A História Antiga ou Antiguidade é o lugar no qual temos a
revelação de figuras de vulto espiritual e religioso, de caráter messiânico ou
de portador de uma revelação. No primeiro caso, do messianismo, um fenômeno
espiritual e social que eu julgo próprio deste contexto do mundo antigo, era
algo relativamente generalizado, podendo ser apontado como originário do
profetismo hebreu do Velho Testamento, este que, por sua vez, um pouco antes,
no Pentateuco, sobretudo no Gênesis e no Êxodo, nos dá uma revelação divina
direta, os dez testamentos, por exemplo, sem ainda a figura de um Messias ou “O
Messias”.
Isto vai se dar mais para a frente, com a figura histórica ou
não de Jesus de Nazaré, que na encarnação do Cristo se tornou, além de Messias,
a figura mais importante da História, mesmo não sendo comprovada materialmente
(ou ainda, arqueologicamente) a sua existência real. No campo da revelação,
temos a figura de Maomé, este que recebe instruções do Anjo Gabriel para a
confecção do Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, fechando a trilogia das
“religiões do Livro”, ou seja, a Torá e o Velho Testamento judaico, o Evangelho
e o Novo Testamento cristão, e por fim o aqui lembrado Alcorão com suas suratas
fundamentando a religião do Islã.
Por sua vez, indo ao Oriente, temos a indefinível origem até
mítica do Hinduísmo, sendo nesta fonte que surgirá a figura do guru, palavra
sânscrita dos Upanishads, hoje de uso corrente, para definir um guia espiritual
ou iluminado, ou ainda, alguém que tem um conhecimento e sabedoria superiores,
e que, com isto, ganha adeptos, os chamados discípulos. No caso do Oriente,
portanto, temos a fonte imemorial do Hinduísmo, e um mestre espiritual, Buda,
antes Sidharta Gautama, que terá a iluminação para o caminho óctuplo e as cinco
nobres verdades que ecoarão em correntes do Budismo como o Theravada, o
Mahayana e o Vajrayana.
A figura do guru, por sua vez, pode ser definida, em seu
sentido espiritual principal, como um guia para a autorrealização, um dos
diversos sentidos da iluminação, grande liberação, nirvana ou samadhi.
Geralmente, tais gurus possuem um pensamento ou reflexão muito mais
existenciais, ou seja, falam da vida e nada mais, do mundo da vida, claro que
aqui numa elevação de princípios direcionada a uma vida superior e não banal, e
que então, portanto, não serão entes intelectuais, haverá até, por parte deste
grande movimento de gurus, um certo desligamento das questões do intelecto, tal
saber espiritual não será, por conseguinte, exatamente metafísico, no sentido
que podemos depreender da filosofia ocidental quando esta trata de abstrações
as mais elevadas ou quando de seu período hipostasiado de inspiração
escolástica.
Não, tal saber que os gurus nos trazem tem uma origem na
vida, eventualmente ensinando técnicas mentais e corporais, como no saber yogue
e da meditação, mas com um sabor cotidiano. É só vermos como atuam os mestres
do zen budismo, por exemplo, como D.T.Suzuki, que nunca foram portadores de
pretensos ou “grandes mistérios”, como temos, por exemplo, em outra áreas do saber
espiritual como, por exemplo, no ocultismo, em seitas ou denominações de
fraternidades espirituais em diversos graus como o rosacruz ou a maçonaria. Temos
aqui, com os gurus de saber oriental, uma certa espiritualidade mais voltada a
uma percepção natural do que a uma abstração teosófica ou cabalística, ou ainda
de cunho astrológico, mesmo que haja certos simbolismos exagerados no budismo
tibetano e suas deidades, por exemplo, sob a influência evidente do animismo
Bön, o qual precedeu o florescimento do Budismo no Tibete.
Quando vemos a atuação do saber ensinado pelos gurus, temos
esta espiritualidade mais imediata, mais real, menos metafísica, sem ânsias
metafísicas como temos no Espiritismo ou no Espiritualismo geralmente de cunho
reencarnacionista, mesmo que os ecos hindus nos tragam todos estes mistérios
como as fontes de tais sabedorias. Temos, contudo, uma estruturação reflexiva
construída pelos gurus modernos que tratam de questões mais simples, em geral,
como felicidade ou bem-estar, por exemplo, e não do que nos reserva a vida após
a morte ou de como podemos revelar os mistérios da alma ou algum segredo
transcendental oculto. Não, pois o que temos são exercícios de meditação, de
aprofundamento do autoconhecimento direcionado à autorrealização, o que confere
ao conhecimento espiritual oriental na sua versão moderna uma faceta new age
sedutora, e é disto que falaremos, a seguir.
