PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 11 de julho de 2012

POEMA PARTIDO

Entre cantos de vitória
em vão,
rasgo o poema num ato
de fúria,
sujeito e predicado
se partem
e se tornam
dois poemas
opostos,
de cada lado um osso,
um fêmur e uma mandíbula,
o caos e sua vida,
de cada lado
os dois sonhos,
um sujeito irritado,
e o predicado agonizando,
um verso ao meio
sem saber o porquê,
eu que canto e me espanto
com tal façanha,
um que ri e outro que chora,
um que nasce e outro que morre,
dois de um mesmo universo,
um para mim,
e outro para você.

11/07/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

MILAGRE OCULTO

O milagre putrefato
ascensão de Maria
vingou quedou
ruiu morfetizou
a vaga indecente
fez hora
e tudo partiu
no raio sonoro
da paisagem.

Oras com horas
alhos bugalhos
a bomba atômica
caiu sobre o relógio
as horas que se perderam
oras que tu oras
por um Deus-vinho
que canta alegre
e não mata ninguém.

Vozes de fuligem,
cartas secretas
de um jogo sujo,
e a puta que pariu
o seu primeiro
rebento.

11/07/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

POEMA ADORADO

O espanto nasce,
a vida renasce,
faz o amor alvo
da paixão,
o desamor corrosivo
doer de fogo
nas entranhas
de um pesadelo,
e a voz febril
ao telefone
dizendo
que eu sou sua
mas tu não é meu
que eu sou seu
sem ser minha
que duvidamos
de tudo
na noite parida
de sangria
derrota
descrença
vingança

A paixão devora,
o amor constrói,
a dúvida mata,
e os hipócritas
evitam o grito
mal sucedido
de toda poesia.

11/07/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

INFERNO DOS RITMOS

Certamente que rimos
sempre das mesmas piadas,
como pode um ser
rimar sem dar contas
à sociedade?
Como pode o poeta
ousar a escrita
se tudo desmorona?
Como entrar no sótão
da esqui    zo  fre nia
                   qual    música    oca
             ri  má   parida?
                              num
                       sem dor dolores amores
                                ó    dores?
como?
        lou   co     como louco?
                   ás da canastra
                   carta perdida
                      gênio gênio
                          gênio?

Pode a morte ser bela?
Pode ser a vida viável?
Pode a verdade?
Não pode?

Certamente que choramos
sempre dos mesmos dramas,
e tudo isso vai ao inferno
com todo o meu amor.

11/07/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)  

CANÇÃO ANÔNIMA

Eis que venho de estadia
num estado vário.
Donas doces do coração
liam o serviço dos jornais:
"O professor Rubens
se casou com uma virgem
chamada Zuleika,
lá na casa deles
só se come carne
aos domingos
e o cachorro
só come angú."

Passo adiante com a flor roxa
dos tempos de universidade.
"Parece que estão felizes,
Rubens faz questão
de ignorar a imprensa
e as notas nos jornais,
a propaganda farta
que fizeram
parece-lhe
um circo dos horrores."

Passaram-se anos e Rubens
teve uma filha demente
que foi treinada
para se tornar
atleta,
hoje ela estará disputando
as para-olimpíadas.

Outra crônica foi escrita
no mar de saudade,
Rubens, Zuleika e a filha
moram em Madureira
numa casa de um cômodo
com ratazanas passando
sob as camas
nas madrugadas
de chuva,
mas a imprensa
garante
que é uma família feliz
e que todos os dias
são ditosos
como num
carnaval.

11/07/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

A POESIA MISERÁVEL

Quais arcos do meio-dia
em solo pátrio
resistirão
à chama?
Notas musicais invadem
a pauta enegrecida
de tumores.
O vate sonha,
mesmo acordado.

Elêusis sopra o vento zéfiro
nos haustos do dia frio.
Corrói a tempestade no suicídio
de uma aranha morta.
Febre montada em holocausto
serve aos morfemas do castelo
de poesia,
um para cada
soluço,
e uma pontada cáustica
na última dor
e no último verso.

Será, das vagas sentimentais,
o poeta mais feliz do mundo?
Será feliz o triste na montanha
ou feliz estará no vale
sem saudades de nada?
Como não tenho nada com rima,
e nem com desilusão,
me mordo e me calo.

O forte sentido na cruz
da espada e do fogo
elege martírio
e espanto
na faca indolor.
E o poema resfria
o desespero
numa obra violenta
de nervos e canções.

Alamedas passam pelos
olhos tristes,
e a peça da nau azul
é a peçonha
de um náufrago.

Os mares sorrindo
são horizontes
onde a visão
se perde
em filosofia,
e os áureos tempos
de realeza
acabam
na miséria
absoluta
e na calma solene
de versos que se derramam
sem pensar.

11/07/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

terça-feira, 10 de julho de 2012

PENSANDO RITMO

A cria de Jazz
é um sonho azul
de heroína.
Parque do romance
na lua da praça
de velhos.

A filosofia não compreende
a noite boêmia
do álcool na voz
mutante
de Billie Holiday.

Eu chorei olhando
a minha cabeça nua
e a minha língua
anestesiada de cocaína.
Passo em frente
ao portal de todos os seres
no cais de Miles Davis
conversando sobre flutuações
de seu "Sketches Of Spain",
uma voz bruta cantava
pelo tantra vassalo
da corte de saxofonistas,
o trompete pleiteava
o cérebro do sopro,
e Monk e Mingus
viravam a noite
depois da morte
de Charlie Parker.

Meus camaradas falavam
sobre ventanias
no sonho da marijuana,
fazendo sons desconexos
de esperança.

