PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 18 de março de 2021

O COMITÊ ANTITRUSTE CONTRA AS BIG TECHS

“Mark Zuckerberg, do Facebook, Jeff Bezos, da Amazon, Sundar Pichai, do Google, e Tim Cook, da Apple, todos negaram praticar monopólio”

As big techs, incluindo aí as empresas de tecnologia norte-americanas Facebook, Apple, Amazon e Google, sofreram críticas do Congresso dos EUA, na conhecida acusação de monopólio do mercado mundial e de concentrarem muito poder econômico e comercial, desde a posse de informações, como o controle da vida das pessoas através tanto da publicidade como da previsão de comportamento de seus usuários.

Há cerca de um ano a sub-comissão da Concorrência do Congresso dos Estados Unidos da América começou sua investigação oficial das quatro big techs e de como exercem este domínio de mercado, podendo configurar ações de truste. O presidente da comissão começou as sessões de interrogatório com a acusação de que estas empresas prejudicam a democracia e impedem a concorrência de mercado.

Os CEOs destas empresas foram questionados e interrogados. Mark Zuckerberg, do Facebook, Jeff Bezos, da Amazon, Sundar Pichai, do Google, e Tim Cook, da Apple, todos negaram praticar monopólio e mercado e de anular a concorrência. Pichai e Zuckerberg foram os mais questionados pelo comitê antitruste.

O Google devido ao alcance em diversos setores, foi fortemente pressionado a se explicar, e o Facebook, com escândalos políticos, como o da Cambridge Analytica, também sofreu pressão dos interrogadores.

Ações do Facebook para anular possíveis concorrentes também foi levantado, por exemplo, na compra do Instagram pela empresa de Zuckerberg, este disse que a plataforma fundada por Kevin Systrom e Mike Krieger era um concorrente na área da fotografia, e não se via o Instagram como uma rede social.

Zuckerberg também foi questionado por ter feito ameaças a Systrom, por e-mail, dizendo que o Facebook criaria um recurso semelhante caso o executivo não aceitasse o acordo, nada muito diferente da ação destrutiva contra o Snapchat, que não fez acordo com o Facebook e sofreu as consequências. No caso do Instagram, este foi vendido para o Facebook.

Tim Cook foi questionado na posição da Apple alegar tratamento igual aos desenvolvedores e, no entanto, em um e-mail enviado por Eddy Cue, SVP de Internet, Software e Serviços da Apple, a Jeff Bezos, é discutido termos mais brandos para a inclusão do Amazon Prime Video no iOS em 2017.

Tim Cook também foi inquirido no fato da App Store ter domínio absoluto nos dispositivos Apple, pois não existe possibilidade de aquisição de um aplicativo fora desta loja oficial, ou acesso a outras lojas, e ainda temos a prática de remoção de apps que tiveram suas funções incorporadas, posteriormente, ao sistema iOS de forma nativa, quando estas funções passam a ser implementadas pelo sistema operacional.

Tal como Zuckerberg, Jeff Bezos foi pressionado por também ter feito práticas predatórias na aquisição da concorrência, como no caso da Quidsi Inc., administradora da Diapers.com e da Soap.com, empresas varejistas de vendas e entregas online.

Sendo que a Diapers.com foi fundada em 2005, e vendia fraldas e lenços umedecidos, leite em pó e outros produtos para bebês, fazendo entrega em todo o território norte-americano, e teve a sua matriz comprada pela Amazon em 2010, e suas marcas descontinuadas em 2017, com toda a sua operação absorvida pela gigante do varejo criada por Jeff Bezos.

Sundar Pichai, do Google, também foi inquirido pelo comitê antitruste, pelo domínio absoluto nos anúncios online, remoção ou redução de alcance de conteúdos em seu algoritmo de busca, e ainda temos critérios arbitrários para o que um leitor pode ler ou não ou se um site merece ser encontrado ou não.

Contudo, o maior problema que o Google enfrentou foi ter saído do Project Maven, que era um plano da empresa junto com o Pentágono, que visava o desenvolvimento de IA integrados a drones de vigilância, para uso civil de monitoramento da população e para uso militar visando a atualização dos algoritmos usados no MQ-1 Predator e outros drones.

