PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

SHOW DO JIMI HENDRIX NO SANA

“eu pude ver a névoa púrpura, como um tipo de aura, iluminando e cobrindo com seu brilho a figura de Jimi Hendrix”

Cheguei em Casimiro de Abreu, peguei um ônibus em direção ao Sana, vi toda aquela natureza excepcional, meu trabalho de documentarista teria um dia especial, segui ao Sana Camping, encontrei uma amiga, conversei e comi uns pães e bebi leite e café. Tudo muito divertido, fui então me refrescar na Cachoeira das Sete Quedas.

Lá, encontrei um hippie, ele me deu um ácido e disse que meia-noite, perto da cachoeira, estava sendo organizado um show, perguntei, curioso, do que se tratava, e o hippie maluco disse que Jimi Hendrix estava vindo dos Estados Unidos e que ficaria hospedado num camping, e daria um show no Sana, eu perguntei então se tinha ingresso, ele me disse que o show seria naquela meia-noite, ao ar livre, pertinho das Sete Quedas.

Fiquei achando aquela história muito bizarra e guardei o ácido para o tal show, poderia pensar que era um tipo de delírio, poderia ser uma banda cover da Experience? O que aquele hippie quis dizer com aquilo? Jimi Hendrix no Sana? Será o benedito? Bom, vou tomar o ácido, assim posso confirmar que o mundo real não passa de um delírio, e verei o show do Jimi Hendrix ao vivo, sou um privilegiado.

No meio da tarde, para me preparar para o show, coloquei um CD que tinha trazido, era o Band Of Gyspys, fiquei ouvindo Machine Gun por várias vezes e fazendo air guitar que nem um maluco, a recepcionista do camping me pegou em flagrante, fazendo gestos de guitarrista imaginário, e perguntou se estava tudo bem, se eu estava precisando de alguma coisa, fiquei meio constrangido, e interrompi por um minuto a minha performance, que foi retomada assim que a recepcionista deixou o local em que eu estava acampado, finalizei a performance com Power of Soul e me senti o máximo.

Jantei a comida que tinha trazido, depois comi uma sobremesa, me alimentei bem naquela noite e segui para o tal show perto das Sete Quedas, lá encontrei o hippie maluco e enigmático novamente, conversei com ele sobre música e arte, ele disse que o Jimi estava se preparando em seu camarim, que vestiria a sua roupa do show que ele fez na Ilha de Wight, repetindo toda a cena de Blue Wild Angel, o que todos veriam ali era Jimi Hendrix ressuscitado, ao vivo e a cores, privilégio exclusivo para quem estava no Sana.

Deu meia-noite, tinha uma banda local de hippies que faria a abertura do show do Jimi, tomei o meu ácido, depois de uma hora ele começou a fazer efeito, o tal hippie, que havia sumido por um tempo, reaparece com um baseado e dá uma baforada na minha cara, eu já estava tendo os sinais de daltonismo e sinestesia, tudo parecia maravilhoso e agora acreditava piamente na história daquele hippie, haveria de fato um show do Jimi Hendrix no Sana.

E então, depois de encerrado o show da banda local de hippies, começa um estrondo, um barulho ensurdecedor de guitarra e distorção, reconheço ligeiramente a bateria de Mitch Mitchell, começa Manic Depression, logo vejo Jimi Hendrix entrar no palco, com sua roupa lendária do Blue Wild Angel da Ilha de Wight, estava tudo muito real, a figura corporal de Jimi, o som de sua guitarra, Mitch tocando, Billy Cox em seu cantinho acompanhando o delírio sonoro do maior guitarrista do mundo.

Jimi então enfileira Castles Made Of Sand, In From The Storm, Hey Baby, Hey Joe, Machine Gun, começa uma calmaria com The Wind Cries Mary, faz um blues longo com Red House, para em seguida explodir com Fire, e depois fazer um improviso mais bonito que todo aquele que ele fez em Woodstock, junto com Villanova Junction, ele então toca o tal hino americano com bombas do Vietnã, seus solos podiam ser ouvidos por todo o Sana, as Sete Quedas vibravam de ácido e música.

O meu ácido duraria o efeito por seis horas, e já ia uma hora de show deste gênio da guitarra no Sana. Encontrei o tal hippie de novo e descobri que o que ele me disse mais cedo era tudo verdade, estava tendo um show do Jimi Hendrix no Sana, aquele hippie não era maluco, era um visionário. O hippie passa por mim novamente e dá mais uma baforada de seu baseado na minha cara e diz que o ácido que ele me deu era importado da Holanda, que era para eu agradecer aos deuses aquela ambrosia.

