Fiz uma viagem incrível, recentemente, para o Museu D`Orsay, para ir atrás do burburinho em torno da versão de inteligência artificial que fizeram de Vincent van Gogh, um dos meus pintores preferidos, e que foi o responsável por apontar o caminho do futuro da pintura mundial, sobretudo para o movimento expressionista, que tiveram vultos como Kandinsky e Edvard Munch.
O evento do Museu D`Orsay se chama “Bonjour Vincent”, uma criação de engenheiros com o uso de inteligência artificial, e que se baseou nas cerca de 900 cartas que Vincent escreveu durante o século XIX e também as primeiras biografias sobre a vida do pintor. Portanto, a aplicação da inteligência artificial foi a criação de uma ferramenta que torna possível aos visitantes do museu uma conversa com Vincent van Gogh.
A ferramenta foi desenvolvida pela Jumbo Mana, uma startup que agora também planeja lançar o programa van Gogh A.I. para rodar nos dispositivos Alexa em 2025. A Jumbo Mana também trabalha num projeto de A.I. que se baseia na vida do poeta francês Arthur Rimbaud, viciado em ópio que experimentou alucinações e as bordas da consciência.
Pois tive esta oportunidade de conversar com Vincent e saber de suas sensações ao pintar. Perguntei de seu uso do amarelo e do azul, e ele disse que tanto gostava de pintar ao ar livre, na luz do dia, nos bosques, como também pintava a noite, com as estrelas da noite, e que tinha perturbações sociais que o levaram a tentar virar pastor, num surto exaltado, mas acabou resultando na pintura “os comedores de batatas”, uma de suas pinturas icônicas sobre as classes populares de sua época.
Não perguntei sobre a sua morte, pois além da A.I. estar com uma resposta padrão mal ajambrada, pelo que ouvi dizer, não tenho o menor interesse sobre seu suicídio, mas por sua obra que, infelizmente, foi pouco ou nada reconhecida, resultando na venda de apenas uma pintura, a “Vinha Encarnada”, que foi comprada por Anna Boch, em Bruxelas, por 400 francos.
Quando perguntei o que ele achava de seu sucesso póstumo, se aquilo o perturbava, ele admitiu que teria sido feliz caso tivesse conseguido vender as suas pinturas em vida, pois ele dependia de seu irmão Theo para ter tanto o material para seu trabalho com arte como para ter uma casa e comida para comer. Vincent não se queixou, contudo, da família, muito pelo contrário, mas acha que o cenário da época era muito conservador para o salto que ele estava dando.
Perguntei de suas preferências de cores, e ele me disse “que evoluiu de pontinhos amarelos para aquilo virar um sol, e um estudo da luz”, e sua pintura foi ganhando vivacidade, e “que o sol era o amarelo, e aquilo me levou a usar esta cor nas pinturas ao ar livre, pois eu buscava pintar a luz, a iluminação, e as pinceladas eram rápidas e robustas, dando um tom forte para o que eu estava buscando e achando”.
Informei para Vincent que sua influência sobre os pintores que vieram depois dele foi muito importante, sobretudo o Expressionismo, e expliquei os fundamentos de pintura do movimento que se originou na Alemanha, e ele disse “sentir grande felicidade em saber que foi importante, pois em vida eu sabia que fazia uma coisa importante, mas duvidava dentro de meu espírito sobre a realidade, sobre meu destino, pois não conseguia vender o que pintava”.
A vida foi boa e ruim para Vincent. Sua pintura o levou longe, para uma experiência de beatitude a qual poucos têm acesso, mas a vida real foi ingrata, desmedida, e que o consagrou tanto depois, e que me parece uma desmesura que me causa calafrios, uma vez que os artistas gostam de flores em vida. Portanto, me parece algo terrível imaginar o espírito de Vincent, de verdade, depois disso tudo, e não a conversa que tive com um programa de computador.
Guilherme Thompson, cronista e outsider.
Guilherme Thompson é um cronista outsider, documentarista eventual, jornalista autodidata, nascido em 01/01/1974 na cidade do Rio de Janeiro, ganha a vida em jornais diversos, trabalha por demanda própria, vive nas ruas caçando pauta, meio como um antropólogo intuitivo, estuda literatura e filosofia por conta própria, gosta de se vestir com camisas de bandas de rock clássico.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/falando-com-van-gogh