“é uma lei que vai na contramão da pauta climática e socioambiental”
O Marco Temporal se estabeleceu como conceito no caso do processo da posse do território do povo Xokleng, de Santa Catarina. Trata-se de uma ação de reintegração de posse movida em 2009 pelo governo de Santa Catarina da terra indígena Ibirama-Laklãnõ, que em 2003 foi declarada como pertencente aos povos Guarani e Kaingang.
O governo catarinense teve ganho de causa nas instâncias inferiores e agora a Funai (Fundação Nacional do Índio) contesta estas decisões no STF (Supremo Tribunal Federal). Por sua vez, a tese do Marco Temporal teve seu primeiro embate em 2009 no caso de Raposa Serra do Sol, em Roraima, e o Supremo determinou a demarcação contínua da Terra Indígena e a retirada da população não indígena.
A tese que tenta derrubar o Marco Temporal, além do aspecto técnico da inconstitucionalidade, relacionado ao conceito de ocupação dada pela tradição, de vínculo cultural e ancestral, não sendo possível estabelecer uma temporalidade, o que seria uma invenção, é que estes territórios preservam a memória e as práticas coletivas desses povos.
Os povos indígenas mantêm uma relação não hierárquica com a flora e a fauna, num sentido existencial de complementaridade, o que constitui a cosmovisão da maioria desses povos. Portanto, a aprovação do Marco Temporal colocaria sob ameaça não somente a vida material e física desses povos, como este aspecto simbólico e de memória cultural.
Neste quesito de preservação material e simbólica dos povos originários, países como Bolívia e Equador estão muito mais avançados, onde foram constituídas, por exemplo, constituições baseadas no conceito de bem viver.
O governo brasileiro, por sua vez, terá de provar que uma das pautas (a defesa dos povos originários) que o elegeu será de fato mantida, e que a criação do Ministério dos Povos Originários não fique apenas como algo fruto de uma narrativa sem efetividade na vida real dos povos indígenas.
A votação do projeto de lei para estabelecer o Marco Temporal pode ser encarado como um teatro para as redes sociais, pois sua aprovação não teria efeito jurídico, uma vez que um projeto de lei não pode efetuar mudanças constitucionais, sendo mantida a inconstitucionalidade de seu escopo.
O fato é que só uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) pode efetivar o Marco Temporal como regramento jurídico. Por outro lado, também levantaram a necessidade do Marco Temporal, primeiro, ter sido debatido na CMA (Comissão do Meio Ambiente) e CDH (Comissão dos Direitos Humanos).
A derrubada dos vetos presidenciais, na sessão conjunta do Legislativo, terá de se dar por maioria absoluta, o que envolve 257 votos dos deputados e 41 dos senadores, e se for aprovado o Marco Temporal como projeto de lei, este será judicializado até chegar novamente ao Supremo.
No caso de uma disputa entre Legislativo e Supremo, por se tratar ainda de um projeto de lei e não de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), deverá prevalecer o entendimento jurídico da inconstitucionalidade, se assim o Supremo decidir em decisão colegiada por maioria absoluta, pois aqui irá se impor o Supremo como a Corte de controle constitucional.
A sessão conjunta do Congresso para a derrubada ou não dos vetos presidenciais foi adiada agora pela segunda vez. Primeiro se adiou a data do dia 9 de novembro e agora foi adiada novamente a sessão, desta vez estando agendada quinta-feira dia 23 de novembro. O agendamento para o dia 30 de novembro também foi adiado por falta de quórum.
O dia 23 foi adiado por falta de consenso entre lideranças do Senado de quais vetos seriam derrubados. No dia 9, primeiro adiamento, a apreciação dos vetos deu lugar à votação que destinou R$15 bilhões para compensação da desoneração dos combustíveis ocorrido no governo Bolsonaro para Estados e Municípios.
Estes adiamentos foram comemorados pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), sendo que pode ter sido por pressão dos indígenas sobre os parlamentares e pela proximidade da COP 28, que agora já começou em Dubai, nos Emirados Árabes.
Os ruralistas, que querem derrubar os vetos, recuaram momentaneamente por temer repercussão negativa a votação de uma lei anti ambiental nas vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.
O Marco Temporal, visto estes adiamentos, é uma lei que vai na contramão da pauta climática e socioambiental. Por sua vez, a inconstitucionalidade do projeto de lei, além de ter sido declarado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), tem a mesma avaliação por parte do MPF (Ministério Público Federal), incluindo também organizações indígenas, de direitos humanos e os indigenistas.
A insistência, contudo, dos ruralistas nesta tese inconstitucional, por conseguinte, visa a anexação de territórios pertencentes aos povos originários. Se o Legislativo restituir a integralidade do projeto de lei do Marco Temporal, diversas organizações, incluindo a Apib, poderão entrar com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade).
Tais retrocessos (derrubada dos vetos) poderão ficar valendo até a decisão final, só podendo ser derrubados por medidas cautelares do Supremo. E no caso da PEC (Proposta de Emenda à Constituição), já existe uma proposta protocolada pelo senador Dr. Hiran (PP-RR), caso o Supremo conclua novamente pela inconstitucionalidade do projeto de lei.
Por sua vez, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse na segunda-feira, dia 27 de novembro passado, que a apreciação dos vetos presidenciais, que foi marcado para o dia 30, ficou para a próxima semana, devido à missão oficial para a COP-28 nos Emirados Árabes.
Contudo, com a realização da COP-28 em andamento, a data da sessão conjunta ficou para o dia 7 de dezembro, nesta quinta, mas ainda poderá ser adiada para o dia 14, com a votação de outros vetos também.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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