Minha sinestesia se aprofunda, ouço então Sargent Peppers, Killing Floor e a composição hendrixiana de Are You Experienced, seguida de Until Tomorrow e uma viagem lisérgica com Burning Of The Midnight Lamp, One Rainy Wish, e o fim do show vem com dois petardos, que são Voodoo Child e House Burning Down, e com o bis, última música, Purple Haze, em que eu pude ver a névoa púrpura, como um tipo de aura, iluminando e cobrindo com seu brilho a figura de Jimi Hendrix no palco, foi a minha experiência transcendental, meu transe místico.

O show se encerra, Jimi Hendrix não queimou a guitarra e nem tocou com o dente, mas solou impiedosamente sua Fender Stratocaster, ele se juntou então a Mitch Mitchell e Billy Cox e os três agradeceram o público, cumprimentaram o público do palco, havia umas cem pessoas no show, uma mistura de esquerda festiva, playboys perdidos na vida e hippies vendedores de artesanato, tudo muito bom e relaxante, a banda deixa o palco, eu tinha acabado de ver o show do Jimi Hendrix no Sana, e foi inesquecível.

Guilherme Thompson, cronista e outsider.

Guilherme Thompson é um cronista outsider, documentarista eventual, jornalista autodidata, nascido em 01/01/1974 na cidade do Rio de Janeiro, ganha a vida em jornais diversos, trabalha por demanda própria, vive nas ruas caçando pauta, meio como um antropólogo intuitivo, estuda literatura e filosofia por conta própria, gosta de se vestir com camisas de bandas de rock clássico.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/show-do-jimi-hendrix-no-sana 

 

   

domingo, 8 de novembro de 2020

REVOLUÇÃO AMERICANA – PARTE I

LIVE INSTAGRAM DE : 08/11/2020

Os eventos que levaram à declaração de independência dos Estados Unidos da América, em 1776, e à elaboração da sua Constituição, em 1787, a chamada Revolução Americana, se configurou como um movimento de revolta contra o domínio britânico e de resistência contra a exploração colonial. Tal resistência se deu, sobretudo, no período que se seguiu à Guerra dos Sete Anos, que terminou em 1763, quando o império britânico tentou exercer maior domínio sobre as colônias norte-americanas.

Em 1775, por sua vez, começam os conflitos que serão o da guerra da independência destas colônias, que instituiu um processo de emancipação política e de autodeterminação contra o domínio colonial britânico. Foi então um evento militar, de guerra, que culminou numa revolução política que instaurou um novo tipo de governo e de modelo político, que se consolidou com a Constituição de 1787.

Como dito, o domínio britânico se aprofunda sobre as colônias norte-americanas depois da Guerra dos Sete Anos, pois esta representou o triunfo britânico sobre os franceses, que tiveram, então, a sua presença no continente americano quase anulada, pois a França foi obrigada, pelo Tratado de Paris de 1763, a ceder vastas porções dos territórios que controlava nesse continente à Inglaterra, como o Canadá e toda a região do vale do Rio Ohio, e os britânicos também adquiriram a Flórida, que pertencia à Espanha.

Veio, por conseguinte, como consequência do resultado da Guerra dos Sete Anos, fenômenos de crescimento demográfico, com a instalação de mais britânicos na faixa oriental que compunham as colônias, uma expansão territorial e o desenvolvimento econômico. O aumento da população de colonos foi grande, entre 1750 e 1770 os habitantes das colônias britânicas duplicaram, de um para dois milhões, tornando-se um elemento importante do império britânico. Após a guerra dos sete anos, tivemos uma emigração de protestantes irlandeses e escoceses, que já tinha começado no início do século XVIII.

Também começou, após a vitória sobre os franceses, a expansão territorial para o Oeste, depois de mais de um século em que os colonos britânicos tinham estado confinados a uma estreita faixa de terreno ao longo da costa atlântica do continente americano. Tal movimento teve correspondência na expansão econômica anglo-americana da segunda metade do século XVIII, pois na Grã-Bretanha, já havia sinais do que viria a ser a Revolução Industrial, e os americanos também prosperavam neste influxo.

