PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

VELOCIDADE DO TEMPO


                           
   Os ossos contorcem de dor na esfera náutica dos meus espasmos, não sei o dia adventício das mortes totais, eu vejo o todo enfurnado em si mesmo como uma cloaca gigante em termos de História e sangue.
   Não sei o contorno da astúcia e os meandros do medo, eu vejo lancinado os horrores que surgem de um nada esférico de tempo e luxúria, eu controlo o tempo em suicídio, eu tenho o tempo de regozijo numa pátria morta de tanto amar a fúria, eu tenho gozo da máquina acidental de meus poemas, não consigo transpor a porta do infinito, não vejo em mistério o véu de Ísis como miragem de um ser absurdo e paralelo, navego na alma do tormento, navio fugido do esquecimento, parto nascido de antros pútridos de nababos e dançarinos.
   Vejo a época nua de teus maxilares, entro na noite como apaniguado do poder dos déspotas, faço a onda material na super sônica cor das astrais canções, livro o pecado de sua morte, livro o mercado de sua sorte, a economia dos solos de guitarra não devem se conter, é uma opulência de fardo de toda a viga de contemporaneidade, de toda virtude de ser avant-la-lettre, de ser vanguarda partida em fogo de amálgama, em ser flor de vultos negros na dura lição da constelação, não há nada que me segurar quando esburra o sangue na liberdade atômica de sua bomba, uma hidráulica de âmbar com soluços de vitória depois da morte penhorada ao susto de um assassino incompetente, de um frio na jugular da febre doente, de um vidro em minha carne procurando a minha veia aorta, e nada de sátrapas e vizirs na aleluia do folguedo de um préstito de volições de terror em vinho e pura aguardente.
   Na barca espantada dos vícios inominados, reinava Moloque em seu trono aparatado de Sodoma, lúbrico como a vida dionisíaca em tédio de orgias, não soçobrava o meu corpo e nem a minha alma, eu levitava incólume sobre a dor da mulher amada, e a viga do castelo rimava com frio e com nada, viciava em carne desnuda em temor de frutas e cristais desencontrados no labor que não ruminava nada mais senão o corte do pulso ao fim da noite.
   Eu vi a esmeralda no meu caminho como flor de lótus em toada de veloz e tórrida mansarda, não cheguei ao termo das danças noturnas em tom sincopado de respirações anárquicas, e a voz da noite não olhou vinho e tédio temerosos em minha maqúina de soluço na vigiada festa dos libertinos, a ciranda era mefistofélica, não havia outra senda para um Fausto com medo de belezas angelicais, o anjo não havia nascido de sangue de corcéis em tal noite abduzida de caos e febre amotinada.
   As bombas soltas na vilania da estrada não miravam o sentinela, mas ele morreu com o grito de vida na dor entrecortada, não restava nada de seu corpo naquela noite em que ele visitou o além, e os dias se passaram como rouxinóis cantantes na dor da estrada que levava ao nada, sua família chorou a guerra dos abismos em que todo o luto ressoava, não havia mistério em sua dor lembrada, tudo era o suor em sangue de sua roupa lavada, e o fim da noite se iluminava com o clarão de um avião em tour pela morte fetichizada.
   Os ardores do karma em que se ruminava a máquina não era dor de fúria rememorada, era cão e era nada, tudo jogado pela dor da estrada, a nau afundava, o rio castanho da flor de dezembro nascia suada, uma flor florida de flora destinada, um amor revivido de poeira e de cantata, concerto visceral com ametista em tom ritmado de poesia, nada de aleivosia, nada de histeria, uma luta simples com o silêncio da pena manifestada.
   Eu fui ao centro da terra lembrar de tudo que via na dor da estrada, eu trazia em meu paletó um diamante de cor matizada, de linda bruma secada, de luto pela rimada funesta dos meus karmas, um livro na maleta para a hora marcada, e um lema dentro dele para usar nas vigas de frio quando cair a noite gelada, eu não esperei cair a estrela para ver o sol de novo como poema vivo, eu caí na chuva com dor mordida de flor amaciada, eu caí no nada como poeta sem dinheiro para pagar meus cheques fantasmas, eu era o livro e a mansarda, eu era meus filhos como nota de lufada, o vento soprou na máquina atarefada, eu sentia com a certeza de um vulcão toda a luta manada de caos em minha alma, e acordava o animal furioso na contenda que ali surgia, eu tive o gosto de sangue em luta armada, eu eu vi que minha musa era a mais amada, por mim e pelo meu sabor de perigo.