A noite azul do cavalo
subia à mente
com o encanto
das mulheres.
Cortava o som do pub
um monte de bêbados
anarquistas
sobre cinzeiros.

O palco das cantoras suicidas
era coberto da fumaça
de marijuana,
e os olhos cintilavam
na filosofia boêmia
daquele Jazz
eterno
que vivia os deuses
em cada tragada
de charuto.

Esperava a nova geração
da poesia na porta
dos entendedores de tudo
prontos a mergulhar
no nada do verso.

Allen Ginsberg me chamava
para dar uma volta
pela orla em seu carro.
A gasolina era patrocínio
dos estetas
que vendiam heroína
aos músicos.
E os jardins de papoula
já eram plantados
na cabeça
que produzia
"Kind Of Blue"
com trouxas
de marijuana
na boca do lixo
que ouvia
Sganzerla e Glauber
confabulando
as suas próximas
empreitadas.

Eu gastei cem reais
em uma noite,
nada demais para
um homem
que se julga
atravessado
de dívidas impagáveis,
tomei água à beira do lago
ao ritmo de Billie Holiday
esperando o tédio da manhã.

Os lutadores armaram
uma confusão
no baixio da fúria
para mostrarem
os seus músculos,
e eu sorri bêbado
com medo de cair
sem ver a polícia chegar
e tomar cachaça
com os mendigos,
eu era um ser caçado
por fotografias
de planos retilíneos
de um caminho curvo
e delirante
que não amava
a aurora mais
que a madrugada.

10/07/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

ORAÇÃO FAUSTOSA

Naufrágio do convés
pelas cimitarras
das invasões
do campo rico.

As naves vingam
as pedras,
as pedras vingam
os mares,
os mares vingam
os poetas.

Eu vivi na morte
como na vida ferida,
eu vivi na cidade
com toda a infinitude
em meus olhos,
eu sonhei com a alegria
na catedral das almas
bondosas,
eu caí e desmaiei
no vício das horas
de ócio,
e vi com o meu corpo falso
a minha memória
na centelha divina
da dadivosa chama
que chorava
as rosas e as orquídeas
do jardim que era
vivo.

Pelas estradas eternas
caminhei sem dó
dos vigiadores
do caos,
sem olhar a iminência
do fim no palco da dor,
sem rimar o amor farto
da nuvem que se dissipava
na eternidade
que sonhava
sem culpa,
eu acreditava na vigília
da alma rediviva
como temporal
que rugia
pelos ventos de desejo
pelos corpos,
ouvia o amor das formas
nas vozes da carne,
o amor informe
nas vozes da alma,
dizia meu coração
a saudade que sentia
do paraíso desmanchado
na maldade,
a saudade das plácidas
orações na saudade
das canções,
a saudade do coração
que explodia no grito
da redenção.

10/07/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

POMBA BRANCA

Pousa a pomba branca
na cabeça do esquife
como premonição
de salvação.

Os olhos flamejam
dores taciturnas.
Já dizia "eureka"
na tempestade
de um sino,
o canto se dobrava
de honras no ópio
da voz exangue.

As águas fluviais emanavam
o miasma das nereidas
no sonho do navegante
em vil traição.

As águas bentas beatificadas
canonizadas de céu,
das águas virulentas
do castiçal em chamas,
as águas de marés
nas ondas dramáticas
do proscênio.

Que ouço na ausculta
do fundamental?
O amor resoluto
e sem paixão,
o vidro espatifado
na fronteira do meu
sangue,
o calor do corpo vivo
na paz espiritual
de uma alma em floração,
o riso semeador
da comédia
no lindo dia
de verão,
o sonho vertido
no canto solar
de um mecenas
febril,
a poesia inflamada
na miragem de seus
devaneios,
a lágrima regida
por uma música
de intensidade
e densidade,
a arte sentida
nos remansos
da calma solene.

E o amor vigora,
o amor pacífico
de um corpo
de glória
na vida que se vive
afinal.

10/07/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)


ETERNIDADE VERTIDA

Atenas sitiada, vozes da penumbra
na noite azul da dança.
Quantas são as hordas
do fim do mundo?
Vejo em minha manta
o sujo estupor
do gládio,
pelos ventos vorazes
na alta silente rubra flor.

O alvo está morto,
os estertores da fúria
golpeiam o meu ventre,
a cápsula do temor
vinga o solo do sol
no rancor da fera.

Outrora festa, presente macabro,
as velas se acendem
no caos do espírito,
corre nas sombras
a luz ferrenha
nos haustos
do penedo.

Honra e destemor
vagueiam
nas obras
inacabadas
do torpor.

Aleluias velam pelo corpo
na cor vicejada
de diamante.
Correntes são puxadas
na escada do infinito,
na palma inquieta
que lê.

Olhos malvistos, castelos
na noite celebrada.
Vultos no sonho do poeta
que fugia de seu céu
na idade de uma virgem.

O solo fértil retinha
o tremor arcaico
de funda poesia,
desídia na vingança
era o tédio
com ardor
pelos cantos
de febre
na infinita
dor, quando
eu sabia
de todos os acordes
de tenores
numa volta
de drama
pelo ato final.

Restava o céu furioso
nas vigas da eternidade.
Época de sonho
pelo vinho
que navega
nos ares
de ácidos
e juramentos
redivivos.

A praia ventava
como sentimento
de um animal maldito
como negror de morte.
Sobrevida era o emblema
no socorro das almas
em profunda vitória.

A tela era claustro
e emoção no rasgo
de verdade,
no livro que feria
de rigor e tripudiava
do algoz na noite
do fogo embriagado.

Regia o maestro
debilitada orquestra
quando renasceu
toda a eternidade
na ponta da pena.

10/07/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)