Os americanos, na expansão econômica, exportavam cada vez mais cereais para a Grã-Bretanha, com o crescimento da procura e dos preços das exportações americanas, com os americanos aumentando a sua aposta nos produtos agrícolas para o mercado europeu. Na década de 1760, cidades comerciais relativamente distantes da costa, tais como Staunton, na Virgínia e Salisbury, na Carolina do Norte, já enviavam grandes quantidades de tabaco e de cereais na direção leste para portos como os de Baltimore, Norfolk e de Alexandria.

Mesmo com a prioridade dos produtos agrícolas, o aumento dos níveis de consumo nas colônias também levaram a uma atividade manufatureira, como na produção têxtil e de sapatos, com os transportes e as comunicações melhorando com rapidez, e em 1750, o Post Office, sob a liderança de Benjamin Franklin, instituiu correio semanal entre Filadélfia e Boston, reduzindo para metade o tempo gasto nas entregas.

Contudo, a preferência dos produtos britânicos por parte dos americanos, ainda deixava a balança comercial desfavorável para as colônias, e ainda havia o investimento considerável de capital no solo americano por ingleses e escoceses. Em 1760, as dívidas coloniais para com a Grã-Bretanha totalizavam já 2 milhões de libras; em 1772 tinham saltado para 4 milhões.

Devido às demandas financeiras advindas da Paz de Paris, de 1763, que pôs um fim na Guerra dos Sete Anos, que envolveu a questão da reforma do império britânico no sentido de reorganizar o território tomado da França e da Espanha no continente americano, houve demandas estas que passavam por necessidades como o de estabelecimento de novas autoridades, delimitação de fronteiras, regulação do comércio com as tribos nativas, e evitar disputas entre estas tribos e os colonizadores americanos, para não ocorrer uma guerra.

Portanto, o dispêndio foi grande, e então, no final da Guerra dos Sete Anos, a dívida de guerra da coroa britânica era de 137 milhões de libras, com um juro anual de 5 milhões, uma quantia imensa quando comparada com o orçamento médio em tempo de paz de 8 milhões de libras. E o império britânico viu a necessidade, também, de uma força permanente de 10 mil soldados para conseguir manter a paz com os franceses e os índios, e também para lidar com as populações locais, que desafiavam cada vez mais as autoridades coloniais. Por conseguinte, nesta década de 1760, o império britânico decidiu por manter um exército permanente em solo americano.

Na busca de recursos financeiros para dar conta destas despesas, a Grã-Bretanha enfrentou a dificuldade de que a população britânica estava se recusando a pagar o chamado “cider tax” de 1763, e mais impostos, fazendo com que este império olhasse para as colônias americanas como solução para o problema, levando a uma profunda transformação no sistema imperial britânico.

Houve, então, a “Proclamation of 1763”, que criou três novas instâncias governamentais na América, Flórida, Flórida Ocidental e Quebec, e alargou a província da Nova Escócia. Também foi proibida aos colonos a compra de terras índias, com a Grã-Bretanha transformando a área para além dos Montes Apalaches numa reserva índia, com o objetivo de manter a paz no Oeste e centralizar a migração da população ao norte e ao sul.

Contudo, houve a revolta dos Índios liderados por Pontiac em 1763, no vale do Ohio, que fez com que a Proclamação de 1763 fosse implementada de forma açodada, com a linha de demarcação ao longo dos Apalaches sendo traçada com pouco rigor, fazendo com que alguns colonos, de súbito, se encontrassem em reservas índias. Também houve confusão nas novas regulamentações do comércio com as tribos nativas, e houve pressão dos americanos para a expansão a Oeste, pois estes estavam interessados nestas terras, fazendo com que a Grã-Bretanha fosse pressionada a conversar com os índios.

Por sua vez, com a promulgação do “Quebec Act” de 1774, houve protestos, pois esta lei transferia para a província do Quebec o território compreendido entre os Rios Ohio e Mississippi, bem como o controle do comércio com os Índios na região. Esta nova medida prejudicou os americanos, por exemplo, os especuladores imobiliários, os  colonizadores e os comerciantes.

As mudanças feitas pelos britânicos no comércio colonial também prejudicaram os colonos americanos, como foi o “Sugar Act” de 1764, com maior controle britânico sobre o comércio colonial, com medidas como novos poderes aos funcionários aduaneiros e a inspeção de navios americanos por parte da marinha britânica, e à lista de produtos coloniais que tinham de ser exportados diretamente para a Grã-Bretanha, como o tabaco e o açúcar, foram acrescentados o ferro, a madeira e outros.