Krishnamurti, por exemplo, foi um tipo de guia que, por sua
vez, recusava a ser um guru, não queria discípulos, foi descoberto pela
Sociedade Teosófica, cuja sabedoria espiritual é uma miscelânea de
orientalismos e ocultismos, com a Madame Blavatsky sendo uma de suas figuras
mais controversas. Portanto, Krishnamurti é um ponto fora da curva, não era e
nunca quis ser um guru, e foi prolífico em sua produção escrita, com
ensinamentos simples, intuitivos, nada intelectuais ou de sistema espiritual
como tínhamos em Blavatsky, por exemplo, na qual tínhamos revelações de supostos
mahatmas espirituais ou evanescentes que poderiam beirar ao charlatanismo ou em
certa credulidade mistificadora. Krishnamurti, no seu caso, foi um destes que
não se corrompeu. Este que foi, literalmente, o grande achado da Sociedade
Teosófica, pelas mãos de Charles W. Leadbeater.
Temos outra figura importante neste cenário espiritual
moderno, que é Paramahansa Yogananda, este que é um dos guias ou gurus que vêm
do Oriente, no seu caso da Índia, e traz este conhecimento espiritual milenar
ao Ocidente. Sua autobiografia, a “Autobiografia de um iogue”, vira um
best-seller. O guru fundou a organização Self-Realization Fellowship (SRF), nos
Estados Unidos, e começa a divulgar e difundir os conhecimentos e as técnicas
da Kriya Yoga.
Yogananda era herdeiro espiritual de Sri Yukteswar, que fora
seu mestre, e que o preparou, a pedido de Babaji, para ser o grande responsável
pela expansão da Kriya Yoga no Ocidente. A Self-Realization Fellowship,
portanto, era parte de uma missão mundial, organização que foi fundada, por sua
vez, em 1920, inaugurando um dos primeiros capítulos de sucesso da
espiritualidade oriental em sua face moderna, agora no mundo ocidental.
O fascínio era evidente, e logo nos veremos com os tais
efeitos adversos desta cultura irrefletida, muitas vezes, deste incensado (sem
trocadilho) mundo dos gurus da new age para celebridades, endinheirados,
benfeitores, gente perdida, louca, crédula, sincera, muitos com formação
sólida, mas que confundiram charlatanismo com mestria, sabendo que não há
generalização, mas os casos e escândalos são notórios, e logo falaremos deles.
O guru, como podemos ver na tradição védica, especialmente no
Mahabaratha, na parte mais conhecida, até pelos ocidentais, que é o Bhagavad
Gita, temos já a tal relação tradicional guru/discípulo nas figuras respectivas
de Krishna, que aqui é o próprio Deus, e Arjuna, um nobre. O princípio diz
sobre a importância de ter ou encontrar um guru, pois este que lhe fornecerá o
conhecimento transcendental (vidyā), segundo o Hinduísmo.
Na sua versão oriental, temos a tradição guru-shishya, o que
envolve toda uma transmissão de conhecimento espiritual em torno de uma relação
de respeito ao estudante, e da parte deste uma devoção e obediência das
instruções pessoais (muitas vezes de tradição esotérica, isto é, um
conhecimento fechado, para iniciados) quando o discípulo ou estudante
compreende o saber que habita seu mestre ou guru.
Kranenborg, um pesquisador de religiões holandês, por sua
vez, faz uma distinção entre tipos de gurus, no que enumera quatro tipos
principais, no que segue : O conselheiro espiritual, que atua no ensinamento da
casta mais alta dos Hindus, os brâmanes, tais conselheiros que não são
sacerdotes, no entanto, e nem possuem templo. Temos um segundo tipo de guru,
que é o mestre iluminado, este que faz parte da tradição tântrica e do
movimento bhakti, e que ganha a sua autoridade espiritual a partir de sua
própria experiência e vivência, estando supostamente apto a conduzir seu
discípulo para o caminho da iluminação. Temos um terceiro tipo, que é o avatar,
este que encarna a própria divindade, um guru que se confunde com a própria
divindade, que são, por exemplo, o guru indiano Sathya Sai Baba e os gurus da
linhagem Sant Mat. E por fim, temos o guru na forma de livro, que é o Guru
Granth Sahib, na religião Sikh.
A palavra parampara, por sua vez, se origina desta relação
entre guru e discípulo, ou entre guru e shishya, na sua versão oriental, e que
denota uma sucessão deste saber espiritual, a transmissão que vem do guru ao
discípulo, que então também se torna um novo guru e continua a tradição
espiritual na qual foi instruído por um guru anterior, esta sucessão chamada de
parampara que envolve toda a tradição espiritual indiana. O Hinduism dictionary
define parampara como "uma linhagem de gurus espirituais em autêntica
sucessão pela iniciação; a cadeia de poderes místicos pela autorização para a
continuidade, passada de guru para guru."
(continua na segunda parte)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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