Depois da pressão de funcionários que fizeram um abaixo-assinado, o Google abandonou o projeto. E perguntas da relação do Google com a China, por exemplo, Pichai acusou de serem acusações absolutamente falsas. O fato é que o Google continua banido da China.

No comitê antitruste temos alguns congressistas que atuaram em processos anteriores, como a da Microsoft, da quebra do Bell System, e a da antiga AT&T que foi desmembrada. Tal comitê atuou de modo a pressionar e “fritar” as big techs que entraram no radar que investiga práticas predatórias no mercado de tecnologia.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/o-comite-anatitruste-contra-as-big-techs 

 

 

 

 

 

 

domingo, 14 de março de 2021

O LIVRO SEXTO DE SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

“Com ampla temática, “Livro Sexto” tem uma dimensão formal bem desenvolvida”

O chamado “Livro Sexto” da poeta reforça este caráter descentrado, uma vez que “O Cristo Cigano” tem uma posição não-oficial na obra de Sophia, não é exatamente o sexto livro que Sophia considera na sua obra. Tal livro foi excluído da edição de “Obra poética”, de 1991, que reuniu todos os livros de Sophia.

Sophia coloca “O Cristo Cigano” numa ideia paradoxal do sagrado e sua manifestação na arte partir de uma assassinato por um escultor obcecado, a lenda aqui tenta, aparentemente, legitimar a ignomínia para a realização de um bem maior, uma obra de arte.

A poesia de Sophia, por sua vez, possui um ambiente em que a mitologia grega se projeta, criando um tipo de sentimento pagão, o mundo antigo, com seus mitos e sua geografia, ganha corpo em sua poesia.

A poesia de Sophia também é uma poesia que afirma e canta a natureza, e também avança para temas cristãos, a religiosidade aqui é um sentimento de pertencimento e não um artifício, contudo, o expurgo de “O Cristo Cigano” de sua obra oficial tem uma justificativa tíbia de motivação estritamente literária.

A construção poética de eixo cabralino que aparece em “O Cristo Cigano” é desenvolvida mais ainda para a confecção de “Livro Sexto”, e a dicção de Sophia vai se apropriando desta poética de João Cabral de Melo Neto, e o despojamento que daí advém reflete no título do livro, algo objetivo e dado, um estágio numérico da obra que estava sendo realizada pela poeta Sophia.

“Livro Sexto” intensifica, desde esta sua titulação pragmática, o eixo moderno e contemporâneo da poesia de Sophia, colocando a dicção clássica da poeta num diálogo frutífero com uma voz moderna e com a fluência contemporânea.

O título impessoal e frio de “Livro Sexto” reflete, portanto, um vocabulário espesso historicamente, e tem a riqueza simbólica reafirmada numa poética que, agora, abre um campo fértil de fluência contemporânea, com este fundo de dicção clássica que é o tom dominante do que se pode falar da poesia de Sophia.

Com ampla temática, “Livro Sexto” tem uma dimensão formal bem desenvolvida, e apresenta temas que podem contrastar entre si, a dinâmica temática do livro sempre avança e amplia seu escopo, sua abertura coloca visões e contrastes em atividade, com tempos históricos ou suspensos convivendo no mesmo livro, com regiões luminosas e de sombras se alternando nesta dinâmica da amplitude.

 

DE LIVRO SEXTO

BARCOS : O poema levanta a dimensão de nomes mortos que são renomeados, a sensação de ressurreição perpassa esta passagem destes barcos no poema : “Um por um para o mar passam os barcos/Passam em frente de promontórios e terraços/Cortando as águas lisas como um chão” (...) “E todos os deuses são de novo nomeados/Para além das ruínas dos seus templos”. De toda a ruína que ali havia, esta passagem dos barcos reaviva a memória destes templos, esta memória viva retoma o seu pertencimento, seu estatuto existencial e histórico.