Por fim, os comerciantes e navegadores americanos ficaram presos numa burocracia imensa sobre autorizações de navegações, licenças de comércio, etc. O mais grave, contudo, foi a imposição de novos direitos alfandegários, estes que aumentaram as despesas dos importadores americanos. O “Sugar Act”, então, colocava novos tributos sobre o açúcar, o café, as roupas e o vinho importados pelas colônias.

Depois, em 1765, o governo britânico promulgou o "Stamp Act", impondo o uso do papel selado e novos impostos sobre os jornais americanos bem como sobre o correio. Em 1766, através do "Declaratory Act", o parlamento britânico reafirmou o seu poder e a sua autoridade sobre as colônias americanas em "todas as matérias". No ano seguinte, foi a vez dos "Townshend Acts", um conjunto de três leis francamente desagradáveis para as colônias americanas. Uma delas obrigava as autoridades coloniais de Nova Iorque a não desenvolverem qualquer tipo de atividade comercial até abastecerem os soldados britânicos estacionados naquela colônia. Outra criava um corpo de oficiais britânicos no porto de Boston para supervisionar a aplicação e o cumprimento das leis britânicas. Finalmente uma terceira lei criava novos impostos sobre produtos importados pelas colônias, nomeadamente vidro, chumbo, tinta, papel e chá.

Em suma, as colônias norte-americanas estavam agora sujeitas a uma ocupação militar permanente, a mais impostos e a limitações na sua liberdade de comércio e também na sua expansão territorial. Foi neste contexto que se iniciou o movimento de resistência e de revolta contra a política britânica. Em 1770 ocorre, em Boston, uma primeira revolta contra os soldados ingleses estacionados na cidade. Três anos depois a situação tornar-se-ia explosiva, sobretudo quando o governo britânico decidiu atribuir o monopólio do comércio de chá na América do Norte à Companhia Inglesa das Índias Orientais. Os colonos americanos revoltam-se contra este "Tea Act" de 1773, no movimento que ficou conhecido como a "Boston Tea-Party". Colonos americanos disfarçados de índios, liderados por Samuel Adams, lançaram ao mar a carga de três navios ingleses. Os ingleses, por seu turno, responderam com os "Intolerable Acts" (assim chamados pelos próprios colonos) de 1774.

Isto é, em vez de cederem às pretensões coloniais e negociarem com os americanos, os britânicos vão: ordenar que as autoridades coloniais e as suas assembleias legislativas sejam fechadas e que não se processem mais reuniões até os representantes da Coroa darem permissão; implementar o "Boston Port Act" que determinou o encerramento daquele porto a qualquer navio mercante, cortando assim todo o seu comércio marítimo; proibir o povo da colônia de Massachusetts de organizar reuniões sem o consentimento do governador da colônia.

A resposta dos americanos a estas medidas britânicas foi a realização em setembro de 1774 do primeiro Congresso Continental, em Filadélfia, com representantes de todas as colônias americanas, à exceção da Geórgia. O Congresso aprovou uma declaração dos direitos dos colonos e dos abusos de que eles tinham vindo a ser vítimas por parte dos ingleses.

Esta declaração anunciava já que apenas os colonos e as suas instâncias governativas locais tinham poder para estabelecer impostos sobre si próprios e para fazer leis para o seu próprio governo. Os colonos deviam ter o direito de se reunir pacificamente, o direito de enviar petições e protestos ao governo inglês, o direito de viverem sem a presença de um exército inglês permanente em tempo de paz. Mais ainda, os delegados decidiram impor um boicote aos produtos ingleses e não importar ou consumir bens e produtos ingleses até que os "Intolerable Acts" fossem revogados.

REVOLUÇÃO AMERICANA - PARTE I

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Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DESCARTES E A MACONHA – PARTE IV

“o tabagismo na Holanda se disseminava, então é de se concluir que Descartes experimentou o tabaco”

Frédéric Pàges continua seu périplo para pesquisar sobre a estadia de Descartes na Holanda, e em sua tentativa de refutar a tese canábica de Tobie, no que descobre que o tabaco havia chegado na Holanda ao fim do século XVI, pouco antes da ida de Descartes para o país, e nas palavras de Pàges, em relação ao retorno de Descartes para a Holanda : “Em 1628, quando volta, ele encontra um país enfumaçado”.

Segundo Pàges : “Os Holandeses se tornaram os especialistas do tabaco na Europa. Fizeram dele um comércio, fumavam-no intensamente, até mastigavam-no. Além das escarradeiras, fabricavam cachimbos renomados, e, no fim dos anos 1630, conseguiram aclimatar em seu país, nos campos de Amersfoort em particular, a erva de Nicot”.

