PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

OS INFERNOS

Na vala paralítica a mordedura

é uma ânsia vazia, os ossos

estalam de desespero,


como um ar mortiço

que invade e mofa,

a dor atravanca

e o miasma

é denso,


corrói

o tempo,

de um tempo

perdido

em funda

banalidade,


como se 

a morte

já estivesse

com todo

o cheiro

de cadáver

da mentira

e de todas 

as profanações,


blasfemam cegos

e famintos

os infernos

e seus

degredados.


25/08/2022 Gustavo Bastos 


MAR ABERTO DA VISÃO

Tanta vida em cada cor,

e esta estrada tão aberta,

bebo e danço, faço

bem de mim,

como um ás 

viro

toda a água

da fonte,

pura que nem

uma levitação,


na rajada e na saraivada,

que desorientam os nefelibatas,

o poeta conduz com maestria

toda funda nau navegada,

à visão do monte que o mar

já sabia.


25/08/2022 Gustavo Bastos


VIAGEM AO MUNDO

Sobrevive em Alicante,

ferve em Berlim,

faz casa no Vêneto,

um certo cais em Mônaco,

um vinhedo de Bordeaux,

os ares áridos do Saara,

corsários de Mogadíscio,

toda a patota romana

e napolitana, um bruto

de trás-os-montes

em realejo de Alentejo,

porém, sucede

em Planaltina,

em Teresina,

no frio de Gramado,

em uma barafunda

na Paulista,

em pistas 

de Copacabana,

que os poetas

querem enumerar

bobagens para 

falar conhecer

meio mundo,


um mongol, 

um sechuanês,

o silêncio tibetano,

um cão russo

em São Petersburgo,

castelos na Bavária,

fez este poema rico,

o mundo é grande,

não cabe de fazer

destes poemas

apenas um grão

de areia, mas 

a enseada inteira,

de todos os continentes.


25/08/2022 Gustavo Bastos 


NOVO MUNDO

Desafiado o Golias se embrutece,

com luvas de pelica um certo

intelectual astuto lhe 

dá as marteladas,

aos magotes, um sustentáculo

desmorona em cima de si mesmo,

as teses ad hoc que tentaram,

em vão, salvar esta lida estúpida

de seus dias, fez de Golias 

um gigante bêbado,

cheio de ar, que murchou

diante da nova aventura,

os sábios que trouxeram

a ventura dos novos

dias em novos poemas

e escritos, um cabedal

rico de uma visão renovada,


caiu de peste, de burrice,

o velho mundo carcomido,

com sede de vanguarda

estava o novo mundo.


25/08/2022 Gustavo Bastos 


CAUDA DE COMETA

Verso caudaloso rio

que vem deste teu

delta sinto estuário

pressinto enseada,


logo está o verão,

bruma e fumo,

estouro de 

champanhe,

olhos no sal,


a ver os dias 

mais felizes,

com o brinde

de taça que borbulha

seis mares

e o vate

que canta

a própria

liberdade

numa cornucópia

e o aleph

sempiterno

qual prisma,


vem de noite

a boa hora,

toda estrelada

com o marulho

e o luar,

da benta poesia

e seu tear.


25/08/2022 Gustavo Bastos   


PLANO-PILOTO

Passo na vida e o

que tem de tudo

está indo e vindo,

dança no ar

o sopro,

não sinto

mais 

o torpor,


evito a morte bruta,

tenho a seiva 

que alimenta 

a luta,


um novo amanhã

com o muque 

que bate pedra

no hoje,


matando um ciclo

inteiro depois

das lamúrias,


e o novo ciclo

vem com

sua mira

implacável.


25/08/2022 Gustavo Bastos 


TERTÚLIAS MORTAIS

As tertúlias em que se fizeram

os ritos da Literatura

agora cantam

neste panegírico,


Uma astúcia toma

a frente no que

se lê nestes

editoriais,

o edital campeia

seu mapa,


venha, a tropa de choque

vem vasta com os dizeres

de proposições que se 

confirmam como 

uma rasteira,

o nobre palácio

em que o reinado

se inebria, 


uma febre tantálica

que se suicida

do penhasco,

qual uma fada

fulgindo na noite

azul.


25/08/2022 Gustavo Bastos 


RECEITAS BRASILEIRAS

Tonitruante o vício

de cabidela, o osso

de rabada, a fome

de feijoada,


corta esta cebola

em rodelas,

uma tábua 

descama 

seu peixe,

toda a sopa

para o faminto

que chora,


dá-se assim 

de súbito

uma feira

de cocada,

cuscus

e noz

moscada,


bebe teu chope,

bebe coca-cola,

na moqueca

meu pirão

bombou.