MUSA : O poema evoca e invoca a musa que tem do canto antigo um ensinamento, no que temos : “Musa ensina-me o canto/Venerável e antigo/O canto para todos/Por todos entendido”. Este canto que deve ser do entendimento de todos, objeto de uma consciência comum e coletiva, no que segue : “Musa ensina-me o canto/Em que eu mesma regresso/Sem demora e sem pressa/Tornada planta ou pedra”. E a mutação em casa primitiva logo é feita, a poeta então, mais uma vez, se volta ao mar, sua dominância e culminância temática, o eixo principal de sua poética, no que temos : “Ou tornada parede/Da casa primitiva/Ou tornada o murmúrio/Do mar que a cercava” (...) “Musa ensina-me o canto/Onde o mar respira/Coberto de brilhos”. E o tempo, como um eixo existencial impassível, corta e divide a poeta, lhe atravessa, e lhe retira da casa primitiva, e a poeta se volta, novamente, à musa, pedindo que lhe ensine o canto que lhe corta a garganta. A poética de Sophia tenta, no meu ver, captar e entender este canto, a busca de sua obra se destina a isto, no que temos : “Pois o tempo me corta/O tempo me divide/O tempo me atravessa/E me separa viva/Do chão e da parede/Da casa primitiva” (...) “Musa ensina-me o canto/Que me corta a garganta”.

AS GRUTAS : O equilíbrio da justa medida é instável, a imagem da balança em que o poema se reflete, coloca o homem neste jogo em que o esplendor pousa sobre o mar, no que temos : “O esplendor poisava solene sobre o mar. E – entre as duas pedras erguidas numa relação tão justa que é talvez ali o lugar da Balança onde o equilíbrio do homem com as coisas é medido – quase me cega a perfeição como um sol olhado de frente.”. E um tipo de mito da criação eclode no poema, e é a visão da poeta que aflora, no que temos :  “De forma em forma vejo o mundo nascer e ser criado.”. Este mito de criação, na verdade, é um movimento de renovação e recriação do mundo, e a poesia pode ser um destes agentes de transformação, no que vem : “É tudo igual a um sonho extremamente lúcido e acordado. Sem dúvida um novo mundo nos pede novas palavras, porém é tão grande o silêncio e tão clara a transparência que eu muda encosto a minha cara na superfície das águas lisas como um chão.” E a poeta é atravessada por estas imagens que recriam o mundo, no que temos :  “As imagens atravessam os meus olhos e caminham para além de mim.”. O mundo se encanta de si mesmo, as coisas estão deslumbradas de serem elas mesmas, tudo brilha neste poema, e logo vem a imagem de gruta, no que temos : “Estarão as coisas deslumbradas de ser elas? Quem me trouxe finalmente a este lugar? Ressoa a vaga no interior da gruta rouca e a maré retirando deixou redondo e doirado o quarto de areia e pedra. No centro da manhã, no centro do círculo do ar e do mar, no alto do penedo, no alto da coluna está poisada a rola branca do mar. Desertas surgem as pequenas praias.”. As imagens do poema são riquíssimas, podemos sentir o cheiro de maresia nestes versos e sua eloquência marítima que nos remete a uma paisagem idílica, no que vem : “Um fio invisível de deslumbrado espanto me guia de gruta em gruta. Eis o mar e a luz vistos por dentro. Terror de penetrar na habitação secreta da beleza, terror de ver o que nem em sonhos eu ousara ver, terror de olhar de frente as imagens mais interiores a mim do que o meu próprio pensamento.”. A gruta logo se torna o mundo interior da poeta, e o poema segue : “E eis que entro na gruta mais interior e mais cavada. Sombrias e azuis são águas e paredes. Eu queria poisar como uma rosa sobre o mar o meu amor neste silêncio. Quereria que o contivesse para sempre o círculo de espanto e de medusas. Aqui um líquido sol fosforescente e verde irrompe dos abismos e surge em suas portas.” E a poeta se volta para fora, ali o mar lhe dá o sentido todo desta balança, e a poeta chora de gratidão, como que possuída da verdade do mundo : “Mas já no mar exterior a luz rodeia a Balança. A linha das águas é lisa e limpa como um vidro. O azul recorta os promontórios aureolados de glória matinal. Tudo está vestido de solenidade e de nudez. Ali eu queria chorar de gratidão com a cara encostada contra as pedras.”.