E segue : “Voltemos a Descartes. Ele viu uma população se entregar com furor e deleite a uma erva que apavorava, em toda a Europa, os poderes públicos. Na Inglaterra, o consumo de tabaco foi severamente reprimido pelo rei James I. Na Rússia, o czar mandou decapitar os fumantes. Na França, um decreto de 1629 proibia que os fumantes se reunissem em lugares públicos. Na Holanda, os calvinistas denunciaram a erva do diabo, o que não impedia que alguns deles a comercializassem”.

Contudo, o tabagismo na Holanda se disseminava, então é de se concluir que Descartes experimentou o tabaco, o que Pàges coloca ironicamente como : “Daí a imaginar que, no lugar do “Grande Livro do Mundo”, Descartes partiu para descobrir o grande Herbário da Europa ...”. A respeito das tabernas, Pàges descobre que Descartes frequentou o Bogt van Gune (Golfo da Guiné).

E Pàges volta a falar de Tobie : “Era nesse tipo de taberna, segundo Tobie, que Descartes havia encontrado uma certa Helenja. Em todo caso, meu provocador conhecia esse “Golfo da Guiné”, pois tinha dado o mesmo nome ao seu “coffee shop” de Amsterdã”.

Em relação a Helenja, Pàges se remete ao relato de Alexandre Astruc, em seu Le Roman de Descartes, no que temos : “Em Amsterdã, onde reside, Descartes (...) tem junto dele uma empregada, jovem holandesa de Deventer, uma bela moça loira de vinte anos, alegre como todas as holandesas, Helenja Jans (Helenja, filha de João). O filósofo a via ir e vir dentro de sua morada”. Contudo, foi ficção, em parte, o que Pàges descobre é que houve uma Helenja de 39 anos, nascida em Deventer.

Pàges afirma que Descartes amava as mulheres, e diz : “A respeito do instinto que nos leva “ao gozo das volúpias corporais”, ele diz (que) “não deve ser sempre seguido” ... Não sempre ... Somente algumas vezes ... Por exemplo, naquela noite de 15 de outubro de 1634, na qual sabemos por uma confidência de Descartes a Mersenne que ele fez um filho em Helenja”.

Pàges segue : “Em 19 de julho de 1635, foi batizada na igreja luterana de Deventer uma pequena “Francintge”, filha de Helenja Jans e Reyner Joachems (Renato filho de Joaquim). Francine ou literalmente Francinette, que nome cheio de significado! ... Homenagem ao solo natal! São nos pequenos detalhes como esse que vemos se somos franceses ou não. Esse nascimento encantou nosso quarentão. Com sua pequena família, ele se instalou em Santpoort, numa casa com um grande quintal”.

No relato de Pàges, esta menina morreu com cinco anos, e depois não se sabe do paradeiro de Helenja. Diante do questionamento de Voetius, Pàges nos relata : “Mas esse concubinato com uma empregada (alguns dizem que houve casamento) foi assumido orgulhosamente por Descartes quando Voetius o acusou de fazer filhos naturais. Ao que Descartes respondeu com uma larga e honrosa expressão em latim : “Nuper juvenis fui” ... (“Não faz muito tempo que eu era jovem”). E continua : “et nunc adhuc homo sum.” (“e hoje ainda sou homem.”) ... E faço o que eu quiser ...”.

Pàges então enumera os amigos de Descartes : “entre os amigos franceses que vieram ver nosso “Reyner Joachems” na Holanda, encontravam-se personagens duvidosos. O primeiro da lista, o amigo íntimo, é Claude Picot, libertino radical, conhecido em Paris por sua vida de devassidão, entretanto capaz de traduzir em francês os Principia do filósofo”.

Pàges então cita novamente Tobie, e enumera mais dois amigos de Descartes : “Descartes tinha um cachorro que se chamava Monsieur Grat. O cachorro de Tobie! Decididamente, o dono do Bogt van Gune conhecia bem a biografia de Descartes ... Mas continuemos a lista. Outro amigo próximo : um chamado Touchelaye, “apesar de abade, um devasso desleixado e indelicado”, nos informa René Pintard. Enfim, um certo Des Barreaux, “senhor incontestado da gula e um crápula””, que Pàges situa como autor de um poema-manifesto que, segundo ele, “não deve ter desagradado Descartes”.

(continua)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :  https://www.seculodiario.com.br/cultura/descartes-e-a-maconha-parte-iv