Dentro de mim mora
um abismo, calei profundamente sob um prisma de eras. Na época acima que o
livro dos sofismas acirrava o ânimo, eu pequei e voltei da tempestade. Os ócios
se viravam muito bem, e a estrela d’ alva ronronava sob manto azul celeste. Cada
enigma porfiava rútilas sacadas. O vão da propaganda enunciava ritmo e som que
faz a pena vibrar. Os muitos casos se unem na via férrea que emana do sol e
colide com o mar. Vai ao templo, lutar Cartago sem muros, cidadelas de Rodes,
Cós e Naxos ricas, permutando com Lacônia e fachos vivazes de hilotas. Nem
tanto ao Mar Egeu, que ao caos Adriático, que morre no Tirreno, que se atira
Safo do penhasco em Mitilene. Vai e doura ao topázio, morte e vida, causas e
nexos dos vinhos e tempos aos dizeres de Córdoba, fundo metal gótico sob
campanha, ócio na Galícia, vinho e suor no calor de Tripolitânia. Na vã
filosofia nascia o território delta, fulgor e espanto brotavam com luzes na
arfante rua dos areópagos. Nos dias que julgavam em pórticos, um vate gótico
serpenteava com o rigor mortis de uma espadada. Cada tempo subia nos ares do
mar morto, sem sal ao rio, com bruto sabor a saída ao Mediterrâneo.
Conheci agora a
palavra machadada. Lembrei agora da palavra noite virada. Noite-poeta tarda de
trôpega com o linho azul sedento de lã. As estórias correm, vulto e calor são o
ar místico que não vive na penumbra. As quedas do violeiro trazem notas de
partituras doidas, me banho na alma, me detenho no farol, Alexandria,
Constantinopla, O Mar Cáspio, Calcedônia com o ferrenho sol do Mar de Mármara.
Eu corro pelo deserto com o blues de salto mortal com viés futurista. Me tenho
em meu karma, danço e sofro como um renunciante. O mar alto é delta com fogo em
alfa.
Andei nas lutas
sôfregas, tardo e lasso, como se vê no gládio em que a fera feria, vento e
líquidos esparsos aspergidos, ásperos, temerários, renascidos, rotos,
enfadados. Luto com rinhas, com ninharias. Luto com verdor na alma, castelo
bruto do passo da prosa. Luto infame como um misterioso rito de corpo em
bandeira vermelha. Na capa de meu disco mora uma guitarra, rente ao ébrio passa
um poeta, eis que de ébrios e poetas o mapa grego registra Efialte e Péricles,
com vigor passa um lance de Dionisos, rito e emplastro, em Delfos.
Na rua de pedra eu
corro, socorro os sãos, revelo os loucos. Na vida um rito se emana por toda
parte, e o sol inclemente perfura a retina com seu segredo lisérgico, fadas de
botas e duendes com caras de anão. Os mundos paralelos em que a História tem
seu terrível soco impresso em Akasha. Não tem nada mais que a fruta uva e
laranjas e maçãs e a vida frutuosa, com caldos, com lanternas, com desterros,
farpas endemoninhadas, regatos filosofais, livros em pedra de cal com vinho
sobre as têmporas. Lá, ou saiu o demônio ou acordou o anjo, não importa, Jano
retinto mesmeriza com vate duplo em face de enigma. Zeus troveja por sustos, e
o elenco é firme como um relógio, poeta mecânico sem mácula indelével, poço de
riso, manta adubada em cogito totalizante, amplo com as esferas em harmonia com
a própria mente espiritual, Hendrix sonhava com as pupilas dilatadas, o rock
troveja vigor e erro, a música não cala nada, passo meu passaporte com o mar
violento de minh`alma.
As notas fundidas em
aço potente: há em vão nada em vão, há tudo em sorte com manto persisto, o
corpo vigora com ares de fascínio, levo-me ao tempo absoluto que me detém vivo,
a alma recobra o pensamento esclarecido, sapere aude, rigor e fortuna na paz
atônita que vem como templo e oráculo, cada dia mais ainda levitado, dando ao
desdém furibundas e jocosas deambulações. Eu venho por detrás da chuva, por
cima da tempestade, dentro de um sol intuitivo que brilha sunshine por todos os
lados, sol eterno que pulsa qual quasar sempre espanto, mais acalanto que sol
em pranto, dada a figura, toda a ventania volta sempre à Hélade, já edifiquei
com a autoridade vasta de um campo de trigo, já fiz os registros necessários da
empreitada, pintura de estultos, esculturas de incapazes, poemas de dramáticos,
com a funda bacanal de Téspis.
Logo: chega ao esteta vinho e brio, com ardor e langor, dada à
fortuna, encimada no sol pestilento que rebate no vinho da alma com segredo e
desvelamento das coisas findas ou nunca fundadas. O fundo mais que tempo, o
templo mais que futuro, o fulgor que aterra em Roma, Diocleciano matando
cristãos, o urro de Calígula nas delirantes praias, manda o vento corroer toda
a ferrugem nas belonaves, manda naves aterrissarem com todas as luzes
estroboscópicas como uma orgia de luzes e cores. Todo o manto da sensação,
grande Deus da droga, eviscera seus amantes, delira seus devotos, leva embora
de overdoses. Pulo e salto com rebotalhos no chão, pulo e canto com espantalhos
com vozes de rusgas, como se a asa de fibra renunciasse sem mais, e ao
contrário, com festa e flor poetas se refazem, se recobram, e beijam o mundo
com um abraço.
Não há litígio aonde
mora a filosofia, não há enfado que na poesia não morra. O poema não mais triste,
não mais doente, a cabeça ao passo largo que a alma expande, lenho e fúria que
não dizem nada, e dizem tudo em amálgama, como o raio violeta se expande verde,
e os olhos veem. O verde que se veste de azul, e o vermelho que sorri com seu
rosa. O mar que ora vai verde e ora azul, o diamante que é denso, cor de vidro
quando explode. Na massa craniana moram ritos do Espírito, e com o lagar bem
semeado Borgonha e Alsácia-Lorena viram o tempo com florais, clima temperado,
as dunas de sal, os emblemas, os vinhedos, os carros de carruagem, a técnica
lírica de escrever, passo dentro e não mais rente, o trôpego poeta cai e
levanta, o sol nascente d`aurora permeia tudo o que há, o universo, meu grande
sol com cor celeste de galáxia, todas as coisas do mundo em cores alteradas
como prisma e mandala. “O Louco” da carta de Tarô de Marselha com a saia cigana
que nunca ousou me humilhar, com o denso sabor que cai nas figuras de geômetras
que descansam na Academia.
Tomem um chá de glândula
pineal, tomem os ares imaginários que flutuam com o sentido da vida, lembro de
cada corpo, e os tenho em estima, todos irmanados com filosofia de sol no
peito, como anjos espantados com o meio-dia, como luz e som com cores e a
acústica que faz tudo brilhar com graça infinita. Eu vou ao mar, e o mar
vem até a mim, até a Filosofia vira loucura de Poesia, e os viços correm com a
mão na pena, eu levo toda estrela com o tempo vivido de ares mais náuticos que
podem emanar do mar, oceânide que levita, mares de fogo nas minhas visões,
deltas e alfas, fogo na bruma da anarquia, todos os sentidos em harmonia com o
senso de justiça, a alma grega com o termo de razão tão apreciado, logo o mar
de sempre com a total fortuna dos adventos de que a arte é tão pródiga. Leve o
lenho, e se aqueça no fogo universal.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
29/06/2015 (poema em prosa)