03/12/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

domingo, 2 de dezembro de 2012

LUTA ARTÍSTICA

Das ancas da pedra polida,
dos átrios soturnos do pagode,
dos hinos sepulcrais de sua consorte,
o poeta abre o livro das escrituras,
vigia em vão os ritos legais,
uma flor nasce de seu peito árido,
flor de semblante maduro
de canto forte como a dor.

Eu leio o poema em rimas soltas,
a liberdade rumoreja
no correr do rio,
o espanto se fundamenta
com o uivo da arte deflorada,
uma ira e uma risada,
um fardo de raiva,
um atlas para ver
terras ignotas,
um pomo da discórdia
em vã terapia
de loucos.

A liberdade composta
na exaustão dos dramas
talha um homem vencedor,
e de sua pena de poeta
não há pena e nem dor,
reina o mistério
de sua sobrevida
como sangue e como horror.

02/12/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

CONJUGAÇÕES DA FORMA

A letra do poema
não corre tão rápida
quando se quer fria.

O corpo horizontal do verso
se enquadra vertical
na estrofe.

Mas uma metafísica deste corpo
se funda no expresso já dito,
eu digo do lodaçal e da sombra
o indizível que perscruta
a saga de minha pena.

A letra do poema revolve
o andor da máquina,
velhos putrefatos de hinos
já não se comprometem
com as rimas de um esteta,
nem com os floreios rútilos
da escrita espontânea.

O corpo enrijece na sua forma operativa
de poema frio e sem dor,
qual matiz de sombra e luz
a noite deixa na constelação
apenas seus poetas
como fases da lua,
um poeta para cada dia do mês,
como diria Fernando Pessoa
em seus heterônimos.

A julgar dos "momentos-poetas"
de que se compõe a grande máquina,
obra e autor, a crítica ignara
e sua autoconsciência de poeta,
não atua nos círculos sociais
senão como pontuador
das engrenagens,
como operário de suas ferrugens,
e como azeite das funções
de que se servem
os leitores.

A importância do uso da linguagem
é dizer em veias frias
o enigma do indizível,
dizer sempre o mesmo
numa indefinição da forma.

02/12/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

IDEIAS DE QUEDAS

No despenhadeiro pensei
na queda de meu corpo,
eu não me vi caindo,
eu vi os olhos se perderem
na ideia da queda.

Os olhos meus, quais cavalos
castanhos,
roçaram o fundo sem fim
do abismo,
duas órbitas
encontrando
o nada,
a morte é o nada?

Sem meu corpo, estaria eu
consciente de mim?
Poderia ver a minha alma
flutuar sobre um morto,
poderia ver o eterno
ou talvez o inferno,
posso ainda viver?

Não sei o que virá,
fico feliz e temeroso
pelo adventício,
minha morte eu não a conheço,
minha vida futura
eu a quero mais e mais,
e a dor da angústia
nos trai esta doce percepção.

Tantos poetas tiveram
má fortuna,
eu tenho medo da moira
dos poetas,
tenho o sol na minha face
como boa promessa,
eu temo os suicidas,
e ainda mais os poetas suicidas!

Eu leio as cartas atravessadas
de mar de tais corações,
sofro tão terrivelmente
quanto tais angustiados,
eu duvido de ainda estar vivo,
a alma tem aquela vã esperança
de na tristeza dos dias
não sucumbir,
de aceitar toda a
insensatez do mundo
não como moira,
mas como tentativas em vão
de me roubarem a alma,

estou tão saudável
com o meu pensamento
que busco incessantemente
uma bela canção de amor
onde eu possa descansar
o meu peito,
e as feridas se vão
com este amor perfeito
que viverei.

01/12/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

A NOITE DE PÃ

A chuva escureceu na noite
que se perdia,
uma flauta doce
divagava com Pã
no fundo da floresta,
com notas de vinho
na sarça de fogo
do eterno sagrado.

O céu sorriu com as odes
e as tempestades
em ritmos de nuvens.

A fera na noite sem chão
vingou o espírito de guerra
na voz rouca
das armas em punho.

O ar abriu a porta do vento
com solos de violino
na entrada do pórtico
com suor de luta poética.