25/08/2022 Gustavo Bastos 


SALMOS DE AÇO

De profundis domine,

o salmo verseja

com as estâncias

e a escala aberta

da escansão,


brota do broto

a lótus com os ares

campônios dos bosques

e as esmeraldas de um 

rigor burilado talhado

e lapidado.


Eu estou em vinho

e ouro e prata,

de um cobre de 

estanho que 

vira bronze,

o aço 

que 

faz toda 

a força

e potência

do poema. 


25/08/2022 Gustavo Bastos 


SOBRE AS VENTANIAS

Vento déspota do meu peito,

acalanto que ruge e treme

o intento e o anelo,

vai ao súbito sopro

que me vem,


cantigas que estavam

nestes festejos populares,

um grande regabofe, 

pastiche do meu

sonho, verso

de pitonisa 

manca,

que tem uma ode

fatal por castelos

e um carteado 

bem vulgar,


pronto, paguei meus

ouropéis com desejos

besuntados no óleo

que vira os olivais

na viração,


poema sedento

certeiro

que agiganta

o doirado

destes livros

centenários,

a urbe doidivanas

e o golaço

que gerou

o grito.


25/08/2022 Gustavo Bastos 


PINTURA DAS CORES

Veio a termo o que se chamava

mistério da vida, pois 

ao olhar e saber

o que se sente,

toda a hoste

ou plêiade

se engrandeceu,


veja que não existe

o oculto no que se vê,

basta ao olhar trabalhar

sua sensação das coisas,

pois que na óbvia canção,

existe tudo por existir,

simples como o orvalho

na folha ou o sorriso

na criança, 


simples

como ver o mar

e olhar o horizonte,


apenas o pincel

que desenha as cores

em sua vida.


25/08/2022 Gustavo Bastos 


O BRINDE DO FASTÍGIO

Veja você o que se perdeu,

o que se ganhou,

na senda do poema 

esta esfera navega

pois todo mar

verso estronda

a vela,


como quem cais

e bem quis,

o tormento

a tempestade

e a chuva,


decerto o coração

não padece,

agradece,


senta na senda

e corre o mar,

seta que acerta

teu tear amar

a nuvem

como 

o sol

severo

que queima,


bom, a atitude

corrobora,

fundamenta,

o vinho é a prece

que enlouquece,

deste mar de vitória

que invade o 

coração glorioso.


25/08/2022 Gustavo Bastos 


quarta-feira, 24 de agosto de 2022

O FIASCO DE BOLSONARO COM OS EMBAIXADORES

 

o pior momento para a imagem do Itamaraty, com o Barão de Rio Branco se rebatendo na tumba”

A reunião feita com embaixadores no dia 18 de julho, uma segunda-feira, pelo presidente Jair Bolsonaro, foi algo sem precedentes, no pior sentido, em matéria de diplomacia mundial. Isto é, não existe nada parecido com o que aconteceu nos anais da diplomacia mundial. Foi uma reunião surreal.

Em uma tentativa mambembe de contestar a lisura das urnas eletrônicas, que tem sido mais uma arenga, dentre várias, deste governo que começou em 2019, o presidente, desta vez, viu o tiro sair pela culatra, numa repercussão péssima, em dimensões nacionais e internacionais.

Os ataques ao sistema eleitoral e a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), contrariando qualquer recomendação da diplomacia tradicional, não conseguiu nenhum apoio do corpo diplomático, e vai de encontro a critérios de razoabilidade e até de factibilidade do que o que era mesmo que estava sendo dito ou proposto ou tratado neste encontro, isto é, soou como algo inusitado, e mais duramente, como uma coisa sem pé e nem cabeça.

E para dizer outra coisa importante deste encontro com embaixadores, não houve respaldo algum entre parceiros comerciais do país, pelo contrário, estes atores reforçaram o recado de confiança nas urnas eletrônicas e, portanto, no sistema democrático do Brasil.

Embora a delegação da União Europeia tenha evitado comentar o evento, a embaixada norte-americana emitiu uma nota no dia seguinte em que reforça a confiança nas urnas eletrônicas, colocando o sistema eleitoral brasileiro como um modelo para o mundo. E a declaração do porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Ned Price, reafirmou esta posição de aprovação deste sistema eleitoral eletrônico do Brasil, e que as eleições brasileiras serão acompanhadas com grande interesse.

Entidades como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização de Cooperação e Segurança Europeia (OCSE) possuem vasta experiência técnica em fiscalização de eleições, assim como entidades privadas, como a Fundação Carter. Se houvesse suspeita real destas urnas, por exemplo, bastava convidar estas organizações para missões de observação com as condições dadas para isto.

Contudo, o que poderia ser chamado de fake news, factoide, boato, na verdade podemos chamar de pretexto, com um outro sentido etimológico bem conhecido, que é a conversa fiada. Ou seja, não existe nem fundamento para que haja fiscalização sistemática por parte destas entidades e organizações, pois as vulnerabilidades de segurança das eleições no Brasil já foram testadas por hackers, dentre outras medidas.