A ESTRELA : O poema tem a estrela-guia como imagem clássica, no que vem : “Eu caminhei na noite/Entre silêncio e frio/Só uma estrela secreta me guiava” (...) “Grandes perigos na noite me apareceram/Da minha estrela julguei que eu a julgara/Verdadeira sendo ela só reflexo/De uma cidade a néon enfeitada”. E as indagações e conflitos da poeta afloram nesta sua alma que se perturba, no que temos : “Do frio das montanhas eu pensei/”Minha pureza me cerca e me rodeia”” (...) “E a fraqueza da carne e a miragem do espírito/Em monstruosa voz se transformaram/Disse às pedras do monte que falassem/Mas elas como pedras se calaram/Sozinha me vi delirante e perdida/E uma estrela serena me espantava”. Entre seus conflitos e dilemas, o ponto nevrálgico do delírio, e o espanto diante da estrela, no que segue : “Então eu vi chegar ao meu encontro/Aqueles que uma estrela iluminava” (...) “E assim eles disseram : “Vem connosco/Se também vens seguindo aquela estrela”/Então soube que a estrela que eu seguia/Era real e não imaginada”. Mas a visão da poeta era real, e lhe chamaram ao caminho, no que vem :  “Grandes noites redondas nos cercaram/Grandes brumas miragens nos mostraram/Grandes silêncios de ecos vagabundos/Em direcções distantes nos chamaram”. E um mundo de novidades se abriu, as visões da poeta se fascinam, e segue : “E eu espantada vi que aquela estrela/Para a cidade dos homens nos guiava” (...) “E a estrela do céu parou em cima/De uma rua sem cor e sem beleza” (...) “Ali não vi as coisas que eu amava/Nem o brilho do sol nem o da água” (...) “Ao lado do hospital e da prisão/Entre o agiota e o templo profanado/Onde a rua é mais triste e mais sozinha/E onde tudo parece abandonado/Um lugar pela estrela foi marcado” (...) “Nesse lugar pensei : “Quanto deserto/Atravessei para encontrar aquilo/Que morava entre os homens e tão perto”. E tudo o que ela imaginava estar bem longe, como a miragem de um delírio, era o próprio mundo dos homens, na proximidade de toda vivência.

NO POEMA : O poema transfere uma vista de uma cena para dentro de seu universo, o tema simples ganha vida na limpidez do poema, no que segue : “Transferir o quadro o muro a brisa/A flor o copo o brilho da madeira/E a fria e virgem liquidez da água/Para o mundo do poema limpo e rigoroso”. O poema tenta, então, preservar esta vida iluminada da decadência e da ruína, eis o desejo expresso no poema : “Preservar de decadência morte e ruína/O instante real de aparição e de surpresa/Guardar num mundo claro/O gesto claro da mão tocando a mesa”.

FERNANDO PESSOA : O poema homenageia o prolífico e multiforme poeta português, no que temos : “Teu canto justo que desdenha as sombras/Limpo de vida viúvo de pessoa/Teu corajoso ousar não ser ninguém/Tua navegação com bússola e sem astros/No mar indefinido”. E a descrição faz do poeta o sentido que Sophia vê em seus poemas, e a homenagem reafirma a dimensão gigantesca que Fernando Pessoa ganhou na poesia mundial, no que temos : “Criaram teu poema arquitectura/E és semelhante a um deus de quatro rostos/E és semelhante a um deus de muitos nomes” (...) “Invocando a presença já perdida/E dizendo sobre a fuga dos caminhos/Que foste como as ervas não colhidas”.

O HOSPITAL E A PRAIA : A descrição fria do hospital abre este poema : “E eu caminhei no hospital/Onde o branco é desolado e sujo/Onde o branco é a cor que fica onde não há cor/E onde a luz é cinza”. E a poeta vai ao mundo, contudo, mais uma vez a natureza, praias e campos, e a imagem reinante do mar em sua poética : “E eu caminhei nas praias e nos campos/O azul do mar e o roxo da distância/Enrolei-os em redor do meu pescoço/Caminhei na praia quase livre como um deus” (...) “Não perguntei por ti à pedra meu Senhor/Nem me lembrei de ti bebendo o vento/O vento era vento e a pedra pedra/E isso inteiramente me bastava” (...) “Porém no hospital eu vi o rosto/Que não é pinheiral nem é rochedo/E vi a luz como cinza na parede/E vi a dor absurda e desmedida”. A poeta sonhava com toda a paisagem marítima, mas acorda novamente na imagem fria do hospital, o mundo da dor.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/cultura/o-livro-sexto-de-sophia-de-mello-breyner-andresen