A nave interna da grande abóbada
levitava o meu olhar
com atos heroicos de sangue,
e a flor azulada de vítreos poemas
se abria no coração livre
das adagas de que morreram
os poetas antigos.

Assim era no tempo imemorial
das vidas arcaicas,
uma folha semeava tal tronco
de dura cerviz.

Os olhos lacrimejam
com os sons de dor,
a vida em flor
lateja
no corpo que
não morreu
nos dias de trevas.

O mar então invade
a cidadela de montanhas
e rosas negras,
com o grito de sal
nas mãos
de um poeta
em choque.

A noite caiu bela
como uma estrada infinita
de estrelas,
e eu vi o infinito
no meu tear
como liberdade absoluta
de poesia!

As flores que vivem
em meu espírito
são salvação
para toda dor
que irradia
em tons de labor,
e o fim do amor
não sepultou
minhas esperanças,
apenas foi o começo
de outro amor
bem mais forte
com a misericórdia
de Deus
que não me deixou
no campo devastado,
mas me trouxe
com as ondas do mar
de volta à libertação
do verso como fogaréu
de poema universal.

E a nova flor-mulher
me tomou em seu peito
de sol e lua,
tal era a paz mística
de seu coração.

Os caminhos se encontram
no poema que componho
com a pena imortal
de um amor total,
qual amor de terra
e de céu
numa copa florida
de sorrisos.

As plêiades caem
em versos no sino
dobrado
da hora da vida
como grito primal
de arte,
e o meu norte
é ter sorte
de vida
na pulsão criativa
da aurora,
a vida da rosa
na lida do dia.

01/12/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

VOZ SÓBRIA

Não exala do elixir
uma dor de penumbra,
por vezes o cheiro
fenece,
em outras
deslumbra.

O corpo na noite exposto,
vive e cheira a lua,
como quem procura
no desdém
algo mais além.

Vai noite assim funda,
como estrela que circunda
a terra,
de mal agouro
o vício que ela
consome.

O sabor do mistério rijo,
traz no símbolo da morte
foice e faca,
dor amarga,
e prato vazio.

28/11/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

FRIO E MORTO

A pedra, empecilho do vento,
resiste à tormenta.

O osso, essência da carne,
remonta ao corpo.

Nas nádegas onde há bastante carne,
o remanso do cu do mundo.
Nada sei e nada saberei,
deste intestino do mundo,
deste bundo semi-círculo.

Duas aves se encontram
na teia,
a estória se tece
nesta estrada
do voo,
se encontra no voo
e nele sobe.

A pedra e o osso
esquecem o corpo,
já sem carne
jaz morto.

28/11/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

MOSTEIRO

Angústia das estrelas
na cor violeta
do verso.

Viajor das esferas
em tanta fantasia
de desertos.

Com tudo encaixado
como numa sinfonia
em bombas de vulcão,
eu passei na rosa viúva
dos horrores da guerra.

A paz violada
dos mosteiros tibetanos
sangrou
no corpo em chamas
de um monge azul.

Vermelho estava o chão,
com as pétalas de rosas feridas
de um pranto de verão.

28/11/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

CREPÚSCULO DA NOITE

Os ares estão viciados,
as estrelas eu não as vi
neste sonho de hoje,
o karma é sempre pesado,
o corpo? Pesado ...

Eu não sei enumerar
todas as dores,
nem os prazeres.

Eu não sou o que morre de amor,
eu sou o que morre de amar ...
sei lá quantas vezes eu cri,
quantas vezes mais
o amor não sofri,
pois não sofrerei
de amar,
não errarei o alvo,
uma vez que a flor
é vida vivida,
não caio em paixão demasiada,
não creio em maldições aziagas,
só vejo você em mim
num dia de sol,
tudo certo ao incerto
crepúsculo da noite.

28/11/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

PENA

Segue o curso da pena,
os dias difíceis
sempre aí estarão,
a vida se esquece,
o corpo padece,
as luzes se apagam.

Como lição, traga isto:
O poema derramado
do corpo/alma
que ali doía ...
o vão que não se vê,
o horizonte ficou para trás,
não há mais selva
na qual se esconder,
não há mais quartos
para sozinhos chorarmos,
não há mais vergonhas
das quais se envergonhar,
a lição é sempre a mesma,
não sucumbir ao tédio
e à tristeza,
não se suicidar
todos os dias
como
punição
eterna.

28/11/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)