ser o grande responsável pela expansão da Kriya Yoga no Ocidente. A Self-Realization Fellowship, portanto, era parte de uma missão mundial, organização que foi fundada, por sua vez, em 1920, inaugurando um dos primeiros capítulos de sucesso da espiritualidade oriental em sua face moderna, agora no mundo ocidental.
O fascínio era evidente, e logo nos veremos com os tais efeitos adversos desta cultura irrefletida, muitas vezes, deste incensado (sem trocadilho) mundo dos gurus da new age para celebridades, endinheirados, benfeitores, gente perdida, louca, crédula, sincera, muitos com formação sólida, mas que confundiram charlatanismo com mestria, sabendo que não há generalização, mas os casos e escândalos são notórios, e logo falaremos deles.
O guru, como podemos ver na tradição védica, especialmente no Mahabaratha, na parte mais conhecida, até pelos ocidentais, que é o Bhagavad Gita, temos já a tal relação tradicional guru/discípulo nas figuras respectivas de Krishna, que aqui é o próprio Deus, e Arjuna, um nobre. O princípio diz sobre a importância de ter ou encontrar um guru, pois este que lhe fornecerá o conhecimento transcendental (vidyā), segundo o Hinduísmo.
Na sua versão oriental, temos a tradição guru-shishya, o que envolve toda uma transmissão de conhecimento espiritual em torno de uma relação de respeito ao estudante, e da parte deste uma devoção e obediência das instruções pessoais (muitas vezes de tradição esotérica, isto é, um conhecimento fechado, para iniciados) quando o discípulo ou estudante compreende o saber que habita seu mestre ou guru.
Kranenborg, um pesquisador de religiões holandês, por sua vez, faz uma distinção entre tipos de gurus, no que enumera quatro tipos principais, no que segue : O conselheiro espiritual, que atua no ensinamento da casta mais alta dos Hindus, os brâmanes, tais conselheiros que não são sacerdotes, no entanto, e nem possuem templo. Temos um segundo tipo de guru, que é o mestre iluminado, este que faz parte da tradição tântrica e do movimento bhakti, e que ganha a sua autoridade espiritual a partir de sua própria experiência e vivência, estando supostamente apto a conduzir seu discípulo para o caminho da iluminação. Temos um terceiro tipo, que é o avatar, este que encarna a própria divindade, um guru que se confunde com a própria divindade, que são, por exemplo, o guru indiano Sathya Sai Baba e os gurus da linhagem Sant Mat. E por fim, temos o guru na forma de livro, que é o Guru Granth Sahib, na religião Sikh.
A palavra parampara, por sua vez, se origina desta relação entre guru e discípulo, ou entre guru e shishya, na sua versão oriental, e que denota uma sucessão deste saber espiritual, a transmissão que vem do guru ao discípulo, que então também se torna um novo guru e continua a tradição espiritual na qual foi instruído por um guru anterior, esta sucessão chamada de parampara que envolve toda a tradição espiritual indiana. O Hinduism dictionary define parampara como "uma linhagem de gurus espirituais em autêntica sucessão pela iniciação; a cadeia de poderes místicos pela autorização para a continuidade, passada de guru para guru."

(continua na segunda parte)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.