Para saber, o que ocorreu no Palácio do Alvorada, uma preparação amadora de contestação golpista das eleições, não existe em política externa, em que a visão pessoal de um presidente é discutida com representantes estrangeiros, algo sem sentido do ponto de vista diplomático e um fiasco do ponto de vista internacional e nacionalmente, dada a repercussão.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rebateu declarações de que um hacker teve acesso a tudo dentro da corte eleitoral. Esta narrativa já é desmentida há anos, pelo fato, por exemplo, de o sistema das urnas eletrônicas não funcionarem em rede. As urnas eletrônicas também não estão conectadas à internet, em que o dispositivo funciona de modo isolado e não realiza transmissão dos resultados da eleição, pois estes são conferidos logo após o término da eleição, com a impressão do Boletim de Urna.

O fiasco desta reunião de Jair Bolsonaro, em teoria diplomática, foi ao mundo real quando uma série de cartas em defesa da democracia começaram a ser redigidas e divulgadas, incluindo a carta principal, que foi uma nova Carta às brasileiras e aos brasileiros da USP, inspirada na carta de 1977 lida pelo professor Goffredo da Silva Telles Junior, que comemorou agora 45 anos, e que denunciava o regime militar.

Esta nova carta foi lida em 11/08/2022, uma quinta-feira, em um evento na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A adesão a esta carta foi enorme, alcançando mais de um milhão de assinaturas. Com grande repercussão, a carta foi assinada até pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), e uma das poucas instituições que tergiversaram e não assinaram foi a CNJ (Conselho Nacional de Justiça).  Os principais presidenciáveis, Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) também assinaram a carta. Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff também apoiaram a iniciativa.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) não assinou a carta da USP, contudo, redigiu documento próprio, em que recebeu adesão de políticos, ONGs, sindicatos de trabalhadores, universidades, etc. Jair Bolsonaro declinou do convite de assinar esta carta e desdenhou a iniciativa, pois parece que a carapuça serviu, o que coloca mais uma pá de cal nesta tese estapafúrdia e renitente, uma das diversas arengas deste governo, que podemos presenciar desde 2019.

Outra carta foi de órgãos de imprensa, em que três associações de comunicação redigiram documentos defendendo a liberdade de imprensa, incluindo a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ). Tivemos também a carta da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), intitulada “Manifesto à nação em defesa da democracia”.

Historicamente, em 24 de outubro de 1943, tivemos o chamado Manifesto dos Mineiros, no aniversário da vitória da Revolução de 1930, publicada por importantes nomes da intelectualidade liberal mineira em que se defendia a redemocratização e o fim do regime do Estado Novo sob Getúlio Vargas.

A carta não abalou o regime, que ainda se encontrava forte em 1943, mas foi uma referência no processo de redemocratização que se deu em 1945, dando fim ao Estado Novo, o que incluiu em janeiro deste ano a exigência feita no Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores por um governo eleito por sufrágio universal, direto e secreto. O Manifesto dos Mineiros depois foi publicado em jornal e resultou em prisões, demissões de cargos públicos e perseguições aos signatários deste manifesto. 

A Carta aos Brasileiros de 1977, que inspirou esta agora de 2022, foi redigida pelo jurista Goffredo da Silva Telles Jr, sendo lançada em 8 de agosto de 1977, ocasião em que se comemorava o sesquicentenário da fundação dos cursos jurídicos no Brasil, no Largo de São Francisco da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, como repúdio à ditadura militar. Esta carta foi feita como uma reação contra o Pacote de Abril, em que o presidente Ernesto Geisel alterava a Constituição Federal, outorgada em 1969 pela Junta Militar, para a criação dos senadores biônicos e com várias medidas de restrição à liberdade.

Em declaração recente, na cerimônia de formatura de aspirantes a oficiais do Exército de Resende - RJ, onde ele acompanhou uma motociata em sua homenagem na via Dutra,  o presidente Jair Bolsonaro afirma que respeitará o resultado das urnas, mesmo que sofra uma derrota.

Parece que este discurso ambíguo, um tipo de jogo duplo, se repete nas declarações deste governo, e certo que a ressalva vem em seguida, com o compromisso do presidente em contestar o resultado, caso seja derrotado, mas que diante da repercussão civil e institucional, com diversos órgãos e fundações reagindo, abaixos-assinados e refutações internacionais, com um convescote ridicularizado pela diplomacia mundial, o pior momento para a imagem do Itamaraty, com o Barão de Rio Branco se rebatendo na tumba, ficou de bom tom Bolsonaro fazer este recuo aparente.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Blog : http://poesiaeconhecimento.blogspot.com