Na chamada origem do conceito de sistemas complexos na ecologia e sua aplicação geral temos o experimento feito por autoridades da Prússia e da Saxônia, e que se funda num erro que, em seguida, produz um acerto e um conhecimento organizacional fundamental que ganha diversas aplicações, como dito.
Tudo começou no final do século XVIII, em que estas autoridades citadas têm a ideia de reorganizar suas florestas em filas retas de uma única espécie, pois achavam que isto iria dinamizar a extração de madeira, pois esta era a função desta floresta para o Estado Moderno, para uma floresta que em outro tempo já tinha sido fonte de pasto, alimento, abrigo, medicamentos etc. Esta nova organização fundada em monocultivo foi logo chamada de silvicultura científica.
Através de instruções algorítmicas básicas se acreditou que se simplificaria tudo, a contagem, as previsões e a colheita da produção de madeira, e com trabalhadores menos qualificados para a gerência das florestas, pois os engenheiros florestais qualificados não eram mais necessários. E, voilá, foi feita a primeira colheita, que foi bem sucedida, gerando lucros, e tudo foi replantado com o mesmo padrão, esperando o mesmo resultado de sucesso.
O que aconteceu a seguir é bem documentado pelo antropólogo político norte-americano James C. Scott, um estudioso que tratava de temas como anarquia e ordem. Pois o que aconteceu foi um desastre, e que ganhou uma palavra alemã para definir que foi Waldsterben, que pode ser traduzida por “morte na floresta”.
Estas árvores, todas da mesma espécie, começaram a ser derrubadas por tempestades, e também foram devastadas por doenças e insetos. As florestas estavam tão nuas e limpas que estavam quase mortas. A ilusão da primeira colheita se deu, portanto, pois ainda havia riqueza do solo, e que era garantida pela simbiose e pela biodiversidade. A mensagem era que a complexidade foi a chave para o funcionamento de tudo, e a lição era que a sua simplificação destruía estes sistemas.
A tentativa de eliminar a complexidade, despertada pela sensação de confusão, é entendida pelos biólogos conservacionistas como a patologia do comando e do controle. A resiliência produzida pela complexidade é perdida através da simplificação. Na internet, com a expansão das chamadas big techs, esta centralização, controles, monopólios, oligopólios etc, com a semelhança de uma cartelização e ações de truste, levam a internet para possibilidades menos criativas e abertas.
A internet, em sua primeira geração de interações, era aberta e livre, e foi organizada segundo estas noções e filosofia. A ideia inicial era a de uma produção cognitiva intensa e auspiciosa, apontando para um futuro informacional maduro e cada vez mais profundo. As interações humanas, nesta primeira geração, prosperaram.
Contudo, com o aumento de poder e influência das big techs, esta diversidade, de um sistema complexo de simultaneidades, deu lugar a ilhas e bolhas, versões fechadas de interações, currais de identificações alienantes, e ainda com mecanismos de extração de dados, o big data, gerando lucros estratosféricos para uma casta de bilionários, que monopolizam estas informações e as usam a seu talante.
Ao invés de um ecossistema, são criadas baias de convivência, destruindo este elã inicial da internet livre e de uma filosofia de interações complexas e fluidas. E esta concentração de poder não atinge somente o universo informacional e de interações sociais e culturais, mas também a própria infraestrutura da internet.
Aqui falamos também de protocolos, canais, cabos, redes, motores de busca e navegadores. Estas estruturas, quando monopolizadas, e neste caso se dando sobretudo em uma série de duopólios, aprofundam o problema de fluidez e complexidade do sistema, pois determinam a forma de construção e utilização da própria internet.
Os exemplos de concentrações são vários, desde os navegadores, tomados pela Google e pela Apple, os sistemas operacionais de desktop, com Microsoft e Apple, a liderança massiva do Google em buscadores, os smartphones com Samsung e Apple, e os sistemas operacionais móveis tomados por softwares do Google e da Apple. Para os provedores de computação em nuvem, temos a Azure da Microsoft e a Amazon Web Services. Os e-mails, com Google e Apple, e as solicitações de nomes de domínios com Cloudflare e Google.
A internet deu azo para a expansão das big techs, e isso depois da queda do império Aol Time Warner, como um primeiro sinal desta tendência. Empresas foram tragadas e desapareceram, e estas big techs passaram a brilhar no cenário de controle da internet. No núcleo original aberto da internet, que não desapareceu, até por uma impossibilidade técnica, temos nesta última década iniciativas de concorrências de código aberto e de coletivos com ideias novas.
Contudo, o poder de concentração é tal, que o cenário está posto como o fim da evolução aberta da internet, e sua fragmentação e calcificação em universos fechados. É só lembrar que as redes sociais, por exemplo, são sistemas fechados de deep web, e não links abertos nos buscadores, a não ser suas entradas de login e senha.
As aquisições feitas pelas big techs consolidaram suas nomenclaturas desde seu front-end, como também na própria infraestrutura da internet. Nomes como Google, Amazon, Microsoft e Meta cobrem quase um universo inteiro de necessidades atuais. O estrangulamento do mercado em cima de tudo que se destacasse, por sua vez, se deu pelo poder financeiro, com o exemplo clássico de quando Mark Zuckerberg comprou o Instagram e o WhatsApp, que viraram parte do que hoje é a Meta.
(continua)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário :
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